SENAI CETIQT: Live ‘Moda e Natureza por uma Revolução’ propõe imersão em alternativas ecológicas em prol do mundo


A diretora do Instituto Fashion Revolution Brasil, Fernanda Simon, que estava no Acre conhecendo o projeto ‘Faça Florescer Floresta’, afirma durante a live: “O momento é desesperador. Temos pouco tempo para reverter o clima ou deixaremos de existir. Então, precisamos que todos os setores tenham ações imediatas, inclusive o da moda. Afinal, todo mundo usa roupas. Nós acreditamos em sustentabilidade como jornada, como um processo constante de evolução”

É vital lançarmos luz ininterruptamente sobre a conexão entre a moda e a natureza diante do alerta vermelho acionado em tempos de aquecimento global. E o SENAI CETIQT e a Laudes Foundation ofereceram mais uma live do Projeto Moda Circular: o Início de um Novo Ciclo para a Indústria da Moda, fruto de uma parceria construída a várias mãos para promover ações que apoiem a transição da moda brasileira para um modelo mais sustentável de produção e consumo. Apresentada por Bernardo Barbosa, consultor do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção (IST), a palestra “Moda e Natureza por uma Revolução” contou com a presença da diretora do Instituto Fashion Revolution Brasil, Fernanda Simon, direto do Acre, onde faz a imersão em mais um projeto na floresta. “O tema da natureza na moda é algo que permeia o meu trabalho há mais de 12 anos. É necessário, de fato, que a natureza esteja mais conectada com o setor”, frisa.

“Lá em 2007, eu estava na faculdade e não me identificava com o curso de moda, porque que não tratava de sustentabilidade, processos éticos e impactos. Nada disso era falado na época. Por conta de experiências espirituais com a medicina da floresta, com os mistérios e os saberes naturais, larguei a faculdade e fui viajar. Desembarquei na Inglaterra, onde me envolvi com movimentos ambientalistas e sociais também, pois não acredito que se possa falar de ambiente isoladamente. Gente e natureza precisam estar conectadas”.

Participar desses movimentos levou Fernanda a ser indicada representante do Fashion Revolution no Brasil. No país, para onde voltou em 2014, o movimento começou pequenino com representantes. “Logo tivemos representantes locais, estudantes embaixadores, docentes embaixadores, parceiros, marcas. E formou-se assim, uma rede integrada com vários países. É a maior ação global ativista da moda. Somos muitos”, conta. “O FR surgiu através do mote ‘Quem fez as minhas roupas?’, para nos conectarmos com as pessoas, mas trouxemos logo o ‘Do que são feitas as minhas roupas?’, incentivando o questionamento sobre o que está por trás das nossas roupas, trazendo à tona os impactos ambientais, sociais e culturais olhando para possibilidades, soluções, caminhos, porque acreditamos na moda, não somos um movimento contra a moda, somos a favor”.

A moda precisa estar conectada à transformação na vida das pessoas e do planeta. Vivemos em meio a uma emergência climática, o momento é desesperador. Temos pouco tempo para reverter o clima ou deixaremos de existir. Então, precisamos que todos os setores tenham ações imediatas, inclusive o da moda. Afinal, todo mundo usa roupas. É urgente falarmos de moda, clima e natureza – Fernanda Simon, diretora do Instituto Fashion Revolution Brasil

A AMEAÇA ÀS NOSSAS FLORESTAS

Parte da solução pode estar com os povos originários, os indígenas, que realmente mantêm a floresta de pé. A necessidade de se buscar alternativas ecologicamente responsáveis ficou mais evidente do que nunca nos últimos anos – e a pandemia de Covid só tornou isso ainda mais óbvio: temos que aprender com as comunidades que vivem tradicionalmente na natureza. No entanto, essa realidade está ameaçada. “A existência dos povos indígenas hoje é de extrema vulnerabilidade. De uma forma geral, eles vivem numa situação de muita precariedade. Às vezes percebemos uma certa glamourização, pois o que eles fazem é finíssimo, extremamente elegante e chique. Porém, na realidade, quando visitamos essas comunidades, quando conversamos com essas pessoas, vemos o quão fragilizadas estão por conta de questões políticas. Nosso engajamento e o do poder público são importantíssimos. Cabe ao governo proteger esses povos, as comunidades, as florestas”, frisa Fernanda. E ela acrescenta: “Os indígenas lutam para que suas áreas continuem sendo preservadas. E o governo faz pouco caso. Há, inclusive, perseguição, vide o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips. Conhecemos o poder da academia, de todos que estudam sustentabilidade. Mas como estamos interagindo, articulando com quem tem esse conhecimento? Muitas vezes, os indígenas não sabem falar português, muito menos o que é sustentabilidade. No entanto, a vida deles é totalmente integrada com os ciclos da natureza, o alimento e a comunidade. Esses saberes não estão nos livros, estão com eles. E como podemos fazer conexões, ouvir, valorizar e estar mais próximos?”.

Em função da nossa verve colonizadora, que afetou drasticamente a vida das comunidades tradicionais, acabamos nos distanciando demais. Atualmente há estradas cortando territórios indígenas, prejudicando enormemente a fauna e a flora locais: “Temos uma cultura de pecuária. Eu viajei de Cruzeiro do Sul a Rio Branco, no Acre, por uma estrada onde só vi fazendas para criação de gado e extração de madeira. Horas e horas disso. Como se faz para colocar o rebanho ali? Incendeia-se a floresta. Deveríamos ter projetos de conservação extrema, mas devastam por conta da exportação da carne e da mineração. Grandes marcas globais de calçados usam couro ilegal da Amazônia, assim como joalherias conhecidas trabalham com ouro também retirado dali. Isso relaciona diretamente a moda e a floresta”.

O MERCADO DA MODA E MATÉRIAS-PRIMAS GENUINAMENTE ECOLÓGICAS

O fato é que o nosso vestir está totalmente conectado com a nossa cultura. E hoje nossas roupas são inspiradas nas grandes tendências internacionais. De uma forma geral, quem ainda dita a moda que vestimos é o Norte Global: “Eu vejo camisetas falsas de marcas de esportes americanas nas comunidades indígenas. Como isso foi chegar aqui? Olha o absurdo. E, paralelamente, cadê toda a arte, a cultura dos povos? Nem digo só dos povos originários, mas de todo o Brasil, do potencial de todas as regiões, dos saberes tradicionais, do Nordeste, do Sul? O que estamos buscando? Mais volume, olhando para o que não é nosso? Enquanto a gente precisa fazer um movimento de resgate, de valorização, de cuidado, o sistema global está cada vez mais feroz. Isso representa a nossa cultura? O que estamos buscando? Menos por mais volume, olhando para o que não é nosso? Quando valorizamos o que temos, buscamos informações sobre o que vestimos e o que está relacionado em todos os aspectos – quem faz as nossas roupas, a valorização do trabalho feminino, do artesanal, da cultura local”, observa Fernanda Simon.

Da mesma forma, quando olhamos do que são feitas as nossas roupas surgem vários questionamentos, tanto em torno da produção industrial de fibras altamente impactantes, como – pensando pelo lado da solução – a busca por alternativas como, por exemplo, a fibra do tucum, que era usada pelos indígenas tradicionalmente e que hoje poderia representar uma alternativa para a indústria têxtil.

Outro exemplo é a borracha, matéria-prima que representa sustentabilidade, pois as áreas de onde é extraída são preservadas. Para se obter o látex, a floresta precisa estar de pé. As áreas extrativistas são preservadas e ainda geram lucro para as comunidades. A borracha da Amazônia é um grande símbolo de prosperidade, resgate da cultura local e sustentabilidade (junta desenvolvimento financeiro e social com preservação da floresta).

Nesse ponto, o consultor do IST/SENAI CETQT Bernardo Barbosa comenta como é viável tangibilizar um cenário macro e cita o case da Farfarm, empresa brasileira especializada em projetos de supply chain regenerativos. Busca transformar a indústria têxtil estabelecendo cadeias produtivas virtuosas por meio de agroflorestas a fim de abastecer o mercado com matérias-primas genuinamente ecológicas. “A Farfarm tem projetos de agroflorestas têxteis, que são sistemas agroflorestais que produzem fibras, plantas para se fazer tingimentos, mostrando que podemos fazer roupa da natureza. A tecnologia, principalmente aliada a saberes ancestrais, é a chave. Eu acredito plenamente nessa união. Muitos dos projetos de impacto positivo têm elementos ancestrais junto com tecnologia. A borracha da Amazônia tem tecnologia aplicada com uma prática que vem dos indígenas. Antes de nós, os indígenas já usavam o látex”, observa Fernanda Simon.

Ela faz um adendo que não gosta de citar marcas, mas abre uma exceção e ressalta o trabalho da label Vert na produção dos tênis. “Muita da borracha produzida aqui, hoje, por várias cooperativas é para a Vert, que apoiou e fez um trabalho fenomenal na estruturação dessa cadeia”.

PROJETO FAÇA FLORESCER FLORESTA

Fernanda conta que foi para o Acre a convite da ONG SOS Amazônia e da fundação britânica The Caring Family Foundation, que aporta recursos para projetos socioambientais no Brasil. “Foi feito um aporte para o projeto Faça Florescer Floresta realizado desde 2018 pela SOS Amazônia. Visitei comunidades que estão trabalhando maneiras de restaurar a floresta e, ao mesmo tempo, trazendo benefícios econômicos. É um trabalho muito interessante, importante e que, de fato, está impactando a vida das pessoas”.

Os integrantes da ONG preferem usar a palavra restauração, pois consideram regeneração um processo mais natural, ao passo que a restauração ocorreria quando há interferência técnica do homem. Eles dizem que, para fazer o projeto de restauração, não basta plantar árvores, como tantos optam por fazer: é necessário ter acompanhamento, apoio técnico, apoio estrutural, trocas de conhecimentos.

Durante sua visita ao Faça Florescer Floresta, Fernanda Simon conheceu comunidades que fazem a extração da amêndoa da palmeira de onde vem o óleo de murumuru. “O próprio projeto faz a ponte para vender para setores que precisam desse óleo. É um projeto redondinho que faz com que os espaços sejam preservados, gera renda e traz benefício social para essas comunidades”, revela Fernanda, acrescentando que as comunidades estão vendo que, através dos projetos de restauração, podem ter benefícios econômicos e mais qualidade de vida. Estão percebendo que, se tem uma floresta numa área onde antes era pasto para gado, haverá produção e fartura de alimentos.

‘PLANTANDO VIDA’

Fernanda Simon nos conta um depoimento que a emocionou profundamente durante este mergulho na floresta: “Conheci o senhor Léo. Ele contou que, junto com a esposa, restaurou 12 hectares de terra totalmente degradada. Isso com as próprias mãos, palmo a palmo. Hoje, eles têm buriti e várias outras árvores. Seu Léo diz que está ‘plantando vida’ não só para eles, mas para os filhos também. Está ‘plantando o futuro’, porque o mundo precisa da floresta em pé. Esse é o depoimento de uma pessoa que não sabe ler nem escrever, que não teve nenhuma formação. Ele restaurou aquele pedaço de terra para mostrar que a floresta em pé é lucrativa e pode oferecer saúde para ele e a família e trazer benefícios para a humanidade”.

FASHION REVOLUTION E O ÍNDICE DE TRANSPARÊNCIA

Para que a relação entre moda e natureza seja cada vez mais equilibrada, com benefícios para todos sem agressões ao meio ambiente, o Fashion Revolution criou o Índice de Transparência, um dos carros-chefes do movimento. “As marcas têm grande potencial de impacto, tanto negativo como positivo. É essencial dialogarmos com elas, incentivarmos as melhores práticas, cobrarmos responsabilidade. Elas precisam ser exemplos, ter mais agilidade, tornar-se referência no setor graças a seu tamanho e a sua potência. Se as grandes marcas começam a trazer práticas positivas, quantas outras poderão se inspirar nelas elas e quantas pessoas não serão impactadas por fazerem parte dessas cadeias? Esse é um trabalho muito importante, tanto que, só neste ano, vamos avaliar 60 marcas”.

Essa avaliação é feita através de diversos questionários com vários pontos. Durante esse processo, o Fashion Revolution promove encontros com as marcas e oferece workshops. As reações são bastante distintas: marcas fazendo uma excelente adequação de processos positivos e ainda outras que não interagem e acabam não tendo participação alguma na avaliação. O pessoal do FR, porém, acredita que, conforme o desenvolvimento do projeto aconteça, haverá cada vez mais engajamento, impactando o setor como um todo.

Transparência é só um caminho para a sustentabilidade. Nós acreditamos em sustentabilidade como jornada, como um processo constante de evolução. Não tem como falarmos disso se não sabemos o que está acontecendo. E, para sabermos o que está acontecendo, precisamos de transparência – Fernanda Simon

A diretora do Fashion Revolution Brasil acredita que a indústria e o varejo de moda nacionais ainda dialogam pouco com o instituto: “Precisam interagir mais. Temos um canal de comunicação e encontros, seminários, disparo de materiais de comunicação e material de incentivo ao engajamento mostrando alguns caminhos para as marcas responderem ‘Quem fez as minhas roupas?’. A mudança precisa ser sistêmica. Não é colocar toda a responsabilidade no consumidor. O setor privado precisa ser mais responsável, transparente e ético. E o setor público idem”.

SOBRE REFERÊNCIAS

“Além do trabalho dos indígenas e poder conhecer a cultura dos povos originários, a arte, a moda, as cores e os símbolos, a minha maior referência é o ecofeminismo de Vandana Shiva. Ela é uma grande ativista indiana. Alguns textos dela foram traduzidos para o português, assim como materiais e palestras. Traz essa perspectiva ecofeminista, mostra que não há como falar sobre justiça climática sem falar sobre justiça de gênero. Temos também que pensar nas questões raciais, de diversidade que precisam estar incluídas na moda, na sociedade, no sistema. Como na natureza, onde vemos uma diversidade infinita que, para existir e ser exuberante, tem obrigatoriamente que ser diversa. Precisamos, cada vez mais, contemplar, olhar essa diversidade que foi tão excluída dentro desse nosso sistema capitalista e patriarcal. Como diz a Vandana, aliás”.