Com mediação de Bernardo Queiroz e Raquel Gomes, ambos integrantes da coordenação de empregabilidade discente da Faculdade SENAI CETIQT, que busca programas e projetos que proporcionam uma formação acadêmica complementar para alunos e ex-alunos de forma que adquiram novos conhecimentos com grande ênfase na sustentabilidade, a live “Como iniciar sua marca com sustentabilidade” teve como convidada a mestra em design pela Universidade Federal do Paraná e bacharel em desenho industrial pela Faculdade do Estado de Santa Catarina, Renata Vavolizza. Ela tem uma experiência importante na questão da sustentabilidade para empreender na moda, a partir do lançamento de uma label de moda infantil, a Pepeleta, feita por mães empreendedoras e que conseguiu zerar os resíduos derivados da produção de seus produtos.
Ela abriu a palestra falando da admiração pelas ações do SENAI CETIQT. “Me sinto muito contente de estar aqui, online, mesmo em um momento tão delicado. Hoje, na palestra, gostaria de contribuir com o SENAI CETIQT, com acadêmicos e os profissionais da indústria têxtil e de confecção para que a gente possa nos unir e desenvolver ainda mais contribuições, mesmo que seja dessa forma virtual”, frisa.
A designer pontuou que “a parte boa de se falar em iniciar o trabalho com uma marca pautada pela sustentabilidade é que muita gente está empreendendo. Então, quando antes pensávamos: “eu quero iniciar a minha marca, mas tenho muitas dificuldades. Não tenho maquinário, não tenho espaço, não tenho loja virtual”… parecia que tínhamos muitos obstáculos quando observamos marcas conceituadas que já tinham o seu espaço garantido. Neste momento em que estamos vivendo está todo mundo precisando se transformar e reinventar. Então, está todo mundo iniciando. Isso é muito bacana. Porque, afinal de contas, é preciso empreender, realizar e unir essas forças para que a gente consiga iniciar um novo momento para a indústria têxtil e de confecção no Brasil”.
“Quando falamos de uma marca é importante dizer que não estamos falando só de um nome. Estamos falando de como carimbar a experiência de vida e acadêmica para transformar algo que seja seu, único, e, ao mesmo tempo, possa se expandir de tal forma que as pessoas sintam e percebam que a marca tem uma verdade. Isso traz uma liderança natural. As pessoas passam a seguir a sua marca, porque elas realmente se identificaram e têm empatia pelo seu trabalho que precisa ser natural e orgânico”, ressalta Renata logo no início da palestra.
Segundo a designer, a moda está diretamente ligada a comportamento, que pode ser expressado de diferentes formas. Uma delas é através das roupas que vestimos. A gente usa e associa muito o termo “indústria de moda” para se referir à indústria têxtil e de confecção. Já o tema sustentabilidade é mais associado à capacidade de equilibrar. Ela explica que nos anos 1980 falava-se muito sobre desenvolvimento sustentável, que era a ideia de suprir as suas necessidades no presente sem comprometer as necessidades futuras. Porém, até hoje, é muito difícil gerar uma noção de quais são essas necessidades. Por exemplo, neste panorama de coronavírus, quais são as necessidades que temos hoje?
“Sustentar significa justamente equilibrar, alimentar, manter, conservar. Ela é uma palavra de origem latina. Então, quando eu coloco “idade” fusionada à palavra “sustentar”, eu dou uma noção de condição. A gente vai entender aqui que sustentabilidade é a noção de equilíbrio. Eu defendo que temos que manter três aspectos para atingir o equilíbrio: o social, o meio ambiente e o econômico. Normalmente, as pessoas levam muito mais para o lado do meio ambiente ou acham que se está focando na questão econômica é porque há algum problema. Mas, na verdade, isso não é real, porque se a gente quiser manter o equilíbrio, temos que fazer com que essa estrutura tenha como se manter”, analisa.
Um dos desafios encarados para criar uma marca de moda com sustentabilidade é encontrar uma forma de driblar muitos pontos críticos desse processo: consumo de água e residual, química com a poluição de gases e contaminação de solos por inseticidas, gases de efeito estufa, resíduos sólidos – peças de roupas pós-consumo, embalagens e consumo de horas de energia e recursos finitos, como fibras derivadas do petróleo. Também é muito importante citar o respeito à biodiversidade. “Quando utilizamos a monocultura, estamos, às vezes, não permitindo que espécies animais continuem a viver em seu habitat natural. As condições de trabalho também são muito importantes e entram no aspecto social”, afirma a empreendedora.
Para Renata, a principal especificidade e complexidade da indústria têxtil e de confecção é ligada aos grandes volumes de produção, associados ao fluxo contínuo de vendas. Isso se deve à crença perpetuada por muito tempo de que deveríamos simplesmente substituir materiais ou trabalhar com produções mais enxutas. Mas, ao longo do tempo foi percebido que, se o volume de vendas e de produção forem sempre grandes, isso gerará muito impacto e pontos críticos.
“Quando falamos de uma indústria têxtil e de produção, estamos falando daquele produto que você vai comprar no shopping, que passou por toda uma cadeia. Como eu vou poder dizer que o meu produto é sustentável ou que ele trabalha com parâmetros de sustentabilidade, se eu trabalho com uma cadeia imensa?”, questiona Renata.
Para ela, o papel dos profissionais é justamente ter a consciência do tamanho da cadeia de produção de uma criação, da sua concepção até o seu descarte pós-consumo, no qual estamos todos envolvidos. Por isso, Renata defende que é imprescindível nos enxergarmos como atores dessa cadeia, capazes de trabalhar de forma sustentável com indústrias parceiras.
Em seguida, Renata diz que no Brasil temos o desenvolvimento de produtos baseados em cópias de projetos. Temos muitos trabalhos também baseados em tendências bem efêmeras, bem curtinhas. Mas essas tendências são pegas de um outro contexto. Temos o desenvolvimento de produtos que ignoram toda a vida útil do produto, desconsiderando seu ciclo de vida completo. Segundo ela, ainda se tem uma indústria que trabalha as tarefas de uma forma muito fraccionada, o que dificulta e, muitas vezes, nos impede de enxergar o todo da cadeia. A solução seria a sustentabilidade, manter o tripé, chamado por ela de triple bottom line, formado pelos aspectos ambientais, econômicos e sociais, como os citados pela designer logo no início da transmissão.
“Muitas vezes, eu não vou conseguir que esse conceito seja olhado por esses três aspectos, mas o meu objetivo é que a gente tenha esse equilíbrio em mente. Quando começamos o processo de industrialização, na Revolução Industrial, nós tínhamos uma produção linear: eu ia lá, extraia matéria-prima e fabricava, utilizava e jogava fora. Assim, aconteceu por muitos e muitos anos, até hoje. Isso porque muitos ainda entendem que fabricamos um produto com essa ideia de linearidade, que é esse pensamento moderno de quando houve a Revolução Industrial. diz.
Os próximos pontos abordados foram os acontecimentos decorrentes mais marcantes para a indústria, como algumas ações da ONU, em 1960, que deram o ponta pé inicial para o entendimento da importância de romper com a ideia de produção linear e passarmos a explorar mais a economia circular.
“O ciclo na indústria é extremamente importante. A ideia de economia sustentável surgiu mesmo em 1980 e tinha o conceito que falei sobre as necessidades. Isso era sempre focado na questão ambiental. Daí, a partir de 1992, começou uma ideia dos três erres: reduzir, reutilizar e reciclar. Depois, o quarto R foi introduzido: regulamentar, que veio com as políticas de resíduos sólidos e poluentes”, comenta a designer.
À época, vários representantes mundiais da área política assinaram um acordo que colocava a importância e eficiência desses três Rs. Até então, ainda de acordo com Renata, não se falava de ecoeficiência, que é gerar um equilíbrio entre a ciência daquilo que você produz e ao mesmo tempo manter o controle sobre as questões ambientais.
“Quando a gente fala sobre ecoeficiência, mudamos aquela produção linear da Revolução Industrial para a produção circular. A valorização aí é a questão da reciclagem. É muito interessante, porque isso mudou muito as práticas nas indústrias, as políticas e muitos outros pontos relevantes. Mas nós, do setor têxtil, temos uma dificuldade muito grande, porque trabalhamos muito com tecidos de fibras mescladas. Então, quando abrimos para ver as possibilidades de reciclagem dos artefatos têxteis, nós percebemos ainda a reciclagem está distante do nosso universo, da nossa indústria”, analisa Renata Vavolizza.
Isso realmente é um problema se não é possível colocar em prática a ideia de circularidade e de como fazê-la. Assim, chegamos ao ponto chave da palestra. Lembrando que a ideia de economia circular vem lá dos anos 70 e que se transformou mesmo em 1992. Quando passeamos ao longo desses marcos que a designer mostrou, nós chegamos em 2015, quando tivemos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis, que são 17 ao todo. Esses objetivos também são encabeçados pela ONU e já apresentam uma ideia de sustentabilidade. “A gente já perdeu aquilo das décadas de 70 e 80, que era só sobre o meio ambiente. E agora já nota o triple bottom line. A gente já encontra vários aspectos do triple bottom line focados nos aspectos sociais e econômicos. A ONU é extremamente importante para traçar determinados objetivos com os países e indústrias e fazer com que isso se torne realmente uma prática e mude a nossa forma de encarar o trabalho.
“Nesse percurso todo, existe o design para a sustentabilidade (pois eu sou design e acabei entrando nessa). Ao longo desses anos, vários pesquisadores e designers contribuíram para que a gente conseguisse ter conhecimento nessa área de sustentabilidade. Conseguimos trabalhar muito bem com metas e ferramentas. Temos algumas possibilidades concretas de designers que conseguiram fazer projetos que transformam e resolvem problemas complexos. É uma área que trabalha com conceitos, mas que também tem um potencial de síntese muito grande. Através de ferramentas, os designers conseguem resolver problemas que podem ajudar as pessoas a viver melhor, que envolvem sustentabilidade e inclusão”, atesta.
Após análise de todos os conceitos que permearam suas decisões como empreendedora inovadora e que também estão presentes em seu livro “Design Sustentável Para a Moda”, Renata conta como eles foram empregados na criação da Pepeleta. Após o nascimento de sua filha, a designer decidiu parar de trabalhar e mergulhou no universo materno. Durante esse processo, ela percebeu que podia usar o design para projetar e desenvolver produtos para crianças.
“Esses produtos poderiam entrar dentro da circularidade, parte do aspecto ambiental que falei, e poderia gerar renda para as mães, parte do aspecto econômico. Ao mesmo tempo, isso poderia valorizar as mães, pois podemos construir uma sociedade com bastante acolhimento para essas mulheres responsáveis por gerar vidas. Por isso, só trabalhamos com mães empreendedoras na Papeleta”.
A teoria utilizada para a construção da marca foi a Cradle to Cradle. Ela apresenta a atividade de projeto trabalhando com sistemas de nutrientes e metabolismos em que o desperdício não existe. Ela apostou na ideia do berço a berço, porque essa circularidade já está acontecendo. Mas, para isso, ela precisa ser projetada. Você não vai fazer um produto e só depois se perguntar “o que eu faço com o que sobrou?”. Você projeta os resíduos para se transformarem em outro produto. Aquilo que é o waste, o resíduo, ele vai ser reaproveitado. O entendimento é que aquilo que você está descartando vai alimentar também.
Nessa teoria você tem também alguns conceitos, como a ecoefetividade, que é a ideia de projetar tudo desde o início, inclusive o que você vai fazer com o seu resíduo, com o seu pós-consumo. É como você vai trabalhar essas fibras para que elas possam entrar na circularidade.
Segundo a designer, temos os ciclos biológico e técnico. O biológico, são os materiais orgânicos. Os técnicos são os materiais valiosíssimos para a indústria, de recursos muitas vezes infinitos, mas que eles também não retornam. Então, cada um retornaria para os seus próprios ciclos, biológicos e técnicos para os ciclos da indústria. “Essa é a vertente que eu estudei, mas tenho certeza que vocês podem estar estudando outras. Isso que eu dei para vocês, eu não achava quando comecei a estudar em lugar nenhum. Tive que ver muita coisa para formar um raciocínio lógico e, principalmente, que eu tivesse uma teoria de design, de projeto, que eu pudesse aplicar na indústria têxtil e de confecção. Eu não queria coisas que só reduzissem materiais ou que utilizassem só tecnologias novas. Isso ajuda sim, mas eu queria um projeto mesmo”, confessa. O conceito do upcycling também está inserido nesse processo de uma marca voltada para a sustentabilidade.
De acordo com Renata, “nos abraçamos para colocar a Pepeleta no mundo. Ela ia nascer em janeiro. Mas, gente viu o coronavírus se aproximando e paramos tudo. Quando foi maio, vimos que o nosso modelo de negócios seria muito bem compreendido depois dessa experiência que estamos tendo com a pandemia, porque ele une as famílias e sonhos, gera renda e emprego e nos fortifica como rede de pessoas que se apoiam”.
Todo o projeto da marca é voltado para a economia circular e se baseia na leveza e essência da moda de Florianópolis, que, segundo Renata, é uma uma cidade atípica, onde todos usam roupa de praia a maior parte do tempo. Daí surgiu a ideia de focar nesse nicho. Um dos preceitos de trabalhar sustentabilidade nesse cenário foi entender que toda sustentabilidade é local. Pois, subcontratando pessoas do outro lado do mundo, torna-se difícil entender o que está acontecendo na sua cadeia. Mas, quando um diálogo constante é mantido com os seus fornecedores, colocando as pessoas em redes próximas, a sustentabilidade passa a ser trabalhada de forma mais fácil.
“Aqui na tela você vê estampas de biquínis feitas pelos meus sobrinhos de desenhos que fizeram quando eram crianças. Eu os transformei em estampas de crianças para eternizar nessa produção. O que sobra nessa produção vai para a confecção de lacinhos de cabelo ou para detalhes de roupas. O que sobrou daí, transformamos em tirinhas usadas para crochê. O que ainda restar é aproveitado para aviamento dos biquínis. Usamos tudo, porque dessa forma não temos o trabalho de separar o material para reciclagem. O que sobra por último, umas tirinhas de tecido, são usadas nas nossas caixinhas, entregues pela loja virtual. Quando acabamos a nossa produção, não temos nenhum resíduo”, orgulha-se.
A marca sempre foi pensada como uma loja virtual. “Mas também pensamos que as Mães Fadas, promotoras da marca, seriam as que levariam o nosso produto para a casa de outras mães que não conseguem sair de casa para fazer compras. Isso gera relações de proximidade muito grande. Queria dizer que dessa forma, quando acabamos a nossa produção, não temos resíduo. Se a gente não conseguir zerar o resíduo ao acabar a nossa produção, existe algo errado”, conclui.
Sobre o livro, Renata frisa novamente que escreveu no período da maternidade. “Tive que parar de trabalhar, foi um período para revisitar tudo que eu tinha feito até então e pensar como eu poderia contribuir comigo mesma. Tive o convite para escrever o livro “Design Sustentável Para a Moda” e fiquei muito grata. Escrevia enquanto a minha bebê dormia, no ano passado, porque a gente sempre fica acordada de madrugada. A gente já teria lançado, seria em uma livraria do Shopping Beira Mar, mas, infelizmente, não aconteceu. Mas estamos organizando um lançamento virtual, estou convidando as pessoas para seguirem a página do Instagram da Pepeleta, onde iremos avisar. A marca nasceu desse livro. O SENAI CETIQT está dentro também, porque é referência no Brasil para a indústria têxtil e de confecção. No livro, abordo o conteúdo da palestra e muito mais, pois a palestra foi customizada para os acadêmicos do CETIQT. Esse livro vai ter uma apresentação onde três representantes da indústria vão dizer como o livro contribuiu em suas vidas e instituições. Teremos autógrafos virtuais”, revela.
Artigos relacionados