SENAI CETIQT: EPIs com controle de temperatura, roupas autolimpantes. O céu é o limite para polímeros têxteis


O futuro da moda estará ligado necessariamente à questão das tecnologias habilitadoras para a indústria 4.0. Também não dá mais para falar de moda, confecção, setor têxtil se não se pensar em sustentabilidade ambiental. Em live, Letícia Quinello, professora do curso de Engenharia Química do SENAI CETIQT e que atua como professora tutor da Pós-Graduação em Materiais Têxteis, e Adriano Passos, coordenador da área de Inovação em Fibras do Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras do SENAI CETIQT, compartilharam conhecimentos sobre as mil e uma propriedades dos polímeros têxteis e contaram o que há de high tech sendo pesquisado em laboratórios e sendo produzido pela indústria têxtil

Em uma grande sinergia entre o Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras do SENAI CETIQT (ISI) e a Faculdade SENAI CETIQT, Letícia Quinello, professora do curso de Engenharia Química do SENAI CETIQT e que atua como professora tutor da Pós-Graduação em Materiais Têxteis, e Adriano Passos, coordenador da área de Inovação em Fibras do Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras do SENAI CETIQT, compartilharam conhecimentos na live ‘As propriedades dos polímeros têxteis’. O SENAI CETIQT tem três braços de atuação: a Educação, criada há 70 anos; a Metrologia e Consultoria, que é o Instituto SENAI de Tecnologia (IST); e tem o braço de Inovação, que é o Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras (ISI).  

Os dois profissionais falaram sobre as últimas tendências, as inovações com relação a materiais têxteis tão especiais: estrutura, propriedade e aplicação. O curso de Materiais para Têxteis Técnicos é um dos cursos de especialização do SENAI CETIQT. “Quando a gente fala de propriedades de qualquer material, não só polimérico como metal, uma cerâmica, a gente fala muito de estrutura. Toda propriedade que o material tem está relacionada a uma estrutura química. Não adianta, a química está em tudo. A gente explica a propriedade do material e, consequentemente, a sua aplicação, só pela estrutura química que esse material apresenta”, inicia a conversa Letícia Quinello.

Quem fez o curso de Ciência dos Materiais ou o de Ciência dos Polímeros já viu essa figura em algum lugar. Ela é muito tradicional nos livros e mostra esse tetraedro, que nada mais é que a inter-relação entre estrutura, propriedade, processamento e performance do material. A gente consegue ver que estrutura está diretamente relacionada a propriedade e ao processamento. E tanto propriedade como processamento interferem diretamente na performance do material. Como o material vai reagir frente a uma solicitação, seja ela qual for? Uma solicitação mecânica, ou um aquecimento, qualquer tipo de análise, qualquer tipo de teste que será feito nesse material, como ele vai reagir frente a essa solicitação? Isso designa a performance à solicitação que esse material tem. De acordo com a estrutura química, ele apresenta a propriedade específica e vai ser adequado para determinada aplicação.

Segundo Adriano Passos, muitas vezes as pessoas falam que têm um determinado tipo de material e não serve, está reprovado, não serve para tal segmento. “Não existe um material que seja inadequado. É necessário fazer o quê? Direcionar, focar a qual segmento ele se destina e ver o que é melhor, como ele pode contribuir da melhor forma possível para aquele segmento”, explica. E Letícia corrobora que não existe polímero ruim. “Você vê um polímero com baixo grau de cristalinidade ou um PP atático, por exemplo, “Nossa, que porcaria, não serve para nada”. Ou uma resina… Não, tudo depende da aplicação, eu sempre falo isso para os alunos. Depende da aplicação a que esse material se destina”.

Quantas fibras têxteis são de origem polimérica? Essa classificação engloba as fibras naturais e artificiais. Naturais, nós temos as celulósicas e as de origem animal, que são muitas. São as mais conhecidas, acredito eu. E tem as fibras sintéticas, que podem ser celulósicas modificadas, que passam por tratamentos químicos, por reações químicas; celulósicas regeneradas; e sintéticas.

“Quando você fala em fibras celulósicas, elas vêm de origem…  Vêm da natureza. São fibras… algodão, juta, linho. Você tem as animais, que são as proteicas. Quando você fala de celulose modificada, consiste em quê? Você pega bases, matérias-primas celulósicas. Por exemplo, a própria celulose, que pode ser à base de eucalipto, pinus. Tem desenvolvimento com bagaço de cana, com vários tipos de materiais onde você solubiliza essa fibra e, depois, coagula, estrutura esse material em forma de fibra. Ela pode ser um filamento contínuo ou uma fibra cortada. Para vocês terem uma ideia, tem uma empresa finlandesa, a Satcell, que vislumbrou o seguinte: após a pessoa utilizar a roupa de celulose, ao invés de ir para o aterro, ela pega essa matéria-prima, que é celulose, solubiliza e, depois, consolida em forma de fio”, analisa Adriano.

Em função da necessidade de mercado, à medida que tem todo um crescimento populacional a nível mundial, há toda uma matemática de economia circular. Isso tudo está norteando profissionais a fazer novos desenvolvimentos. Quando surgem, novos desenvolvimentos são novas demandas, novos produtos. Acaba precisando de profissionais mais qualificados com olhar diferenciado para estar atuando nessas frentes.Por isso a pesquisa é importante, para ver do que o mercado necessita, qual é a demanda. Aí entra o engenheiro de materiais, o engenheiro químico, para fazer todo esse estudo. A ciência de materiais como um todo.

Adriano falou sobre alguns exemplos de naturais como látex, celulose, polissacarídeos. Os sintéticos… borracha, tubos de PVC, PET. Nós temos uma série de polímeros para uma série de aplicações.

“As fibras são materiais especiais justamente por essa razão. Comprimento, diâmetro, ser muito grande. Elas são extremamente longas e finas. E, muitas vezes, a fibra nada mais é que um plástico, um polímero que sofreu estiramento. Foi aquecido e sofreu um estiramento. E, durante esse estiramento, as moléculas foram se organizando – tanto que a gente fala que sofreu um processo de cristalização. E faz com que a fibra tenha excelentes propriedades mecânicas”, exemplifica Letícia.

Em função dessas propriedades, você vai direcionar seu material para um determinado tipo de segmento. “A gente consegue nortear para onde vai esse produto, que tipo de fibra, para poder estar direcionando isso no mercado e, também, verificando o seguinte: qual é a durabilidade? Quais são os efeitos que ela tem? Quais são as intempéries? É pressão, temperatura, umidade? Tudo isso, né? Não é uma coisa simples. É por isso que a todo momento a gente está pesquisando, estudando. Isso dá, na verdade, uma grande oportunidade de você melhorar, otimizar o seu processo em função do que você estará trabalhando”, diz Adriano.

Os profissionais apresentaram um gráfico de 1950 até 2020 onde você tem o crescimento nessa parte de fibras químicas, de produção de novas fibras químicas. E exige, também, na verdade, uma variação em fibras naturais. Se você for ver o segmento têxtil na Europa, o crescimento do uso de fibras naturais está, na verdade, avançando. O consumidor está preocupado com a sustentabilidade. A ideia de trazer esse gráfico é para termos uma ideia de como está o consumo e o pós- consumo mundial, no qual a reciclagem tem sido uma tônica.

O coordenador da área de Inovação em Fibras do Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras do SENAI CETIQT falou sobre polímeros bem interessantes. Por exemplo, a poliamida-imida. E deu exemplo da empresa francesa Kermel, que produz uma roupa de proteção contra calor que vai até mil graus e tem toda essa parte de resistência a chamas, tem alta termo-estabilidade, resistência química a bases e a ácidos, tem uma propriedade anti-chamas. Antes de chegar no material acabado, que seria o uniforme, nós temos toda uma parte de processamento de síntese química. E você precisa avaliar isso, você precisa validar essa situação.

“A gente vê que a estrutura química desse polímero é bem interessante. Esses anéis, esses grupos volumosos que dão uma certa resistência mecânica ao material, a gente vê aí até a resistência térmica dela é muito grande. A gente observa que a perda de massa só ocorre em temperaturas altíssimas, acima de 600 graus mais ou menos. Essa alta estabilidade térmica da fibra tem a ver com essa química, com esses grupos funcionais que aumentam a estabilidade térmica desse polímero”, acrescentou Letícia.

O segundo exemplo foi fio textil de PVC atático, clorofibras, que você pode estar utilizando em construção de artigos de propriedades anti-chamas, resistência a toda parte… Note que, a partir do momento em que você identifica um polímero que tem uma determinada propriedade, você estrutura essa cadeia. Você tem um controle de qualidade na matéria-prima, tem todo o processo químico e toda etapa de transformação até chegar ao consumidor final. É uma cadeia integrada e o quanto ela é complexa.

O cristal líquido tem alta resistência e alta rigidez, tem cinco vezes mais resistência que o aço. E você tem propriedades mecânicas, químicas, estabilidade dimensional. O céu é o limite nesse caso aí. Conhecendo a propriedade do seu polímero, você consegue direcionar ele no mercado. Podem ser aplicados em roupas que exijam alta resistência para esporte.

“E a gente nota a estrutura química dele, você tem vários segmentos. Tem a parte hidrofílica, que é aquela parte que tem uma afinidade maior à água, a parte polar; tem esses anéis, esses grupos volumosos que trazem essa rigidez ao material, aumenta a propriedade mecânica dele. Ao mesmo tempo, você tem frações ali que dão uma certa flexibilidade. É como se houvesse uma sinergia de propriedades. E isso deixa o material com uma gama de aplicações imensa. E cada vez mais tecnológicas também, aplicações tecnológicas muito utilizadas mesmo”, comenta Letícia.

Adriano afirma que a tecnologia está avançando muito, “e cada vez mais a gente está verificando outras possibilidades. E, falando em possibilidades, nós temos fibras de Peek, que é o poli(éter éter-cetona). Você tem fios mono e multifilamentos, e aí você coloca para fazer toda essa parte voltada para a era espacial. Raquetes, instrumentos musicais. Quando você fala em fibra, pensa, muitas vezes, só em roupa. Mas estou falando de instrumentos musicais. De determinados itens que você fala assim, poxa… Às vezes você está tocando um violão e não associa que está trabalhando com um filamento. Com um multifilamento”.

Os especialistas ainda falaram sobre a fibra de PTFE, que é o politetrafluoretileno, e aí você tem fios de mono e multifilamentos, temos aplicação para uso industrial. Você tem aí uma variação, ranges de temperatura de -240°C a +270°C. A vantagem é que ela é quimicamente inerte. Então você abre uma frente aí para o segmento médico-hospitalar. Fios de sutura. Tem uma biocompatibilidade, integração tecidual. E, devido à estrutura química dele, tem baixo atrito. E ainda vimos as fibras de vidro sendo utilizadas na indústria têxtil. “Veio para substituir o amianto. Você usa isso para isolamento acústico, tecido de reforço, bandagem de motores e transformadores. Então a gente tem aí um leque, um mundo de oportunidades. Cada polímero desses tem uma determinada propriedade específica que você precisa validar, você precisa avaliar para que possa dar sequência ao processo e dar uma boa atividade para o seu consumidor final”, pontua Adriano Passos.

O mercado está voltado para a parte de têxteis para segurança do trabalhador, o quanto ele evoluiu. “Você tem aí toda essa parte industrial, saúde, hospitalar, alimentação, segurança. À medida que foi avançando a tecnologia, foi possível ampliar esses estudos e, em função disso… Toda vez que você estuda, aprende um pouquinho mais e deve atentar para fatores. Quais são esses tipos de fatores? Ah, o cara trabalha no sol. Como deve ser o tipo de uniforme? Tem que ter uma proteção UV? Tem que dar um conforto? Até porque se você não levar em consideração isso, o teu colaborador, o funcionário, o trabalhador que está ali no dia a dia pode ir rápido à fadiga”, analisa Adriano.

É tudo tecnológico, a roupa dos atletas. A gente vê nas Olimpíadas o uniforme, para cada tipo de esporte, para cada modalidade tem um tipo de fibra, um tipo de tecido que se adequa melhor àquela modalidade. E aí o atleta tem um maior desempenho. Até o uniforme do atleta influencia na performance dele”, diz Letícia. Segundo ela é interessante atentar para os uniformes que principalmente quem trabalha em plataforma. Quando tem o vazamento de algum gás inodoro, ele está lá vazando e ninguém está percebendo, mas o macacão do profissional muda de cor dizendo que a atmosfera está saturada de algum gás. Isso tudo é tecnologia nessa parte têxtil. Está tudo relacionado.

E vamos a mais exemplos do que a tecnologia tem proporcionado para o setor têxtil: roupas com controle de temperatura, com encapsulamento de cosméticos, na qual, por exemplo é possível colocar aloe-vera em uma blusa e ela vai tratar a sua pele, além de tecidos auto-limpantes. “A parte antimicrobiana é excelente. Às vezes a pessoa coloca uma blusa de determinado material, passou uma hora e você está com aquele mau-cheiro desagradável. Você pode ter fibras já funcionalizadas com isso. Você pode evitar o odor. Isso tudo a gente vai estar trabalhando. Proteção aos raios UV, você pode usar dióxido de titânio e outros materiais, alguns materiais que tem a bioestimulação, que consegue, na verdade, aumentar a pressão sanguínea. São vários casos. Isso vai depender muito do segmento. A nanotecnologia acaba, na verdade, ajudando a gente nisso”, exemplifica Adriano.

E vamos falar sobre pesquisas para a Covid-19. O Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil – SENAI CETIQT, por meio do Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras, uniu-se a Bio-Manguinhos, unidade da Fiocruz, e à Diklatex para o desenvolvimento de um tecido capaz de neutralizar o novo coronavírus. Os testes preliminares realizados no início de junho demonstraram que amostras do tecido foram capazes de inativar mais de 99,9% das partículas virais respiratórias do sarampo e da caxumba.

Letícia mostrou um vídeo sobre o chamado Efeito Lotus, no qual a roupa não precisa ser lavada caso caia vinho, refrigerante, catchup, etc. “É bem interessante. Você pensa na roupa mas pode pensar também em outras superfícies. Você consegue, na verdade, aplicar esse tipo de tecnologia em outras superfícies. “O Efeito Lótus é uma tecnologia que pode estar no DNA da fibra, que aí já vem com essa propriedade, ou se faz um coat, que seria uma película bem fininha (pode ser titânio ou outro tipo de aditivo) que tem o efeito. Existem, também, químicos sem a presença de óxidos metálicos que propiciam essa propriedade”, afirma Adriano.

O grafeno também tem sido alvo de uma série de pesquisas no ISI voltada para a parte do segmento têxtil. O que ele traz de benefícios? “A transparência, a flexibilidade, atividade fotocatalítica, efeito antibacteriano, hidrofobicidade e a proteção UV. Isso tudo vai depender do tipo de grafeno que você vai estar adquirindo, trabalhando, e da forma como você coloca isso na matriz polimérica. Em função disso, você consegue ter alta condutividade elétrica”, comenta Adriano Passos.

Quando se aplica o grafeno em fibras ou tecidos é possível obter uma troca de calor rápida. Isso é bom para tecidos esportivos. Quando você faz exercício, forma gradientes de temperaturas no seu corpo. Uma parte fica mais quente, outra mais fria. Se um esquiador, por exemplo, usa um uniforme com grafeno, distribui equilibradamente o calor e gerencia melhor o conforto térmico. Além disso, como a troca de calor é rápida, o suor evapora mais rapidamente. Tecidos com grafeno podem ser auto-limpantes e protege a pele contra raios UV, porque absorve na região UV, mais ou menos 260 nanômetros, e dá essa propriedade para o tecido.

Adriano pontua: “Nós temos aqui toda essa parte uso de smart textiles, que são têxteis inteligentes. Aqui você tem ilustrações de alguns protótipos, alguma coisa já voltada para a parte têxtil. Mas isso não impede de você ter isso num lençol, numa central médica para monitorar seu paciente, num determinado uniforme. O céu é o limite, são muitas aplicações”.

Letícia fala ainda sobre a pós-graduação em materiais para têxteis técnicos, que tem previsão para começar em setembro. “A formação profissional tem um perfil muito diferenciado. Para montar essa pós foi realizado um comitê técnico setorial, que foi a reunião de várias empresas do setor têxtil para traçar o perfil do profissional frente as demandas da indústria. Toda a grade curricular, todas as unidades curriculares estudadas, todo o conteúdo foi pensado de maneira a poder sanar um problema que a indústria têxtil tem. Precisa-se de profissionais com este perfil: fez-se toda essa costura, essa programação dessa pós em materiais têxteis técnicos. E essas foram as empresas que participaram desse comitê técnico setorial. A pessoa que faz esse curso, quais vão ser as capacidades que ela vai desenvolver? Vai poder prospectar e desenvolver novos produtos, elaborar projetos, criar protótipo, validar protótipo e escalonar protótipo. Ou seja, é um curso bastante completo”. Público-alvo: profissionais de nível superior formados em Engenharia de Produção, Engenharia Química, Química, Petróleo, Têxtil, Administração e áreas afins.