O SENAI CETIQT realizou a live Moda Consciente: Desafios e Oportunidades, em parceria com a Laudes Foundation, dentro do Projeto Moda Circular: O Início de um Novo Ciclo para a Indústria da Moda. O consultor técnico do SENAI CETIQT e gestor de Processos Inova Moda Digital, Bernardo Barbosa foi o anfitrião da palestra, ministrada por Amélia Malheiros, gestora da Fundação Hermann Hering e que também está há anos envolvida com o Santa Catarina Moda e Cultura (SCMC), movimento que hoje se fortalece como plataforma de inovação e conexão entre indústria, varejo, academia, estudantes e comunidade. Bernardo começou pontuando que o Projeto Moda Circular “gera conteúdo, informações, dados, metodologias e ferramentas para fortalecer e fomentar uma transição na nossa indústria para um modelo de produção mais justo para todos os envolvidos”. Neste momento, Amélia pede licença para revelar o prazer de sempre consultar o tarô do mestre Osho. “E pergunto, antes de me dirigir a um público que tira um tempo tão precioso da sua vida para ouvir a nossa conversa, o que eu posso dizer sobre o que esse momento representa. No nosso caso, saiu a carta da Intensidade”, revela a gestora, acrescentando: “É uma carta linda. Diz que só existe um lugar que é o aqui e um jeito de mudar as coisas, que é o agora. E que a nossa intensidade de tempo não precisa ser mais linear. Ela é representada por um cavaleiro de fogo”.
De acordo com Amélia, esse cavaleiro somos todos nós em nosso momento de transformação planetária. Quando agimos com intensidade, provocamos ondulações nas águas à nossa volta. Nem sempre deixamos todo mundo confortável quando ondulamos muito: “Alguns vão se sentir muito valorizados; outros, muito incomodados pela nossa atuação, pela nossa intensidade. Que em cada momento a gente possa trazer esse aspecto da intensidade, da inteireza e da coerência para o nosso ser quando estamos falando de uma indústria que emprega milhares de pessoas, afeta positivamente e traz impactos ambientais e sociais bastante grandiosos, todo um ecossistema”.
Cita ainda o consultor criativo e de tendências Jackson Araújo, que criou o projeto Trama Afetiva, e propõe “a ocupação dos nossos espaços com a nossa vã filosofia, com as nossas utopias por esse mundo que a gente quer ser o possível pelos caminhos do meio, sem tantas polaridades, com a construção desse dia a dia que pode, sim, ser mais circular em todos os sentidos. E se faz sentido, a gente tem que sentir. E se a gente sente é por que está dentro da gente. E se está dentro da gente, podemos imaginar”.
“Quando a gente imagina, a gente desenha, literalmente, e acelera para acontecer o movimento, aquela proposta que queremos para nós próprios, para a nossa jornada pessoal e profissional. Que a gente sinta profundamente, abrace a primeira árvore que encontrar – somos abraçadores de árvore, sim. E que possamos nos servir daquela seiva que corre de dentro do planeta. A capacidade que temos de ser esse elemento de intensidade, de transformação, de circularidade, de energia pura para que esse planeta que nos deu a oportunidade de habitá-lo continue tão lindo, tão azul, com tanta água, com tantas fontes maravilhosas e que a nossa indústria não seja essa vilã. Que ela seja parte da solução e não do problema”, pontua Amélia Malheiros.
Ela reserva parte do tempo de sua palestra para falar sobre o SCMC (Santa Catarina Moda e Cultura), movimento nascido da inquietação de um pequeno grupo de segunda, terceira e até quarta geração de empresários de indústrias centenárias de Santa Catarina. Trata-se de um hub, pois une universidades, 19 empresas, entidades de ensino (faculdades, SENAI, SENAC). E é uma plataforma colaborativa: todo mundo, independentemente de quanto fatura, está lá com lateralidade para falar de inovação, tecnologia e educação.
MODA CIRCULAR – DESAFIOS E OPORTUNIDADES
O tema da live proporciona a Amélia uma análise comportamental. “Tem tudo a ver com nossos níveis de consciência. Muitos já despertaram para níveis que não estão no patamar apenas do ambiente e da sobrevivência. Os níveis de consciência são, no mínimo, sete. Quando estamos no primeiro nível de consciência, colocamos toda a expectativa fora de nós mesmos. É sempre a indústria que tem que mudar, alguém do prédio que tem que reciclar o lixo, é o porteiro que deveria fazer um trabalho melhor de conscientização, é o dono da indústria etc. Não trazemos para nós nenhuma necessidade de mergulhar profundamente nos nossos comportamentos”, explica, acrescentando que o segundo nível é quando começamos a observar os nossos comportamentos e a entender “Puxa, eu estou olhando o ambiente, estou culpando o outro…”. O terceiro vem para o nível das atitudes, é mais comportamental.
O quarto nível é a Coesão Interna. “É esse nível que essa carta do Osho está questionando. No aqui e agora, podemos fazer a mudança do que queremos ser e ver no mundo. É um nível difícil, passamos pela noite escura da alma. Nos deparamos com as nossas sombras, com a nossa incoerência, com a nossa incapacidade de sermos esse agente de mudança que queremos ver no mundo. Mas esse processo é individual, longo ou curto, vivido ou não vivido por cada um de nós: não estamos aqui para julgar nenhum mérito”.
Quando driblamos um pouco mais todas essas questões existenciais, todas as perguntas do quarto nível, a gente vai para o quinto, um check de coerência para os nossos valores individuais e coletivos. “É walking the talk, eu estou falando e vivendo a verdade. É também um nível de consciência que, para mantê-lo, é preciso estar desperto, vigilante, coerente. E sempre entendendo que situações e contextos exigem os seus comportamentos. Mas os seus valores precisam estar intimamente ligados com a percepção do mundo que você quer habitar”.
O sexto é o nível do propósito. “Muitas vezes estamos discutindo o nível do propósito com pessoas que estão começando uma jornada de se tornarem despertas, ainda colocando no outro o sucesso ou o insucesso da sua jornada. Indústrias que estão vivendo e brigando pela sobrevivência, para pagar boleto. Estamos tentando fazer com que elas despertem para o seu propósito. Veja que há toda uma caminhada. No nosso caso da circularidade, é quando uma indústria começa a fazer o seu LAIA (Levantamento de Aspectos dos Impactos Ambientais), que é o primeiro passo para entender onde está e para onde quer caminhar”.
Não há uma idade para se atingir o sétimo nível de consciência. É o nível do servir, quando estamos para servir uma base da pirâmide dos excluídos, dos invisibilizados, sem nenhum tipo de julgamento ou exclusão simplista, mas de muitos de nós que não somos vistos, ouvidos, sentidos, entendidos pela sociedade, pelas marcas que consumimos, pela família, pela sociedade que habitamos.
Falando sobre desperdício, Amélia comenta uma nova série documental da Netflix, “O Futuro”. O terceiro capítulo trata de Moda, entre outros assuntos. “As temáticas são vistas no hoje e daqui a 50, cem anos, numa projeção livre dos futuristas que foram convidados para falar sobre isso no documentário. Especificamente no capítulo da Moda, muito daquilo de que o documentário está tratando já estamos vendo acontecer. Segundo os especialistas, só seremos sustentáveis quando passarmos a consumir 97% menos no mundo real do que consumimos hoje apenas no mundo digital, que é o metaverso. É louco imaginar que, daqui a cem anos, terei mais roupas para usar no meu avatar e que meu guarda roupa será absolutamente simplório, básico e quase espartano”, espanta-se.
Logo seremos 10 bilhões de habitantes. “Recentemente tivemos uma palestra com um especialista da Holanda, num evento em São Paulo, e ele deixou ainda mais claro a questão da circularidade. Fazer com que o que foi a matéria-prima de uma roupa que você já usou, de um calçado, de um acessório, se torne, depois do uso, matéria-prima de um outro produto nobre, que é o upcycling, não o downcycling ou apenas o recycling”.
A circularidade é, por enquanto, a resposta para essa necessidade de vestir as pessoas no mundo real, de dar acesso ao consumo para uma grande parcela que, há poucos anos, chegou à base da pirâmide com condições de consumir pela democracia trazida pelo fast fashion. Ele também tem uma vertente positiva, que é a geração de empregos, renda etc. E deu acesso a uma população que não tinha condições de comprar o produto do seu desejo dentro de um magazine, dentro de uma loja do tamanho do seu bolso. Isso traz toda uma sensação de pertencimento, de cidadania:
“Para nós que já temos mais tempo de possibilidade de consumo, o luxo agora são o tempo e o minimalismo. Cada vez mais eu quero menos coisas. Mas essa não é a realidade da base enorme da pirâmide. É a primeira vez que a base pode ter uma coisa nova para chamar de sua. Acho muito injusto que, dentro da pirâmide, quem está do meio para cima coloque a culpa pelo consumo em quem está embaixo”, comenta Amélia Malheiros. Bernardo Barbosa acredita que esta seja uma lógica excludente: “É partir daquele ponto de ‘Ah, tudo bem. Agora que eu já tive tudo que eu desejava, deixa eu reduzir. E esse é o modelo que todos devem adotar’. É muito injusto”.
Então, fica a pergunta: se não agora, quando? Quando vamos despertar para as novas fontes? Para as fontes que já existem contra as quais tínhamos algum preconceito por uma fibra ser mais curta ou mais longa, por ter feito parte de uma cadeia produtiva anterior?
Amélia sinaliza: “As grandes marcas têm colocado parte do seu orçamento a serviço da experimentação, em todos os sentidos de inovação, seja para o mundo virtual, seja para esse nosso mundo das novas fontes. O pós-consumo ainda é pouco discutido no Brasil… Conseguimos ter iniciativas em nossas varejistas, todo mundo fazendo os RE. Mas é sempre pré-consumo. As principais barreiras da circularidade são a mistura das fibras, os acessórios, os botões, as etiquetas, os zíperes que, numa peça finalizada pós-uso, você precisa voltar para o processo circular. Para agregar mão-de-obra para tirar dez itens de uma calça jeans (rebites, botão, zíper, etiqueta), às vezes paga-se mais do que se pode”.
O SCMC (Santa Catarina Moda & Cultura)
Amelia Malheiros reserva parte do tempo de sua palestra para falar sobre o SCMC (Santa Catarina Moda e Cultura), movimento nascido da inquietação de um pequeno grupo de segunda, terceira e até quarta geração de empresários de indústrias centenárias de Santa Catarina.
O movimento nasceu como Santa Catarina Moda Contemporânea. Anos depois, o C de Contemporânea passou a ser de Cultura. Que Cultura é essa? É tanto no estrito senso da palavra, de semear, cultivar, alimentar a mente com pensamentos, como de cultura organizacional.
O SCMC está em seu 17º ano, o que já diz algo sobre esse movimento colaborativo de grandes, médias e algumas pequenas indústrias locais no qual os CEOs, os diretores, os líderes, os técnicos se juntam a professores e estudantes para buscar inovações para o setor. Trata-se de um hub, pois une universidades, 19 empresas, entidades de ensino (faculdades, SENAI, Senac). E é uma plataforma colaborativa e lateral: todo mundo, independentemente de quanto fatura, está lá com lateralidade para falar de inovação, tecnologia e educação.
“Os fundadores ainda estão todos presentes, o que é bastante inédito. Muitas vezes você tem um movimento iniciado por grandes empresas que nem sempre dão continuidade”, conta Amelia Malheiros. “Uma das associadas mais novas é a Blumenau Iluminação, que não tem nada a ver com o Setor Têxtil, é do segmento de iluminação. Mas nós olhamos para o design, a inovação e a moda abrange comportamento. E sabemos que moda não é só sobre roupas, é sobre pessoas, comportamento. É modus”.
Através de projetos como o Experience, o pessoal do SCMC tenta realizar a mudança de modelo mental que a plataforma se obriga a fazer. “Trata-se de uma visita guiada a uma das empresas do SCMC na qual o CEO expõe escancaradamente o modelo de negócio com seus desafios, seus números, suas particularidades, sua visão de futuro. Nesse caso, foi o casal Renato e Lorena que nos recebeu na Blumenau Iluminação”.
No VIC (Very Important Company), a ideia é sair do Setor Têxtil, de Moda e Confecção e conhecer outros tipos de negócios. Recentemente, o pessoal do SCMC conheceu a Koerich, uma grande rede varejista de Santa Catarina que fatura mais de um bilhão de reais atualmente. As três gerações (o avô, o pai e o neto, que hoje comanda a operação) estavam presentes e trataram de temas como sucessão familiar e governança, como, numa empresa familiar, a sucessão se dá etc.
“Dizem que a primeira geração traz toda a força da família para fazer o negócio dar certo; a segunda faz poucas mudanças, surfa a onda do modelo mental da primeira; e a terceira geração é crucial para reinventar o modelo, para ficar com o que foi feito de bom pela primeira e pela segunda e pivotar para um novo modelo de negócio, que foi o que a Koerich fez ampliando a base, o escopo de negócios deles”, diz Amelia Malheiros. “Mas também é na terceira geração que muitas empresas quebram, pois é aí que essa pivotagem pode não acontecer. Vem daí o dito popular: ‘Avô nobre, pai rico, filho pobre'”.
Ao longo dos 17 anos do SCMC houve inúmeras viagens de Nordeste a Sul do Brasil para se conhecer empresas icônicas do país. Natura, O Boticário, 3M, startups e bancos são apenas algumas delas. “Também conhecemos a Oxford e a Condor, grandes marcas de Santa Catarina que não têm nada a ver com o nosso setor. Oxford são louças e a Condor, material para limpeza. É uma troca muito rica, um aprendizado incrível”, acredita Amélia Malheiros.
Ela lembra, também, do Soul Catarina, encontro criado para mostrar o próprio estado aos catarinenses. Recentemente, o SCMC foi conhecer a vinícola do fundador da Marisol, presidente do conselho e pai do atual presidente da empresa: “A Serra Catarinense está produzindo vinhos de altitude de uma qualidade ímpar, só não consegue ser competitiva no mercado nacional pela importação. No Brasil, a bebida que vem de fora não é considerada alcoólica, não tem a mesma taxação que a bebida brasileira. Tem uma diferença de impostos absurda entre o vinho nacional de excelente qualidade e o importado. É por isso que a gente compra argentinos, chilenos e portugueses mais baratos que os nacionais”.
O projeto também levou a turma à Acate (Associação Catarinense de Tecnologia), centro de referência de inovação que apoia startups e empresas de todos os portes e diversos segmentos que integram o setor de tecnologia de Santa Catarina. Segundo a gestora da Fundação Hermann Hering, quando visitas como essa acontecem costumam levar menos CEOs e diretores do que professores, criativos e o pessoal de P&D.
Outro projeto muito interessante é o C de Cultura. “O que mais queremos é dar repertório para estudantes e criativos. Museus, pinacotecas, experiências, agora vem Rembrandt. A exposição dos Gêmeos, quando fomos, estava em Curitiba. Fomos à Pinacoteca e ao Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Quem está na Moda precisa pesquisar, precisa se alimentar do intagível”, vaticina Amélia Malheiros. “Um ponto alto do nosso C de Cultura 2022 foi com o talentosíssimo artista catarinense Walmor Correa. A mostra, em Florianópolis, é uma retrospectiva da sua carreira, que articula arte e ciência e diversas linguagens, como desenho, pintura, escultura e outras instalações”.
O projeto Thinking existe para aproximar os empresários. “Eles vão para as casas uns dos outros. O anfitrião deve cozinhar para todos. Esse ano o anfitrião foi a Brandili, marca infantil de Santa Catarina. O Thinking é um daqueles encontros do SCMC quando ultrapassamos os CNPJs e nos tornamos apenas pessoas que acreditam em Santa Catarina e na força da nossa gente”, conta Amélia Malheiros, lembrando de outra iniciativa do SCMC, o Labcria (Laboratório de Criação). Trata-se de um projeto que selecionou dez estudantes de instituições de ensino técnico e superior de Santa Catarina para formar um time criativo com o objetivo de pesquisar, criar e desenvolver coleções de moda. Eles tiveram um ano de mentoria e, com matéria-prima das indústrias do SCMC, criaram uma coleção compartilhada que foi exposta na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado).
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