SENAI CETIQT: Processos naturais de acabamentos têxteis e case da Mattricaria, projeto de pesquisa da flora tintorial


A brasiliense Maibe Maroccolo é a criadora do projeto batizado com o nome científico da Camomila (Matricaria Chamomilla), que se refere à calma e à leveza. Além da pesquisa da flora brasileira tintorial, o ateliê dispõe de serviço de tinturaria natural para empresas com a intenção de fortalecer a preservação dos métodos tradicionais têxteis e ampliar o acesso aos benefícios do tingimento natural. Ela trabalha exclusivamente com fibras naturais e conta com uma cartela de cores desenvolvida de acordo com a sazonalidade das plantas tintoriais selecionadas para o calendário anual

Impactos no meio ambiente de efluentes da indústria da moda, infelizmente, ainda são observados e remetem às tristes as imagens de rios coloridos e poluídos pelo descarte nas águas de compostos dos mais variados produtos químicos. Obviamente é crime. Quando pensamos na questão dos processos sustentáveis para a indústria da moda, temos a diversidade brasileira nos oferecendo múltiplas possibilidades para que possamos repensar os materiais utilizados nos processos de acabamentos têxteis, provando que é possível utilizar de métodos não artificiais para a tintura de tecidos. E os resultados e os desafios encontrados para viabilizar e dimensionar em escala industrial o tingimento natural vegetal são de suma importância para uma produção mais limpa em prol do meio ambiente. O SENAI CETIQT promoveu a live “Processos Naturais de Acabamentos Têxteis”, mediada pela consultora do Instituto SENAI de Tecnologia de Confecção Michelle Souza e com a participação da criadora do projeto Mattricaria, a brasiliense Maibe Maroccolo. O Brasil é o país com a maior biodiversidade vegetal do planeta e a conversa girou em torno do projeto voltado para a pesquisa da flora brasileira tintorial e que tem como premissa a promoção da cultura de sustentabilidade na produção têxtil e artística em busca de modificar a racionalidade de produção e consumo fortalecendo a preservação de métodos tradicionais e saberes originários. A Mattricaria, criada há oito anos, dispõe de serviço de tinturaria natural para empresas com a intenção de fortalecer a preservação dos métodos tradicionais têxteis e ampliar o acesso aos benefícios do tingimento natural. Ela trabalha exclusivamente com fibras naturais e conta com uma cartela de cores desenvolvida de acordo com a sazonalidade das plantas tintoriais selecionadas para o calendário anual.

Maibe pontua que a tinturaria natural é um dos carros-chefes da Mattricaria. “Trabalhamos muito com marcas locais, nacionais, assim como exportação. Temos um fluxo internacional interessante, crescente, que vem procurando os nossos serviços para fazer tingimento industrial”. Maibe revelou que só com a casca da cebola desenvolveu, por exemplo, 16 tonalidades de pigmentos eco-friendly. Comenta ainda que, a Mattricaria vem lançando luz para a estamparia, diante da demanda do mercado. “Temos uma técnica chamada estamparia com mordentes na qual trabalhamos com mordentes de ferro e de alúmen, serigrafia, pintura livre, impressão botânica”.

Segundo Maibe, o pigmento vivo, o corante natural muda de cor. “Uma camiseta tingida hoje de amarelo pode, em dois meses, tornar-se amarela mais escura, pois a cor acabou oxidando um pouco. São cores vivas que mudam com o tempo. O tingimento natural traz a oportunidade para olharmos para as cores dessa maneira, diferentemente de uma cor sintética que é apenas aquilo ali”.

A sensibilidade de Maibe para a sustentabilidade foi aguçada no mestrado em Desenvolvimento Sustentável na Indústria da Moda que fez no London College of Fashion, na Inglaterra. “Foi aí que eu me reencontrei com o tingimento natural”. Essa reconexão representou um reencontro com a própria família e com a infância: “Foi um resgate muito significativo, muito lindo, pois me lembrei da minha mãe, que fazia tingimento natural quando nós éramos pequenos, e da minha avó, que tingia os lençóis de casa para costurar roupas para os filhos. Nada daquilo era novo. São tecnologias têxteis antigas, ancestrais e inteligentes utilizadas há vários milênios. A Revolução Industrial, porém, transformou o mundo e o deixou como está hoje”.

FOCO NA BRASILIDADE

Ao colocar a mão na massa, Maibe resolveu focar nas plantas brasileiras: “Não importo nenhum pigmento. No começo das pesquisas, vi que havia muito tingimento e manualidades de tintureiras na América do Norte. Mas se temos climas diferentes, territórios diferentes, vegetações diferentes nos dois hemisférios, obviamente teremos cores diferentes. Decidi olhar para o Brasil que, aliás, tem a maior biodiversidade vegetal do planeta. Temos muito o que conhecer, explorar, estudar, admirar aqui. Pesquisadores dizem que a cada três horas é descoberta uma nova planta nativa nacional. Temos muito potencial, mas precisamos de políticas públicas, investimentos para atuar nesse segmento de forma menos artesanal e manual. É necessário agregar tecnologia às práticas tradicionais”.

Em sua pesquisa, a Mattricaria costuma partir da coleta de campo. A equipe leva o material para o ateliê e faz a análise do tingimento natural em diferentes tipos de tecido, além, claro, de desenvolver tintas – e não apenas para tecidos: nos últimos três anos, a empresa está envolvida numa profunda busca de conhecimento sobre tintas medievais, aglutinantes e fixadores utilizados pelos grandes artistas e pintores. A ideia é desenvolver técnicas e novas maneiras de produzir tinturas adaptando-as ao cenário brasileiro atual. “Temos mais de 600 espécies catalogadas em nosso ateliê com diferentes cores. Fazemos, também, testes de solidez à luz: cores que desbotam com mais facilidade, as que têm teor mais forte de tanino, as mais utilizadas para o tingimento de peças comerciais e por aí vai”, afirma Maibe Maroccolo.

O olhar da empresa é totalmente voltado para o mapeamento dessas plantas. “Onde estão?”, questiona Maibe – e ela mesma responde: “Temos os biomas – Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Pampa. Estou sempre buscando, em bibliografias sobre plantas e frutas brasileiras, a origem e o mapeamento delas. O Norte vem com o urucum e o crajiru; no Cerrado temos a tradição das árvores tortuosas, o barbatimão e o jatobá, que nos dão tons terrosos; na Caatinga temos o timbó, entre tantas outras”.

A IMPORTÂNCIA DAS PARCERIAS

A Mattricaria auxilia também empresas e organizações interessadas em promover projetos voltados ao desenvolvimento sustentável como uma estratégia potencial de mudanças positivas.

Um projeto superinteressante é a pesquisa colaborativa Qual É a Cor da sua Cidade?, na qual integrantes da Mattricaria convidam pessoas interessadas nas histórias populares sobre plantas em suas cidades, a vegetação predominante em seus estados, suas origens, suas medicinas. Afinal, muito do tingimento natural e do desenvolvimento de tintas está na história de cada comunidade, de cada região. É preciso resgatar os saberes populares ancestrais, artesanais e têxteis. “Esse é um projeto muito rico que eu tenho muito orgulho de desenvolver. Queremos ter uma publicação que ajude as próximas gerações a atuar partindo de uma base de dados para desenvolver seus produtos e serviços”, explica Maibe.

O fato é que, há dois anos, a pesquisa levou a equipe da Mattricaria para o exterior – mais precisamente para o Havaí a convite da marca Olukai para fazer um levantamento de plantas tintoriais havaianas e os pesquisadores passaram um tempo junto ao jardim botânico de Oahu. O desenvolvimento da pesquisa deu origem a uma coleção de sapatos coloridos com plantas havaianas.

No final de 2021, a empresa desenvolveu uma parceria com a Suvinil. Ao completar 60 anos de trajetória, a multinacional convidou a Mattricaria para cuidar do projeto Brasil em Cores. Foram selecionadas 30 plantas brasileiras para ressignificar cores já existentes no catálogo da Suvinil. “Falamos sobre as plantas tintoriais nativas, suas origens, sua medicina popular, os contos e as histórias em torno delas e fizemos uma conexão com os tons que a marca já oferecia. É muito bom quando companhias desse porte nos dão a oportunidade de compartilhar conhecimento. Contamos um pouco da história do Cerrado, da Amazônia, das cores aplicadas no tingimento natural. O projeto tem um olhar para a biodiversidade nacional, para a valorização de nossa cultura, nossas plantas e nossa História”, destaca Maibe.

E acrescenta: “Um dos pilares com que a gente trabalha é a educação, então eu falo sempre em compartilhar saberes. Além da nossa pesquisa, eu sentia que as pessoas tinham muita vontade de colocar a mão na massa. Somos curiosos por natureza. Os cursos trazem esse resgate de memórias afetivas. Esses saberes artesanais, processos manuais propiciam essa reconexão nossa com os pequenos prazeres da vida, da nossa infância, de um sabor, de um cheiro e de cores. A gente sentiu a necessidade de compartilhar esses saberes”.

Como se vê, o sucesso da Mattricaria está reverberando. Em Brasília, a empresa mantém conexões com agricultores familiares, o Ceasa (distribuidor de frutas e verduras do DF), supermercados e restaurantes que separam resíduos vegetais que iriam para o lixo e são utilizados para tinturaria e desenvolvimento de tintas e pigmentos. Mesmo com esse farto fornecimento de insumos, Maibe conta que é necessário estar sempre renovando seus lugares de busca por matérias-primas: “Devemos ter cuidado com o material que usamos: se compramos, quem é o fornecedor e de onde retira? Fazemos um giro de seis em seis meses em nossa cartela de cores para não estressar o local de onde estamos buscando as plantas. Precisamos reaproveitar os resíduos, mas também plantar. A intenção é cultivar para utilizar como matéria-prima na tinturaria”.

PILARES

– RESGATE DE SABERES TRADICIONAIS. A prática de tingimento natural ou de desenvolvimento de tintas e pigmentos não é nova. O que fazemos é estudar e pesquisar bastante. São inúmeras horas de testes entre erros e acertos. Às vezes temos uma receita já fechada, erramos e criamos uma tinta nova, uma cor nova. Essa flexibilização do nosso pensamento é interessante: nós, como humanos e não máquinas produzindo.

– VALORIZAÇÃO DA BIODIVERSIDADE BRASILEIRA. Para mim, poder olhar para dentro enquanto país, trazer nossos pontos positivos, todo o nosso melhor, toda a potência do universo plantar brasileiro é um ponto chave.

– PARCERIA COM PRODUTORES. Isso é importante, inclusive dentro da Economia Circular.

– SOLUÇÕES AMBIENTALMENTE SUSTENTÁVEIS. Não é um trabalho fácil. É um trabalho de formiguinha, estamos contra o fluxo nesse desenvolvimento que é trabalhoso, lento, porém satisfatório (reaproveitamos toda a água da produção, descartamos toda a matéria-prima corretamente).

DICA DE OURO

Conecte-se com a sua própria natureza. De diferentes maneiras: a natureza interna e a natureza local.