Mesmo antes da pandemia provocada pelo novo coronavírus, uma série de estudos já apontava para um período de ansiedade generalizada ao redor do mundo e paralelamente a busca por um novo padrão de qualidade de vida, com equilíbrio mental, espiritual, emocional e físico. E agora, neste momento de isolamento social, mais do que nunca as lives realizadas pelo SENAI CETIQT têm corroborado para a constatação que a indústria têxtil e de confecção – em plena Quarta Revolução Industrial – já vem absorvendo para o seu DNA experiências sobre o conceito zero waste, sustentabilidade + consumo consciente e upcycling ressignificando uma nova produção. Conferimos o lançamento via internet do relatório realizado pela equipe de estudos da plataforma Inova Moda Digital, criada pelo SENAI CETIQT, de inspirações a partir do tema “Antídotos” para o momento que vivemos e viveremos no outono/inverno 2021, pois a atemporalidade também permeará a moda.
Durante a live , a consultora do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção (IST) Christina Rangel, responsável pelo desenvolvimento de conteúdo da plataforma IMD, do SENAI CETIQT, ressalta a importância de seguirmos fortes. “São tempos difíceis e instáveis, mas a criatividade ainda é o coração do sistema”, pontua. E durante toda a sua conversa, ela reforça uma das frases mais significativas que você pode conferir lá no IMD. “O mainstream atual é sobre reinventar os processos, reconfigurar a forma como pensamos e comunicamos os produtos lançando mão de antídotos que conciliem, numa só dose, esperança, confiança e prazer para mitigar os riscos inimagináveis que se estabeleceram e de aprimorar as ferramentas que possam combater os efeitos dos antigos e dos novos “venenos” contemporâneos”.
“Quando começamos a trabalhar o tema não havia pandemia, mas víamos diferentes correntes buscando caminhos para aliviar problemas que colocavam a moda em xeque, como questões relacionadas à produção, pressão, ao desperdício, burnout e estresse. O excesso de velocidade e todo o peso que vínhamos carregando sem perceber fazia com que esses grupos procurassem uma forma para aliviar as pressões do mundo moderno”, frisa Christina Rangel.
A indústria da moda tem intensificado o mergulho na era da transformação digital, que já se apresenta como um caminho hoje e amanhã. “A moda aderiu rapidamente a uma espécie de novo darwinismo e teve que se reinventar. Entre outras ações, já podemos ter acesso a lançamentos de coleções de forma virtual e também é uma realidade a intensificação de vendas por meio de plataformas que acolhem os microempreendedores digitais surgidos durante a crise. Tudo isso é a síntese de uma nova era de experiências digitais. E o Inova Moda Digital está inserido nesse contexto”, afirma a responsável pelo desenvolvimento de conteúdo da plataforma.
Segundo Christina, os melhores recursos para curar e buscar alívio em momentos duros como os que vivemos agora passam por três caminhos: esperança, confiança e prazer. É nessa tríade que se baseiam os antídotos contemporâneos. “É preciso entender esse tempo que estamos passando, a fim de repensar o que andamos fazendo em termos de moda”, acredita. “O Inova Moda Digital segue em frente divulgando o relatório Outono/Inverno 21 com conteúdo de moda, comportamento e tecnologias, entre outros pontos abordados, com o nosso propósito de conectar pessoas e compartilhar informações que inspirem novos produtos e novas estratégias de negócios, na certeza de que, em breve, voltaremos a criar e produzir”, pontua.
Além dos desafios já existentes para a indústria da moda, como conciliar sustentabilidade e crescimento econômico, o futuro exige a reinvenção de processos e traz a necessidade de reconfigurar a maneira de pensar e comunicar os produtos, aprimorando as ferramentas que possam combater os efeitos de antigos e novos venenos contemporâneos. Dentro desse quadro, o primeiro antídoto é a esperança, refletida na busca por um caminho holístico, em conexão com os astros e a natureza, deixando o estresse para trás. “É uma conexão silenciosa com o universo. Reflete uma visão de futuro mais sensitivo e emocional, no qual o cerne é viver em paz e harmonia”, afirma Christina. “Pensamos em produtos inovadores, voltados para o bem-estar. Temos, por exemplo, um body com tecido que usa probióticos para reduzir o odor de suor nas roupas, além de uma jaqueta fabricada como se fosse um casulo, que permite dormir dentro dela em caso de necessidade”, descreve.
A pegada é a da sustentabilidade, de olho na preservação do planeta, nossa casa. Para Christina, é uma forma de ativismo otimista, comprometido com o modo de vida fora da bolha, afastado dos centros urbanos, que coloca a importância da saúde ambiental e da comunidade à frente dos bens materiais: é hora de meter a mão na massa e tentar mudar o que está errado. A tecnologia, além da inovação em si, tem função de proteção e aconchego. “Em resposta ao hiperconsumo há a desaceleração estética e o uso sustentável de alguns materiais. Temos um minimalismo futurista, com o prata fluido. A cartela mistura tons terrosos com cores delicadas, trazendo o brilho das estrelas como se fosse uma aventura lunar aconchegante e funcional”, explica ela.
Outro destaque é a indústria alternativa que não apenas recupera peças, mas faz a regeneração de produtos. “É preciso trabalhar com o que está disponível. Um relatório publicado em 2016 pela empresa americana de consultoria McKinsey mostra que, entre 2000 e 2014, foram produzidas, em média, 14 peças de roupa para cada habitante da Terra. Isso dá um total de cem bilhões de peças/ano. Muitas dessas pessoas usaram as roupas apenas 10 vezes antes de descartá-las. Caso a gente continue nesse ritmo, chegaremos ao número assustador de 160 milhões de toneladas de produtos, em 2050. Quando paramos para pensar, vemos que quase tudo que possuímos pode ser desmontado e transformado”, alerta Christina.
O segundo antídoto é a confiança focada nas conexões humanas, desnudando o que há por trás das marcas com base em narrativas pessoais e culturais. Segundo Christina, o exercício de avaliar o que temos e de saber que já é o suficiente favorece a reciclagem e o reaproveitamento de materiais que estão ao nosso alcance, enquanto o design multiuso colabora com a redução dos impactos causados pelo desperdício, suavizando o estresse da vida urbana. “Os princípios do design circular nos ensinam a trabalhar de forma que os produtos sejam aproveitados, evitando o descarte. Isso junta o que é bom para o planeta ao que é bom para a necessidade das pessoas”, observa.
O caminho da confiança se reflete em uma cartela de cores na qual memórias afetivas de um passado e presente são energizadas por flashes de luz, gerando uma mistura que nos transporta para um lugar novo e plural. A inspiração está muito relacionada ao passado, com um pouco mais de leveza nas representações. Voltam as rendas feitas à mão e os tecidos ornamentais, dividindo espaço com peles artificiais e materiais similares ao couro, cuja matéria-prima é a compostagem. “Faz um mix do étnico, do urbano, do high, do low e do ancestral, da nossa História. Resgata o Renascimento, a época das grandes artes. Reivindica o senso perdido de heranças pessoais e nos leva a examinar histórias, por meio de uma lente criativa. A moda está sempre conectada ao tempo”, diz Christina.
Christina lembra que a ligação com o passado também pode se dar por aromas, uma vez que as fragrâncias são capazes de despertar memórias afetivas. “O cheiro está muito relacionado a certas respostas positivas. Por isso existe o movimento do slow scent, que procura trazer as pessoas de volta às raízes olfativas, como forma de abraçar conexões significativas entre passado e presente”, ressalta. Seria o aroma do tempo. E você teria tempo para contemplar sua vida e sentir os cheirinhos.
Outro destaque é o mercado formado pelas roupas pré-amadas, ou seja, peças que um dia fizeram parte do guarda-roupa de alguém e foram descartadas. “Nos últimos anos tem havido um boom desse mercado de revenda e aluguel, por conta do clima nostálgico que paira no ar e de consumidores mais conscientes de suas escolhas em busca de produtos únicos. Estima-se que esse segmento somava, em 2018, um faturamento global de US$ 24 milhões. Existe uma projeção de aumento de até 100% em 2023. O setor está tão intenso que surgiu a profissão de curador de brechós, uma pessoa contratada para garimpar roupas pré-amadas”, comenta Christina.
Dentro de uma lógica mais sustentável e de reaproveitamento, a indústria da moda também precisa se adaptar. Entre as recomendações de Christina Rangel, estão: trabalhar próximo da demanda, criando coleções menores; rever as coleções de temporadas anteriores; investir em suporte para a logística reversa; dar nova vida aos produtos acabados em estoque, fazendo upcycling de primeiro uso; criar uma rede de designers independentes e aproveitar matéria-prima.
Como terceiro antídoto da temporada outono/inverno 2021, está o prazer, que fala do momento em que é preciso ter um escape para ganhar fôlego e encontrar outras perspectivas para arejar o dia a dia. De acordo com Christina, a atitude é experimental, intensa e defende uma autoexpressão contundente que trafega entre espaços que superam as sensações provocadas por uma adrenalina aumentada e prosperam na construção de conexões de novos significados, tanto na vida virtual quanto no real, sejam perturbantes ou sensualmente enigmáticos.
A cartela de cores promove uma celebração das sensações que transcendem o físico e conduzem corpos e mentes para novos estados de volúpia dos sentidos, com tons estimulantes cercados por fundos escuros e misteriosamente reveladores. Como inspirações, sensualidade urbana, poder feminino, jogos de sedução e um quê tecnológico, que inclui o universo dos games.
A relação entre as marcas e os consumidores também vai se basear, cada vez mais, em tecnologia. “É preciso ir além do e-commerce e buscar facilitadores como a realidade aumentada. Não existe mais o limite entre o físico e o digital”, conclui Christina.
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