Quando o SENAI CETIQT apresentou, em junho, a pesquisa de tendências Metamorfose 2021+ apontando os caminhos da moda em uma realidade phygital, estávamos passando por um período de grandes e intensas transformações. Não só na forma como reaprendemos a viver e a conviver na pandemia. As empresas tiveram que lançar mão de propostas inovadoras e com ênfase no omnichannel. A partir dessa premissa, a pesquisa de inspirações realizada apontou que as empresas precisaram sair do casulo. Seis meses depois, a borboleta serve como metáfora para uma nova pesquisa que facilita o mercado a atuar com referências para gerar uma unidade de linguagem e criar produtos mais assertivos. O SENAI CETIQT promoveu uma live na qual foi apresentado o Relatório de Tendências para o Verão 22/23, e que celebrou também o início de novas ações para a plataforma Inova Moda Digital em parceria com o SEBRAE. O encontro virtual teve a participação de Christina Rangel, coordenadora de Serviços de Consultoria Moda & Design do SENAI CETIQT e do conteúdo de pesquisas da plataforma digital, e Anny Tonet, coordenadora de Moda do SEBRAE Nacional.
A palavra-chave que permeou a pesquisa é Coexistência. Sobre arte de aprender a conviver, projetar e realizar em meio a uma pluralidade de comportamentos, ideias e realidades. Um despertar. Uma nova experiência cultural global. O próximo passo a humanidade. E as pesquisas se voltam totalmente para identificar o conjunto de hábitos, escolhas e comportamentos globais que os consumidores tendem a adotar diante do contexto em que estão imersos.
A plataforma Inova Moda Digital é um canal a serviço da indústria da moda, no qual pessoas se conectam e materializam inovações. Apresenta insights e tendências globais de moda, comportamento e consumo para impactar a transformação dos profissionais e negócios de todo o setor moda, confecção e têxtil a partir da sinergia entre insiders e players. Anny Tonet disse que a parceria entre SEBRAE E SENAI CETIQT vai resultar em uma série de ações para o Inova Moda Digital. Segundo ela, a plataforma está totalmente conectada com as necessidades do mundo atual e traz, muito rápido, na palma da nossa mão, informações sobre tendências, conteúdos de moda, formação, conhecimento e inteligência de mercado para o empresário da moda – seja o industrial que trabalha diretamente na criação e no desenvolvimento de produtos; o estilista que desenvolve suas próprias coleções autorais; o empresário da área de varejo que quer aprimorar o planejamento, sua curadoria, seu mix de produtos na loja. “Nossos objetivos são democratizar a informação e dar acesso a conteúdo de qualidade e construção colaborativa para que a moda brasileira seja cada vez mais competente e de ponta, com qualidade a custos justos”, afirma.
O espaço é super democrático e eu mesma, leitor, já colaborei assinando o artigo “A Sinergia da Moda com a Era da Empatia e a Sustentabilidade”, em que comento o avanço da tecnologia aliado ao desenvolvimento consciente, as propostas de inspirações plurais, que respeitam o DNA de cada um, de cada indústria, de cada label. A moda do futuro é o agora em sinergia com a Revolução da Empatia + Sustentabilidade.
Então, vamos mergulhar no universo das pesquisas realizadas para o Verão 22/23. “Estamos aprendendo a conviver com esse cenário paradoxal de hoje. Precisamos acelerar para desacelerar, conjugar o interno com as mudanças externas, pensar no individual e no coletivo ao mesmo tempo e em que estamos aprendendo a conviver como ao vivo e o digital. Além disso, é um cenário onde precisamos desenvolver um olhar holístico e sistêmico; criativo e, ao mesmo tempo, eficiente; responsável e, simultaneamente, provocador; descentralizado e ágil; e vivenciar o real no digital. Essa é a receita do bolo para o Verão que estamos apresentando”, analisa Chris Rangel.
De acordo com a pesquisadora, mirar na cultura jovem é um começo auspicioso: “A galera está trazendo ativismo, mais liberdade, individualidade, experimentações sexuais e de gênero. O cenário, ao mesmo tempo otimista e instigador, movimenta tudo que está acontecendo agora. Dentro desse mix da cultura jovem, porém, há o corte para a Geração Z, da qual temos falado bastante e está entrando no mercado e trazendo mudanças bastante significativas”.
(A Geração Z é composta por pessoas nascidas entre a segunda metade dos anos 1990 e o início de 2010, imediatamente após os Millennials, ou geração Y. É a primeira geração completamente imersa no universo digital)
Recentemente, a plataforma britânica Digital Fairy, que se define como uma empresa que “ajuda marcas comerciais a se tornarem ‘cult’ e marcas ‘cult’ a se tornarem mais comerciais”, fez um estudo aprofundado sobre o comportamento da Geração Z. A pesquisa serviu para mostrar o que significa uma grande marca para esses jovens, o que eles consideram relevante em uma grife. Os tópicos mais importantes são a estética (22%), o posicionamento ético e político (24%) e a influência das mídias sociais (10%). “A Geração Z quer distância dos estilos elitistas. Há uma necessidade de desconstrução desse padrão que, muitas vezes, está distante da nossa realidade. A estética se apresenta de uma forma totalmente diferente. Dá para ver trabalho artesanal e mistura de culturas. Entramos no processo de descolonização das nossas referências de estilo europeizadas. Essa integração, esse olhar diferente, descolonizante, é uma macrotendência importante”, destaca Christina Rangel.
A temática Coexistência proporcionou a divisão em três jornadas: Corpo, Espírito e Mente. “Entendemos que, na busca por esse novo momento, precisamos estar centrados para enfrentar os desafios pelos quais passamos. Essa analogia com o ser humano, que é formado por Corpo, Espírito e Mente, é estratégica, porque, além de comportar toda uma análise estética, facilita a relação com o que é o ‘ser empresa’”, explica a consultora do SENAI CETIQT.
O Corpo como campo de expressão demonstra a vulnerabilidade do ser humano, sem esconder cicatrizes e feridas. Na verdade, abraça suas imperfeições como reflexo de experiências vividas, mostra que são “coisas do corpo” de maneira não sexual nem agressiva, mas como parte fundamental do ser humano. Também traz um olhar para a urgência que temos de voltar a ter o contato físico. Ao mesmo tempo, representa um grito de liberdade que traz a emancipação através do corpo. “Lowe nos diz que que reiniciar após esse período surreal é uma grande oportunidade para dar origem a uma nova estética. Com essa frase, quer dizer que esse momento é propício à experimentação”, reflete Christina Rangel, acrescentando que o corpo como identidade foi muito abordado nas passarelas, muito evidenciado, mostrando o espaço sagrado entre o vestir e o despir. Não o corpo erótico, mas uma necessidade de nos despirmos dessas membranas que nos cobriram durante período da pandemia – e que, de certa forma, nos esconderam. É expor a sua pele ao invés de expor a pele das marcas”.
Para a consultora, a ideia de se desnudar é poética. “A pele é usada como tecido e não como revelação inadequada. Nos recentes desfiles, estava muito exposta. O foco nos seios e a diversidade de corpos também foram notados. Deixar a pele aparecer através de tops, recortes ou transparências tornou-se uma revelação não transgressora. Nesse momento phygital (combinação de ‘physical’ e ‘digital’; físico e digital; real e virtual), a manipulação hipervisual invadiu as redes sociais. Um exemplo são os filtros do Instagram que criam rostos estranhos e deformados para nós. Isso é consequência da intensidade do uso das mídias, dos games e da criação de avatares durante a pandemia, que favoreceu a proliferação de subculturas”.
A combinação de recursos como realidade aumentada, realidade virtual e ambientes virtuais nos permite escolher múltiplos mundos e identidades em nossas telas. E isso nos chega com uma estética retro-futurista que resgata no passado um olhar para o futuro. O uso de tecidos e materiais tecnológicos viabiliza construções com “ar de futuro”: “Essa brincadeira com real e virtual nos levará para um futuro de imersão na internet. O metaverso, que ainda tentamos desvendar, nos permitirá existir simultaneamente entre o real e o virtual, que estarão conectados. Nascerá uma cultura híbrida entre esses mundos, desconstruindo o que é imaginário e real. Com essa possibilidade e esses novos caminhos, surgirão os meta-corpos, as meta-expressões e as metas-identidades. Meta é o que vai além do corpo, da expressão e da identidade”.
A SIMBOLOGIA DA BORBOLETA
A mascote da temporada é a borboleta. Segundo Chris Rangel, “há 20 anos, a borboleta teve um grande boom nas coleções, nas estamparias. Hoje ela foi revista nas e ganhou um significado muito peculiar. Ao entrar em contato com a pele humana, a borboleta morre, começa a perecer. Esse uso nos traz uma questão sobre o corpo. Ela pode retratar um símbolo de não-me-toque, parte do ativismo contra tornar o corpo da mulher um objeto, e pode ser um alerta para antigos modos de fazer a moda, que já está na hora de gente mudar”.
O CORPO E A EMPRESA
Chris Rangel fez uma analogia entre Corpo e Empresa nos mostrando que, assim como o primeiro é a estrutura física de um organismo, a empresa é o espaço vivo onde pessoas, produtos e processos interagem para obter um valor e um reconhecimento comuns. Esse corpo (ou empresa) tem dores. “Mais que nunca, precisamos remover barreiras de produtividade e ter respostas precisas, uma vez que dados e informações são, atualmente, mais preciosos que ouro. Também precisamos acelerar o time to market, acelerar a entrega. Não no sentido de sair produzindo loucamente, mas sim de acelerar desconstruindo tudo que causa desperdício. Essas dores acabam nos apresentando um novo modelo operacional construído em torno de fluxos de trabalhos digitais de ponta a ponta. Para entendermos essa mentalidade de transformação digital, temos que ver os dados dentro de uma empresa é como se fossem os nossos músculos. Eles devem estar sempre em forma para dar conta do que temos que fazer para obtermos as respostas certas”.
“O tempo de chegada dos produtos aos mercados é uma grande vantagem competitiva. A transformação digital de ponta a ponta permite acelerar a entrada do produto no mercado em até 40 por cento. E os fluxos de trabalhos digitais também são padronizados e podem atingir um alto nível de automatização. Isso é um benefício muito importante que permite às empresas reduzirem as amostras físicas em até 70 por cento. Quem não tem condição de implantar um fluxo digital na empresa, deve começar a pensar digitalmente”, instiga Christina Rangel.
O ESÍRITO EM SINERGIA COM A EMPRESA
O segundo ponto da analogia entre seres humanos e empresas é o Espírito, relacionado a um processo regenerativo. É uma força coletiva para a saúde de todos e do planeta. As conexões culturais e o empoderamento de identidade dentro de uma comunidade ganham muita relevância. “O espírito traz respostas e soluções reveladas por um novo ângulo e vem com uma visão criada por uma comunidade que se renova de dentro para fora. A busca por bem-estar e equilíbrio não precisa estar focada na perfeição e nem em uma positividade tóxica. O caminho pode ser desordenado, diferente”.
A coleção de final de ano da H&M é uma desconstrução. Os neutros, que associamos à sustentabilidade, deram lugar a formas alegres, exuberantes, brilhantes e coloridas”, observa Christina Rangel, destacando mais uma tendência para o Verão 22/23. Em outro nível de maturidade na questão da colaboração e do empoderamento de pessoas, já se começa a construir um modelo operacional mais flexível, no qual a competição entre empresas passa a ser colaborativa. “É o caso de juntar forças, como fizeram a Adidas e a Allbirds. As duas competem no mesmo segmento, mas adotaram o modelo de parceria de visão compartilhada. A competição colaborativa é um estágio avançado ao qual devemos prestar muita atenção. É preciso mesmo fazer tudo sozinho? Não há alguém do mesmo segmento que desenvolva um produto igual com um método diferente, para trocar ideias? Temos algo para compartilhar? Esse é o novo status do empoderamento de pessoas, de suporte e aconchego”, frisa.
MENTE E ANALOGIA COM EMPRESA
E, por fim, a Mente, o estado de consciência que possibilita a expressão da natureza humana. O “efeito dopamina” tornou-se uma das maiores tendências desse olhar para o futuro, trazendo uma renovação de otimismo e representando a alegria por meio da estética. Ao mesmo tempo, percebemos que, nesse estado de euforia, é como como se o mundo se tornasse um grande palco de fogos de artifício, cheio de colorido, explosivo, eufórico. É um impulso de sair e se vestir voltar a se vestir, se produzir e se montar. Se colorir, se recolorir. Ficamos muito neutralizados durante um longo período. Essa explosão surge como uma explosão de formas, maximalismo de cores, uma grande mistura.
O WGSN fez uma pesquisa ao longo dos desfiles de lançamento em Nova York. O que mais chamou atenção foi a vontade, a necessidade de estar em estado de férias novamente. Daí vem a importância do segmento de linha praia, que hoje é um traje que passeia na praia e na piscina e vai até a noitada. Ele atravessa todos os momentos da nossa vida. Essa sensualidade de verão, as cores, de estar junto da natureza, de voltar a mergulhar. São tantas coisas que deixamos de fazer e agora surge um momento propício para colocarmos isso em prática.
Se olharmos para a empresa, a maneira como expressa sua personalidade é “a forma como se comunica com o mercado, como se engaja com os desejos e os sentimentos das pessoas”. A coordenadora do conteúdo das pesquisas do Inova Moda Digital traz exemplos de como se dá esse engajamento com o público: “Londres já tinha um fervo cultural significativo, mas se coloriu muito naquele verão. Trouxe a energia para as áreas externas, enchendo prédios de cor e levando alegria para as ruas. As áreas externas estão sendo revitalizadas para reconectar as pessoas com os espaços físicos. A publicidade ao ar livre também vem ganhando outra conotação. Temos visto projeções em prédios”.
E as experiências não param de se multiplicar e se renovar: a criatividade nunca esteve tão em alta. Um elemento que se tornou fundamental e é objeto de estudos é o Tik Tok, aplicativo de mídia para criar e compartilhar vídeos curtos criado na China em 2016. Estudos apontam que seu poder de influenciar é tão grande que já interferiu no ciclo de criação de moda. “A nova geração se comunica e se expressa pelo Tik Tok. Com isso, a moda tornou-se viral, aparece num momento e desaparece com a mesma velocidade. Falamos muito na importância de a empresa proporcionar uma experiência de consumo a fim de se destacar no mercado, mas a pandemia transformou a forma como compramos. Nosso consumo hoje é baseado em micro momentos e micro jornadas”, dispara Christina Rangel.
Sendo assim, como prender a atenção do consumidor? Como fixar a atenção numa jornada não linear composta por micromomentos? Afinal, aprendemos outra maneira de consumir. É importante entender o que o consumidor quer. O que uma marca, uma empresa, pode proporcionar como experiência customizada? “A experiência de que falamos atualmente não é baseada em ponto-de-venda nem na experiência do celular apenas. Ela se funda na construção de uma experiência que junta todos os canais de contato com o consumidor e se conecta com o coração da empresa. Não adianta eu comunicar uma coisa e, dentro da empresa, vivenciar outra realidade. A mensagem precisa sair redonda, integrada. Precisa ser vivenciada em todas as áreas da empresa”, diz Christina Rangel, acrescentando que as pesquisas apontam que os usuários do aplicativo Tik Tok gastam mais de 850 minutos por mês visualizando os vídeos.
Em suma, hoje é fundamental estar ligado na maneira de viver da Geração Z. “Seja viral. Precisamos começar a nos reeducar para nos tornarmos virais na mentalidade do consumidor. A persona online de uma marca tornou-se mais importante do que nunca. É muito importante ter um discurso consistente da sua marca e mandar essa mensagem para o mercado, entendendo que hoje o pensamento de consumo segue muito esse ritmo de pular de uma tendência para outra. Hoje tem que estar junto e misturado”, encerra Christina Rangel.
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