Metamorfose 2021+ e os caminhos da moda. Este foi o tema que permeou a live promovida pelo SENAI CETIQT proporcionando a todos da cadeia produtiva da moda até o consumidor final uma análise completa da mudança em alta velocidade no produzir, vender e consumir moda diante do cenário que estamos vivendo. O bate-papo contou com a consultora do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção (IST) Christina Rangel, responsável pelo desenvolvimento de conteúdo da plataforma Inova Moda Digital (IMD), do SENAI CETIQT, e Angélica Coelho, consultora do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção. “Estamos passando por um período de grandes e intensas transformações. Não só na forma como reaprendemos a viver e a conviver nesse ano e meio de pandemia. Precisamos transformar as nossas empresas, nossos negócios e seguir em frente. Com tudo que aconteceu, temos a grande chance de decidir como será o renascimento do século 21, como muitos pesquisadores afirmam sobre o período pós-pandemia”, assinala Christina, acrescentando: “Estamos no momento em que os casulos estão se abrindo”.
A pesquisadora pontua que as informações são fundamentais para que todos os envolvidos com a cadeia produtiva da moda “tenham uma base para planejar essa grande virada que gente espera que aconteça a partir do segundo semestre com a intensificação da vacinação e com mais segurança”. E ela relembra o fenômeno que constatamos durante esse período da pandemia, no qual as empresas tiveram que se reinventar em alguns meses, antecipando uma tendência que estava sendo desenhada há anos. Falo sobre o Omnichannel, a transformação digital com uma experiência completa para a jornada de compra dos consumidores, conectando todos os canais da marca. “Aprendemos a conviver com compras pelo WhatsApp, por aplicativos, pelo Instagram, pelo e-commerce. Nós nos tornamos consumidores mais fluidos e muito mais exigentes e estamos pautados por micro-necessidades, micro-momentos e micro-compras”, analisa, acrescentando que este consumidor também está preocupado com o impacto das empresas com relação à sociedade e o meio ambiente assimilando novos valores com modelos de negócios e a intensificação de operações mais éticas e ambientais. “Existe um sentimento permeado pela vontade de estar no mundo novamente”, frisa Christina.
Estamos vivenciando experiências de compras digitais e físicas, que podem ser chamadas de phygital e um reformular a forma de produzir: “A overproduction foi um grande problema quase durante todo o ano de 2020, assim como o volume dos estoques parados. O primeiro impacto foi muito forte. Aí veio a venda online. Daqui para frente muitos pensarão sobre o não produzir por produzir para que o estoque não fique superdimensionado e parado. Veremos a organização das indústrias mantendo o micro armazenamento, o necessário para atender apenas o consumo, que ainda está instável”, comenta a pesquisadora.
Durante a live ficou claro que, hoje, as empresas trabalham no microplanejamento. Segundo Christina Rangel, o que conseguimos apurar como tendência, em seis meses pode não ser mais, porque estamos em processo de transformação constante. “Na moda, o que percebemos nos recentes desfiles foi uma grande esperança dos designers com uma profusão de cores e texturas, além de uma atenção ao conhecimento profundo da técnica de produção. Os valores coletivos também foram ressaltados nas roupas e os designers apontavam para uma existência mais tecnológica e pautada em inovações. E aí vem a questão: como as empresas podem evoluir com essa nova natureza do consumidor? E reconstruir tudo não tendo como parâmetro o que achávamos normal, nem um novo normal, mas o que entendíamos como normalidade num mundo totalmente transformado?”, indaga Chris Rangel.
Concentrados, Motivados e Catalisadores
Na visão da pesquisadora, os caminhos que estamos trilhando nos apresentam três perfis. Os concentrados são aqueles que buscam uma vida mais justa e com propósito e estão atentos às marcas com projetos definidos. O segundo são os motivados, aqueles que entendem que, apesar de tudo e, finalmente, o show precisa e vai continuar. São os empolgados que estão loucos para sair. E os catalisadores são os mais disruptivos, pois a transformação digital não é só sobre tecnologia, mas, principalmente, sobre pessoas. E que essa tecnologia pode ser utilizada para melhorar o meio ambiente e a vida de todos.
“Estamos tendo uma grande oportunidade de criar um mundo pautado em igualdade, inclusão e justiça. Eles se concentram em fomentar o desenvolvimento de uma sociedade mais inteligente, capacitada e equilibrada economicamente. Mais justa e a favor do bem-estar do ser humano, da qualidade de vida e, consequentemente, do planeta”, frisa Christina Rangel. Dentro de cada um dos próximos blocos, vamos abordar um novo modelo de negócio que começou a ser desenhado, mas explodiu em 2020 e se confirmou agora, em 2021.
CONCENTRADOS
Trata-se do direto ao consumidor, a fabricação sob demanda, que até há pouco tempo era entendida como uma proposta de ateliê, de se fazer produtos únicos. Hoje temos outra forma para realizar e produzir.
Christina Rangel comenta que o modelo de negócio direto ao consumidor tem sido adotado por marcas. Ele ganhou muita aderência graças à ascensão do e-commerce, que se tornou essencial para a nossa vida cotidiana. O Omnichannel acelerado e o consumidor conectado 24 horas por dia, sete dias por semana, onde quer que esteja. É o consumidor onipresente. As grandes vantagens desse modelo de negócio verticalizado é ter foco direto no cliente, agilidade, dados direto da fonte, eficiência na produção sob demanda e preços mais competitivos. No direto ao consumidor, a manufatura vende no e-commerce, que tem um ou dois funcionários para estar em contato direto com o consumidor. Eliminando etapas, você consegue ter uma visão nítida do cliente, ganha agilidade e as informações chegam limpas e fica muito mais fácil de se trabalhar a inteligência de produto. Uma vez cortadas várias operações entre a fábrica e o consumidor, os preços se tornam mais competitivos.
“Temos um exemplo de integração vertical que está se tornando muito comum. O Pack Style Fashion Group agrupa várias empresas. Qual é o seu propósito? Na verdade, trata-se de um grupo varejista de moda global, uma empresa de tecnologia. O serviço que presta é a capacidade de lançar e escalar marcas que, normalmente, são nativas digitais e trabalham com o direto ao consumidor. É uma união de tecnologia avançada, com soluções customizadas, de permitir às marcas novas, principalmente, o acesso à qualidade, estilo e experiência de compra”, observa a pesquisadora.
A consultora do Instituto de Tecnologia Têxtil e de Confecção do SENAI CETIQT Angélica Coelho acrescenta que nesse modelo, as marcas nativas digitais já pensam em como a tecnologia vem como ferramenta de apoio para o processo. E ele é todo pautado para que essa indústria verticalizada fique full time ligada. A manufatura é uma consequência daquilo. A tecnologia passa transversalmente por ela. A integração de tecnologia avançada entra não só no gerenciamento, mas também na logística, na comercialização, na coleta de dados, na análise desses dados para tomada de decisão.
“A gente pensa como se fosse no nosso celular, em que baixamos um aplicativo sempre em estado Beta, que de vez em quando vem uma atualização. A tecnologia sempre terá espaço para ser aprimorada. A gente analisa os dados, comenta, percebe, toma decisão e manipula a nossa visão sobre os próximos passos pautados dentro dessas análises e com integração mais verticalizada. Tudo está contido numa empresa que consegue centralizar os ativos, as atividades essenciais da maneira correta, porque tem controle 24 horas por dia. É possível tirar o melhor de toda a sua rede a partir disso”.
Fomos apresentados ao case da marca AEANCE, considerada como exemplo reducionista. “O design é pensado de forma a reduzir operações, custos e impactos. A estética é totalmente minimalista. Todos os tecidos são analisados por parâmetros de desempenho técnico avançado com um forte foco de eco-sustentabilidade. Para a marca alemã, possuir menos significa ter melhores criações, feitas de forma a reduzir os danos não só para a gente como também para o planeta. Não são lançadas coleções de acordo com temporada. E, sim, coleções bem pequenas com nove peças e atemporais. A marca não trabalha com um único designer, mas com vários convidados a elaborar o produto. Ou seja, trazem informação fresca de fora para produzir de forma colaborativa. E têm critérios: 96% dos têxteis são reciclados, naturais, biodegradáveis ou de base biológica”, conta Chris Rangel.
Angélica acrescenta que “quando trabalhamos com um modelo de negócio de acesso, que pode ser conjunto, não precisamos mudar tudo, mas podemos começar a trabalhar com produtos com maior longevidade, que tenham desempenho técnico (ou seja, um material muito Premium, de performance) e pensar desde já numa logística para a spinoff da empresa ter um processo de coleta das peças para retrabalhar o produto. Então, serão duas fontes de receita: a venda direta tradicional e essa venda a partir de leasing, aluguel que permita recolher as peças e retrabalhar o recurso. Assim é possível obter benefícios financeiros e sustentabilidade, além de uma postura regenerativa, pois a extração de matéria-prima é menor. Torna-se mais fácil passar, de maneira mais flexível e resiliente, por momentos pontuais como esse de pandemia”.
INSPIRAÇÕES
O inverno aponta para estado da natureza, como os materiais sofrem a ação do passar dos anos, e inspirações voltadas para novas camuflagens, “que são evoluções, digamos assim, do tão temeroso para uns, mas que funciona muito bem para outros, do famoso tie dye, que explodiu durante a pandemia”, aponta Chris Rangel. A cartela de cores é serena, reconfortante e tem um toque macio, pois ela traz uma textura meio aveludada, além de trazer uma promessa de transformação. Christina mostra o proposto nas passarelas virtuais para o momento descontração e que traz um pouco do athleisure, que é a descontração que há entre a moda active e o novo casual. “Algumas estampas remetendo à camuflagem alternativa e texturas da natureza: é um microuniverso”.
Ela salienta também algumas formas minimalistas. “Mas é preciso lembrar que, do minimalismo, existe um trabalho de estampa e de cores. Há, também, uma tendência, uma alta pontuação na abordagem unissex, sem gênero. Formas suavemente desestruturadas também estão em alta, assim como composições de montagem de looks. E o upcycling que, dentro desse conceito, não pode deixar de ser pontuado, pois permite muita liberdade nas misturas de fios, texturas e cores”.
“Em 2020, o active wear foi o segmento de mercado com a maior rentabilidade. Todo mundo preso dentro de casa, querendo conforto… O primeiro momento foi do moletom. Depois, com a prática dos exercícios, a promessa é de aumento exponencial até 2025”.
MOTIVADOS
Os Motivados compõem o segundo modelo de negócios. “Na verdade, é a grande necessidade de neutralizar o tédio e sair da mesmice que passamos trancados em casa por tanto tempo. Hoje, a gente já consegue praticar atividades ao ar livre com segurança, seguindo os protocolos. É a necessidade de sair e, de alguma forma, socializar”, observa Chris Rangel.
O comportamento que vemos é que eles são ávidos por conteúdos criativos, novas formas de interação, gostam de se sentir especiais e, principalmente, de ter novas experiências. Varejo, para eles, tem que ser divertido. “Os Motivados buscam significado nas marcas. Isso é constante e está presente em todo grupo, em qualquer análise de comportamento. As soluções devem ser flexíveis: ‘Quero comprar agora, mas não ter a menor preocupação. Quero frete gratuito, entrega o mais rápido possível e com o melhor preço. Eu comparo os preços em diferentes plataformas, mas não quero pesquisar em 500 endereços. Para fazer com que eu vá a algum lugar tem que ser memorável e divertido”, explica Christina.
Dentro da nossa jornada, segundo ela, temos a cultura Digital First, Omniexperiências, Entretenimento e Conveniência. “A cultura Digital First foi um verdadeiro boom. Pós os primeiros meses de susto com a pandemia, os empresários tiveram de rever muitos pontos: “Como vender? A gente viu que precisava ter agilidade. Os fornecedores tiveram que encontrar uma maneira de mostrar seus produtos. Os compradores também tiveram que mudar a maneira de se conectar com seus fornecedores. Como não tínhamos contato físico, o que aconteceu? Um bom digital das reuniões no Zoom e a explosão das lives. Essa necessidade de interagir nos negócios e ter agilidade foi o primeiro ponto que chamou atenção”.
De acordo com os estudos feitos por Christina Rangel, o comportamento do consumidor tornou-se verdadeiramente fluido em diferentes categorias de produtos e serviços. “Hoje, nossa jornada não é mais linear. Posso, no momento, comprar um chinelo novo para andar em casa e, em seguida, fazer compras no supermercado. Essa forma não linear de consumo exigiu alguma maneira de medir e acertar o que oferecer em tempo real. Assertividade em tempo real. A solução foi adotar uma resposta robusta em tempo real e pensar numa estratégia na qual menos é melhor. A transformação digital não depende da quantidade de softwares que a empresa tenha. Ela depende de uma mudança de cultura. É preciso pensar digital. Nesse momento de maturidade, vemos um sistema integrado. A aceleração digital mudou fundamentalmente a forma como as empresas criam, produzem e entregam produto para o mercado”.
A Browzwear é o exemplo de uma empresa que tem vários softwares. “O cliente escolhe: pode trabalhar por módulo ou com todos os processos integrados. Tem desde o módulo criativo, onde você faz a mostra 3D. Não é necessário adquirir o software, basta contratar a empresa para fazer a sua modelagem. Também é possível fazer os ajustes de modelagem em tempo real 3D. Conta com um catálogo digital que permite que o cliente tenha um feedback instantâneo e possa tomar uma decisão rapidamente sobre qualquer pessoa em qualquer lugar. Dentro desse catálogo digital, vem um catálogo de tecidos, onde se pode fazer testes com diferentes têxteis e também tem as etapas de pré-produção e de fabricação”.
Angélica Coelho aponta: “É interessante pensar que as marcas agora não têm só produto, elas precisam desenvolver conteúdo. É como se fossem uma influenciadora digital que gera conteúdo para o YouTube. Além do produto, que a gente comentava “Produto, Serviço e Civilização”, essa experiência vem com conteúdo de “como usar”, “como se conectar”, “como trocar”. A gente faz muito mais que só o produto. O designer precisa pensar nessa jornada não-linear junto com as necessidades desse consumidor mais fluido”.
Na questão Conveniência, a gente hoje dá preferência a entregas gratuitas e cada vez mais rápidas. E começaram a surgir os armários inteligentes para melhorar a logística da entrega. “Aí vem o PUDO (Pick Up and Drop Off, que significa “Retirada de Mercadoria e Entrega de Produto”). Você compra e manda entregar em pontos estratégicos e o usuário tem um código para abrir.
INSPIRAÇÕES
Christina comenta sobre a profusão de cores, estruturas infladas, sobreposições… A cartela de cores é pura alegria e faz um mix de todos os estilos e de forma impulsiva. Um aquecimento do nosso espírito livre.
“O ano passado foi contido, seguro, tímido. Agora a gente vê essa explosão de misturas. Eu pensei muito naquela música, “Girls Just Wanna Have Fun”, tudo sobre garotas se divertindo. Aí vêm essas proporções exuberantes, uma mistura de culturas díspares. É uma grande salada, mas muito bem estudada. Lembra a questão do conforto nessas formas desestruturadas, volumosas, infladas”.
CATALISADORES
E chegamos ao último conceito. São os Catalisadores, pessoas que têm pensamento multidimensional e sempre multitarefas, que a gente chama de multitasking. “Elas têm habilidade para executar várias tarefas ao mesmo tempo. Isso é muito peculiar nas gerações mais jovens, que interage com o mundo pela ponta dos dedos e têm capacidade de estar onipresente tanto no real quanto no virtual e migram do espaço físicos para digitais com muita facilidade”, analisa Chris Rangel.
No momento “vender” tem todo um planejamento de calendário cross-channel. “Estamos em tempos de novas fronteiras. De ambientes phygital, da moda 3D e de termos gêmeos digitais estando em dois lugares diferentes com a criação de avatares e scanatares. Já existe até uma semana de moda digital na qual as roupas são compradas para uma foto digital, por exemplo. É a cyber moda, que está crescendo de forma acelerada. E quem é real ou virtual no recente desfile da label Balenciaga batizado Clones?”, indaga a pesquisadora.
Há uma redefinição da expectativa de experiência do varejo físico e o desafio constante das percepções do visitante sobre o que é real e o que é virtual demonstrando o potencial ilimitado como uma ferramenta para contar histórias de marcas interativas e experiências personalizadas.
Angélica Coelho levanta a questão de como é interessante pensar nesses recursos e na introdução da gamificação nos negócios e nas experiências gerando esse conteúdo. “E, como a gente falou de uma jornada não-linear para o consumidor, é bacana que você consegue, através da sua gamificação, passear por toda a sua experiência. É muito interessante ver como a gente projeta esse design holístico e a experiência também. Estão alinhados e casados, bem juntinhos”.
INSPIRAÇÕES
Chris Rangel diz que as inspirações são pautadas por ambientes futurísticos, com os avatares e um caminhar entre um mundo real e, outro, virtual. “Nas passarelas, percebemos alguns designers trabalhando dentro dessa estética futurista, com tecidos prateados e brilhantes”.
Tecidos com acabamentos essencialmente funcionais e tecnológicos. E nessa nova era, onde tudo é digital, vemos a cyber fashion. “Existem várias plataformas comercializando roupas digitais. É bom estar atento. Isso não quer dizer que o produto tradicional vá deixar de existir, mas muitas marcas de luxo estão fazendo até parcerias com esses games famosos de esportes tão digitais. Já tem muitos designers marcas consagradas, como a Gucci, que lançou o Jardim da Gucci recentemente, e que já transitam por esse meio de uma forma mais gameficada”, diz Christina Rangel.
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