Com mais de 30 anos de história, a empresa Refazenda se posiciona não apenas como um negócio de moda, mas como uma label de comportamento que se comunica por meio de produtos sustentáveis e de alto valor agregado, influenciando seus consumidores a se estabelecerem como cidadãos do mundo, numa expressão fiel de pertencimento ao planeta. Nasceu no começo dos anos 90, no Recife, quando pouco se falava no país sobre moda circular, upcycling, ESG. Mesmo sem referências, a empresária Magna Coeli idealizou uma produção 100% circular. A ideia foi criar um novo estilo de comportamento, aliado ao planejamento de todo o material usado no ciclo, inclusive as até então indesejadas sobras. “Moda com calma e com alma”, como sempre fez questão de frisar e na qual o handmade também é parte integrante do ciclo de produção – “O feito à mão com o coração”.
A prática tão incensada hoje do upcycling também já estava lá, num tempo em que a ação mais próxima da sustentabilidade era a reciclagem. Mas, a Refazenda já carregava em seu DNA o ideal da sustentabilidade, repensando a moda e o mundo. “Upcycling é um termo supernovo, que nem existia na época em que a Refazenda surgiu. Existia reaproveitamento, mas não essa tendência. A Refazenda faz uso dessa técnica valiosa para fechar o ciclo com recurso sólido”, explica o publicitário Marcos Queiroz, empreendedor social, sócio e diretor de Soluções da Refazenda, filho de Magna Coeli, a criadora da empresa B Certificada. Você pode acompanhar todo o case da Refazenda na live que está lá no Youtube do SENAI CETIQT, batizada “Refazendo o Mundo, Refazendo a Moda“, que integra o projeto “Novo Ciclo para a Indústria da Moda”, parceria com a Laudes Foundation.
A gente acredita em quem se preocupa com o mundo. Em que faz agora para as gerações futuras. A gente acredita em quem coloca a mão na massa. Em quem produz com afeto, dando o que tem de melhor. A gente acredita em quem faz com calma, em quem põe a alma. Em quem se dedica às coisas da terra e valoriza o local. A gente acredita na sintonia de quem busca o bem-estar de todos. Cada ser humano mais próximo um do outro em vez de máquinas – propósitos da Refazenda
Portanto, a ideia da estilista foi criar um novo estilo de comportamento, aliado ao planejamento de todo o material usado no ciclo, inclusive as sobras. Hoje, a Refazenda, nome inspirado na música de Gilberto Gil, contabiliza diversos selos. “Temos o One Planet Network, que é o nosso braço dentro da ONU; somos uma empresa B-Certificada; temos um Triplo B na Pesquisas Humanizadas do Brasil; fomos a primeira empresa com o selo Capitalismo Consciente do Brasil fora do eixo Rio-São Paulo; premiada com o Eco Brasil, tido como o prêmio mais importante voltado para a valorização das empresas que promovem as melhores práticas sustentáveis”, diz Marcos Queiroz.
Segundo ele, “no início, Magna não tinha a menor ideia do que era ESG, mas sabia que se não equilibrasse o Social, o Ambiental e o Financeiro em uma empresa de moda não seria o que queria. Na questão voltada para o social, ela começou gerando emprego e renda para comunidades menos favorecidas às quais teve acesso através de projetos. Ela pensou: ‘tem que ser um negócio e cada artesão precisa remar comigo'”, revela Queiroz, acrescentando: “Começou fazendo roupa e quis fechar o ciclo para não gerar lixo sólido e, com isso, conseguiu abraçar o lado ambiental. Sabia que não adiantava fazer o social e o ambiental bem e não gerar caixa, pois os dois desmoronariam juntos. Portanto, há 32 anos existe essa busca pelo equilíbrio entre as esferas”.
LEGADO DA ALFAIATARIA
Para entender todo o universo da Refazenda, é preciso voltar ao passado, para a alfaiataria feita por João Rodrigues, o avô de Marcos Queiroz, um italiano imigrante que se estabeleceu em Campina Grande, na Paraíba, e que trouxe as técnicas do fazer bem feito: sob medida, com acabamento impecável e extrema atenção à modelagem e à durabilidade das peças. A avó de Queiroz, dona Marina, era professora de corte e costura e levava a filha, Magna Coeli, para brincar no local onde eram produzidas as roupas. “Ela incentivava minha mãe a pegar os retalhos que encontrava pelo chão para fazer roupinhas para as bonecas e, depois, para si própria. Está aí o segredo da empresa: resíduos nunca foram problema para mamãe. Eu cresci com o mindset de que retalhos eram uma questão, mas que poderia ser transformada. Magna sabia que era solução”, frisa o sócio da Refazenda.
SISTEMA REFAZENDA D PRODUÇÃO
A escolha dos materiais a serem trabalhos é de suma importância. Magna sempre acreditou que as fibras de origem natural são as melhores, tanto por uma questão de clima também, porque no Nordeste predominam aas temperaturas altas. E ela sempre teve a certeza de que as fibras naturais são mais adaptáveis à pele assim como consideradas as melhores para o upcycling. Em seguida, parte-se para pesquisa e desenvolvimento, comum a toda confecção, pois cada uma tem o seu DNA de criação. Depois vem o corte, o vilão da indústria têxtil – pelo menos na fase de produção -, que é quando são gerados os resíduos: por melhor que seja o planejamento, quando estamos na fase do corte são geradas sobras.
O REPENSAR A CADEIA PRODUTIVA E HÁ 25 ANOS GERANDO LIXO ZERO
E é nesta etapa do corte que entra o segredo da Refazenda, o repensar. “Se planejamos produzir 70 vestidos, cortamos 100 metros de linho e sobram 20 metros de retalhos, digamos. Gastamos um tempo precioso pensando no que fazer com esses metros que sobraram de modo a criar um outro produto que gere desejo e que faça a roda girar”, afirma Marcos.
O percentual de sobra, de resíduos, depende da peça que está sendo cortada: a percentagem de retalhos de uma calça é diferente da de uma saia, por exemplo. “A Refazenda perde de 10 a 25% no corte, que é mais ou menos a média do mercado. Mas fazemos a conta que temos que aproveitar os 10 a 25% no segundo giro, que é o giro do Repensar.
A gente chegou no lixo zero há 25 anos, quando isso era considerado inviável. E, lançando mão da criatividade, todos os integrantes da Refazenda transformam lixo em luxo – Marcos Queiroz
A grife tem alguns caminhos para dar destino aos retalhos. O primeiro é na própria roupa, tanto externa quanto internamente. Os retalhos podem ser usados como jogos geométricos, repletos de desejo. Outro destino para os retalhos é virar acessórios, 100% feitos via upcycling. “Nesse caso, a marca usa também materiais que não são nossos, como papelão, plástico e PVC, entre outros, para dar sustentação interna (num colar, por exemplo). Mas esse não é um dos caminhos principais”, conta Marcos.
O terceiro caminho são as parcerias com cooperativas de artesãs para as quais, além de doarem retalhos, ensinam ofícios e recompram com valor agregado. Um bom exemplo são elos de colares feitos por cooperativa para, depois, montarem as bijoux de acordo com a criação da grife. “O que achamos melhor nesses ciclos com as cooperativas é a informação que deixamos com elas, pois não pedimos exclusividade. Não queremos que a cooperativa dependa apenas da Refazenda. Ela deve fazer daquilo um ofício que tenha sentido para outros negócios e para outras empresas”.
A empresa valoriza muito o feito à mão, pois se trata da dignidade de quem está nos bastidores, com a mão na massa. “Aqui nós tentamos trazer o coeficiente de dignidade como principal KPI (Key Performance Indicator). É muito subjetivo para alguns mas, quando vemos o sorriso no rosto de uma rendeira, percebemos que esse objetivo foi conquistado”. E a atemporalidade é o que vai estender o tempo de vida útil dos produtos, contribuindo para a longevidade e para o aumento da economia circular”, garante o diretor da Refazenda.
DESIGN E DESEJO
A grife sempre inova, a fim de se manter na vanguarda da chamada moda regenerativa. E buscou soluções tanto interna como externamente, escutando clientes etc. “Então criamos o ReOuse. Trata-se de uma ferramenta que temos na hora de criar. São peças novas nas quais apostamos na versatilidade: quanto mais versáteis forem as roupas, melhor para o design, para o varejo e para o meio ambiente, pois temos mais possibilidades de uso e, com isso, aumentamos o tempo dessas peças”, diz Marcos Queiroz.
A outra inovação é o Realce, nomeado com o título de outra música de Gilberto Gil, que é criar possibilidades. “Gil sabe que a Refazenda existe, tanto que as nossas patentes são liberadas por ele – a gente tem patentes em vestuário, acessórios etc. Diferente do Reouse, o Realce é a recriação, a cocriação de peças Refazenda usadas, com história de vida. Chegamos ao Realce por causa do depoimento de uma cliente que disse que usava nossas peças por 15 anos, porque elas não acabavam. E nós dissemos: ‘Que tal se a gente repensar essas roupas?’. E aí começamos a fazer oficinas em que recebemos roupas usadas da nossa marca para uma ressignificação, para um upcycling, que vai desde um serviço muito simples, tipo um ajuste, até uma nova peça a partir de outra já existente”.
Até hoje já foram realizados pelo menos quatro workshops, foram “realçadas” mais de 285 peças, 90 clientes participaram e cerca de 500 metros de tecido deixaram de ir para os lixões. “E a gente acha que é só o começo, pois isso pode significar uma nova visão de não só ajustar, mas de fazer roupas a partir de roupas: “Esse é o nosso desafio. Sempre que pensamos em ajuste, temos uma sobrevida curta. Sempre que fazemos uma bainha ou tornamos a peça mais justa ou mais larga, tendemos a usá-la por uma sobrevida curta. Mas quando fazemos uma intervenção maior, de upcycling, é como se fosse uma roupa nova a partir de uma já existente”.
A terceira inovação foi o lançamento da linha de produtos infantis Chico e Bento (nomes do sobrinho e do filho de Marcos Queiroz, respectivamente) em 2018. Apesar do nome masculino, a marca também vende roupinhas para meninas. “Queremos trazer o mindset de que retalho não é problema para essa geração e que as roupas infantis devem ser o mais lúdicas possível para estimular a imaginação etc”.
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