SENAI CETIQT: análise sobre cenário da pesquisa Macrotendência Primavera-Verão 24/25 feita pelo IMD com tema ‘Capacidades’


Para contextualizar o cenário que estamos vivendo nos últimos anos e o impacto direto em nossas vidas, Chris Rangel, consultora do SENAI CETIQT e head de Pesquisa do Inova Moda Digital, analisa a policrise: “Esse foi um termo, um conceito que entrou no dicionário no ano passado porque estamos passando por uma fase de crise, de caos, em todas as áreas”. Para seguir em frente, segundo ela, é preciso estar atento ao modelo de necessidades humanas. Antes, a gente tinha muita referência da Pirâmide de Maslow, que apresenta necessidades básicas dos seres humanos; hoje a gente pensa mais no cognitivo, no físico, no espiritual e no emocional. Esse é um caminho ao qual a gente precisa ficar ligado para poder definir e elaborar as melhores estratégias para as nossas empresas – Chris Rangel. Os três subtemas da Macrotendência batizada “Capacidades” são: Motivação, Liberdade e Força

“Capacidades: O que nos torna únicos e notáveis”. Foco nas capacidades de homens e mulheres como um amplo e variado conjunto de habilidades e atributos que diferencia os seres humanos de outras espécies inteligentes, tornando-os únicos. Esta é a tônica do Relatório de Macrotendência Primavera-Verão 24/25, fruto de uma grande pesquisa realizada pelos consultores do projeto Inova Moda Digital (IMD), uma parceria entre o SENAI CETIQT e o Sebrae Nacional, com o principal objetivo de produzir, disponibilizar e democratizar conhecimento teórico, tecnológico e mercadológico, promovendo o acesso às mais recentes pesquisas de tendências, ferramentas e metodologias de design estratégico e soluções para processos em geral, que promovam o desenvolvimento e a competitividade de negócios. O SENAI possui equipe multidisciplinar formada por designers e engenheiros, com ampla experiência industrial. Os profissionais atuam nas empresas da cadeia de moda, têxtil e de confecção de forma transversal, com foco no aumento da competitividade e melhoria do desempenho dos profissionais e negócios do setor moda, a partir das conexões entre os atores da cadeia produtiva.

Sob coordenação de Christina Rangel, consultora do SENAI CETIQT e head de Pesquisa do Inova Moda Digital, a equipe técnica fez uma imersão nos cenários que vêm sendo desenhados nos âmbitos sociais, econômicos, tecnológicos e relacionados ao meio ambiente, decodificando realidades e lançando luz ao futuro no que diz respeito aos desafios da moda e consumo. Além de Chris Rangel, o resultado da pesquisa de Macrotendência Outono/Inverno 24 foi apresentado por Angélica Coelho, consultora do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção e head de Moda Circular IMD; Cléber Lima, do SENAI Pernambuco, consultor em design de moda e especialista em pesquisa de tendências e responsável pela Inteligência de Produtos do IMD e por Rafael Lemos, consultor de Fashion Design do Instituto Senai de Tecnologia Têxtil e de Confecção da Paraíba, que também abordou a sinergia entre a macrotendência com jornadas de comunicação e consumo.

SENAI CETIQT: análise sobre cenário da pesquisa Macrotendência Primavera-Verão 24/25 feita pelo IMD com tema 'Capacidade'

A POLICRISE

Para contextualizar o cenário que estamos vivendo nos últimos anos e o impacto direto em nossas vidas, Chris Rangel analisa a policrise: “Esse foi um termo, um conceito que entrou no dicionário no ano passado porque estamos passando por uma fase de crise, de caos, em todas as áreas. Em 2020, por exemplo, a pandemia trouxe muita ansiedade para tudo. Para os negócios, para as relações humanas, mentalmente, pessoalmente e até hoje a gente vive este momento estranho, em que precisamos, a toda hora, buscar uma força”. Depois da crise sanitária, uma cadeia de acontecimentos foi deflagrada no mundo: a inflação acelerou nas economias mundiais com a invasão russa na Ucrânia, passamos por catástrofes ecológicas, em um mundo no qual 10% da população ainda passa fome.

O Relatório de Riscos publicado pelo Fórum Económico Mundial em 2023 alertou que todos estes eventos “estão ampliados por desenvolvimentos relativamente novos no panorama global de riscos, incluindo níveis insustentáveis de dívida pública, uma nova era de baixo crescimento, com investimentos globais reduzidos, “desglobalização”, um declínio no desenvolvimento humano após décadas de progresso, desenvolvimento rápido e sem restrições de tecnologias de dupla utilização (civil e militar) e a crescente pressão dos impactos das alterações climáticas numa janela cada vez mais estreita para a transição para um mundo a 1,5°C.”

Na linha do tempo que Chris Rangel traçou, ela enfatizou que “não temos como mensurar onde termina o conflito, o caos que estamos vivendo no momento. Ele é caracterizado no comportamento pela busca por novas alternativas. Os caminhos antigos não nos servem mais. Dentro desse novo contexto, por onde a gente pode seguir?”, pergunta-se a consultora do SENAI CETIQT. “Eu não vou nem tocar numa questão tecnológica. Antes a tecnologia era a grande estrela de tudo que a gente falava. Hoje já entendemos, é ferramenta. Elas estão aí para a gente usar e pronto”.

É necessário buscar alternativas que nos tranquilizem, que nos deixem no eixo para fazermos as melhores escolhas. A gente tem um universo muito grande de escolhas e de ofertas. “O que é importante para mim? O que uma marca, uma empresa consegue entregar de relevante para mim? O consumidor hoje está nessa: “Eu escolho o que eu quero, quando eu quero. Não adianta ficar de mimimi no meu ouvido, eu vou escolher aquilo que é relevante para mim”. E, ao pensarmos nessas alternativas, que elas sejam mais amigáveis ao planeta – Chris Rangel

Ela ressalta que desde o ano passado passamos por um “período muito estranho”. A Amazônia totalmente seca e o Sul, completamente inundado. “Estamos passando por esse momento de incerteza e de crise climática, o que gera medo e ansiedade, gera a necessidade de nos sentirmos protegidos, gera crise de confiança. E aí, buscamos por autenticidade, cada vez mais queremos transparência. E precisamos de segurança para seguir em frente”.

Para seguir em frente é preciso estar atento ao modelo de necessidades humanas. Antes, a gente tinha muita referência da Pirâmide de Maslow, que apresenta necessidades básicas dos seres humanos; hoje a gente pensa mais no cognitivo, no físico, no espiritual e no emocional. Esse é um caminho ao qual a gente precisa ficar ligado para poder definir e elaborar as melhores estratégias para as nossas empresas – Chris Rangel

GERAÇÃO Z

A referência à Geração Z tem sido apresentada nos dois últimos relatórios de Macrotendência e segue firme e forte, porque é a geração que mais influencia no momento. “Os Alfa já estão vindo aí, mas hoje, a geração que mais influencia o consumo, é a Geração Z, que alguns chamam de Zoomers. E essa geração influencia toda uma escala de gerações por seu comportamento: São jovens que vivem num estado permanente de mutação, são ‘poli-eus’, existem vários eus dentro de cada um deles. A gente destaca, nessa era da experimentação, como eles trabalham o corpo de uma forma diferenciada. É uma forma de expressão que faz com que nós, enquanto pessoas que trabalham com moda, passemos a ter uma capacidade profunda de compreensão”, observa Chris Rangel.

Ela também já tinha nos alertado sobre a importância de se jogar luz sobre os nichos: “Hoje nós falamos muito dos nichos intermediários. Tem os nichos das gerações (os Millennials, a Geração Z, os Alfas) mas, entre cada uma dessas gerações, a cada seis anos (as gerações têm mais ou menos 15 anos de diferença), surgem nichos e vão surgindo outros que fogem das categorias convencionais”.

É muito importante estar atento a essas mudanças, que são às vezes micro. É como se você estivesse olhando o TikTok e, de repente, viraliza alguma coisa. Explode uma tendência, um desafio, algo. E todo mundo começa a seguir aquilo – Chris Rangel

Para fazer moda atualmente é preciso entender o que está provocando essas pessoas e por que elas estão criando esses micro nichos. “Não dá mais para fazer tudo igual para todo mundo. Hoje é fundamental entender esse comportamento de consumo, essas identidades, essas transculturas, essas micro comunidades às quais a gente precisa estar atento para desenvolver novas coleções”, opina.

De acordo com Chris Rangel, os jovens estão migrando para o ambiente físico. Eles estão deixando de viver o tempo todo online para encontrar experiências offline. O fato é que é preciso entender para atender. É preciso trabalhar nossas habilidades para exercer essa empatia de entender o consumidor, entender as micro comunidades para bem atender. “É importante, também, ultrapassar o seu segmento, não é você só olhar para a moda. Hoje a gastronomia está ganhando muita importância para a Geração Z”, afirma Chris. Eles estão buscando muitas referências na gastronomia, por exemplo, e ações conjuntas podem ser deslanchadas.

É muito importante olhar para fora do segmento para trazer referências, estratégias para o negócio. O desafio nesse caminho que estamos apontando para o Verão 25 é colocar nossos ‘superpoderes’ em ação. Nosso poder de adaptação, de resiliência, de empatia. Precisamos parar de problematizar na hora em que a gente começa a fugir do propósito. Ao invés disso, a gente deve usar essas nossas capacidades para agir, mudar, seguir em frente e criar um ambiente novo, renovado, principalmente quando falamos de sol, de Verão – Chris Rangel

CONCEITO 1 – MOTIVAÇÃO

Consultora do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção e head de Moda Circular IMD, Angélica Coelho dá prosseguimento e pontua que serão abordados três CONCEITOS a partir do TEMA central com a atmosfera dessa temporada. O primeiro deles é Motivação. “Aquilo que não deixa a gente parar, por mais que estejamos num momento de permacrise. Por mais que tenhamos todas as dificuldades, existe uma meta, um objetivo. É aquilo que nos deixa otimistas quando acordamos de manhã, mais empáticos, que nos leva a dar um próximo passo”, diz.

Cita como exemplo, aquele momento em que buscamos, dentro da nossa história, momentos para recarregar as energias: “É quando você vai na casa da avó, à cidade onde você nasceu, onde você se conecta, parece que você se reenergiza para continuar caminhando, fazendo, projetando ou desenvolvendo. O primeiro conceito tem muito a ver com a nossa história, experiências individuais”.

Esse olhar de uma rotina mais simples, de pequenas felicidades, nós trazemos para esse momento de motivação, para o primeiro conceito. “O que a gente olha quando fala para a marca? A Chris abriu muito bem falando sobre relevância. Aquilo que se conecta genuinamente, por mais simples que seja, a gente começa a falar a mesma língua do nosso consumidor. Essas experiências, as cores, os insights sobre desenvolvimento de produtos, caminhos e estratégias, e a gente já conseguir se conectar com a cadeia. Foram pensadas para trazer na sua pesquisa um pedacinho desse autocuidado com que a gente vai trabalhar”, explica a head de Moda Circular do IMD.

Rafael Lemos, consultor de Fashion Design do Instituto Senai de Tecnologia Têxtil e de Confecção da Paraíba, faz questão de frisar que simplicidade não tem, aqui, o sentido de coisas básicas ou que não foram feitas com pouca vontade: “Se você pensa em relaxamento, em momentos de fazer um autocuidado, a gente quer uma coisa prática, simples, que não demande um modus operandi extremamente complicado. É ter uma rotina mais leve com produtos e serviços que funcionem. Na leveza dessa simplicidade, é fundamental que a coisa tenha uma função objetiva. Não é aquele smartphone que faz mil e uma coisas, a câmera, celular, despertador, TV, tudo. Não, as coisas podem ser mais simples e resolver as funções para as quais elas servem imediatamente”.

UM OLHAR PARA REENERGIZAR

Quando fazemos escolhas enquanto consumidores, pensamos, muitas vezes, em atender uma daquelas necessidades que estão na pirâmide antiga, de necessidades básicas e mais urgentes. E hoje estamos experimentando outros valores. E como aquilo pode, além de sua função original, trazer um refresco? “Estamos falando de um olhar para reenergizar, para desenvolver produtos que signifiquem, que se conectem a valores que são comuns entre marca e consumidor. A gente traz algumas palavras-chave com que a gente começa a fazer esse link de como isso pode fortalecer essa relação e trazer um olhar muitas vezes mais positivo, causando um impacto nessa relação entre marca e consumidor”, diz Angélica Coelho.

Se imaginamos vitamina C, já sabemos o que estamos buscando: um refúgio alegre, uma nostalgia, autoconexão, aquela coisa caseira. O cheirinho de bolo da cozinha da casa da avó. Aquela estrutura, aquela luz, a toalha de mesa que você sabe que ela tem em casa. O poder de um produto, um serviço ou uma experiência curativa, essa maneira de “vamos nos reabastecer”. E com simplicidade muito atrelada ao DNA.

Esse olhar da motivação, esse olhar de buscar essas referências encaminha as estratégias dos negócios para que a gente possa ter uma conexão mais verdadeira e mais ligada junto com a verdade e o seu eu pessoal mais personalizado junto ao consumidor – Angélica Coelho

É muito de sensação trazer o conforto para si, uma sensação de nostalgia que é única. A própria indústria tem se movimentado também para esse caminho de produzir de maneira mais leve e mais curativa.

A indústria está caminhando porque, finalmente, entendeu que não é só uma questão de volume. Precisou aprender a duras penas a trabalhar um pouco mais leve e buscando ela mesma se manter produzindo, não chegar num momento de esgotamento. A ideia é trabalhar em conjunto. O que não significa trabalhar todos numa mesma sala, mas trabalhar de maneira integrada, juntando os conhecimentos de todos os envolvidos em busca de um resultado maior. Isso é trabalhar em conjunto – Rafael Lemos

POTENCIALIZANDO EXPERTISES

Segundo Angélica Coelho, o trabalho colaborativo mudou muito nos últimos anos: “‘Agora não é só fazer collab com uma marca parceira. Estamos falando de juntar forças. Aqui no Rio todos devem conhecer o Coletivo Carandaí. Junta-se para potencializar, conseguir um espaço de vendas, melhores maneiras de divulgação. Nós ainda ouvimos ‘ah, sou muito pequenininha, não consigo fazer isso’. Como trabalhamos potencializando as nossas expertises, alcançamos objetivos em comum. Mesmo sendo empresas de segmentos diferentes, a ideia de potencializar o que temos de melhor faz com que a gente consiga espaço, com que consiga esse olhar de micro nicho”.

Abordando a sustentabilidade, há uma fala que se ouve muito por aí atualmente, segundo Angélica: “Meu consumidor ainda não reconhece o valor do produto sustentável”. “Da mesma maneira que a gente olha para dentro do processo e pensa em enxugar desperdícios, economizar em custos, vamos pensar em como podemos otimizar o uso da energia. Isso é um projeto de sustentabilidade. Se o produto ainda não está maduro o suficiente para chegar na ponta do consumidor, seus processos precisam estar preparados para que isso se reflita no produto. E isso vai ser de uma maneira automática, simbiótica, junto com o seu público-alvo”, garante Angélica Coelho.

As últimas pesquisas mostram uma crescente comercialização de estoques mortos, aquelas sobras, que são verdadeiras poupanças paradas dentro da confecção. Isso está sendo recondicionado para outros negócios. “É começar a visualizar os negócios tradicionais da cadeia e as oportunidades de novas fontes de receitas. Você não precisa lutar contra a tradição do modelo de negócio, você pode começar a pensar onde tem mais oportunidades”, sugere Angélica. “Às vezes, o caminho não está sendo linear. A gente começa a desenvolver um novo passo de escala do nosso negócio a partir de uma nova oportunidade, seja ela uma colaboração, um trabalho em conjunto, uma cooperação, um novo modelo de negócio entrando para dentro da sua empresa”.

Com o passar dos anos, a gente vem, cada vez mais, reaprendendo o que é o compartilhar e extinguindo de vez a ideia do segredo industrial. A gente já começa a entender que, nos negócios da moda, o compartilhamento das boas ideias e das boas práticas é o caminho, porque todo mundo faz a coisa girar e todo mundo gira em conjunto. É compartilhar saberes, expertises, modelos de construção – Rafael Lemos

INTELIGÊNCIA DE PRODUTO

Cléber Lima, do SENAI Pernambuco, consultor em design de moda e especialista em pesquisa de tendências e responsável pela Inteligência de Produtos do IMD, explica que “o objetivo, para além de dizer o que vai e o que não vai usar, é oferecer uma visualização de como aplicar esses direcionamentos em produto. Não só pensando em estética mas em mercado, em venda, em comercialização, já que isso aqui está conectado com as demandas do mercado nacional a partir do que acontece no mundo”.

Ele começa falando sobre Fartura e destacando o interesse do mercado global no nicho de produto resort wear, produto com cara de verão e que fala muito sobre o crescente uso do tecido plano no mercado de vestuário: “Não só no feminino, mas também no masculino. Aqui a gente não fala apenas sobre praia, e sim sobre a beleza do rural, do interiorano, do artesanal, do simples, só que tratado de uma maneira extremamente rica visualmente. Nada é justo. Muito pelo contrário: é soberbo, exageradamente bonito e encantador. É uma roupa que foi pensada e feita para se expandir. E isso não está somente na modelagem, mas também no uso da cor e da estamparia como convite para o uso e a combinação de estampas que são novas e antigas. Já que todo mundo está usando tecido plano, vai comprar um floral novo, tem um xadrez antigo e eu crio uma composição nova, um item único que atende essa demanda de mercado”.

Saímos do universo da fartura visual para a evolução da camisaria como um elemento – não só um produto – fundamental de construção de coleção de verão, tanto pensando no exemplo de uma marca de upcycling até outra marca de resort wear que simplesmente utiliza a estrutura da camisa para incluir nesse produto as características que lembram a minha marca. “Se eu sou uma marca que trabalha com artesania, com bordado, a camisa é o produto ideal, é a nova T-shirt. É a base de modelagem que recebe essa inteligência, esse fazer que a minha marca tem”, diz Cléber Lima.

Observe que a estamparia acompanha a amplitude da forma: quanto maior a estampa, mais volumoso o produto. O varejo já absorveu as mangas e as saias muito amplas. Só que agora a ideia é encurtar a proporção e trazer ainda mais tecido, porque o jogo é de que eu sou tão feliz que tudo sobra, mas sobra aquilo com que eu me identifico e que me faz feliz, que me deixa alegre ao vestir esse tipo de ideia – Cléber Lima

CONCEITO 2 – LIBERDADE

É uma palavra forte e tem o significado de que todos nós somos livres. “Se paramos para pensar de uma maneira conceitual, nós somos livres para tudo, para qualquer coisa, para fazer as e scolhas mais estapafúrdias. Mas a questão é: a gente aguenta o peso da responsabilidade de ser livre? Será que muitas vezes a gente não está sendo livre porque não quer assumir a responsabilidade ou será que tem alguma coisa que impede essa nossa liberdade?”, indaga Rafael Lemos.

Esse tema vem para expressar um pouco de quais são os caminhos e de que maneiras podemos expressar a nossa liberdade, nos sentir livres e conceber isso com uma visão mais leve de encarar a responsabilidade de tomar decisões a respeito dessa liberdade – Rafael Lemos

Quando falamos em tomar fôlego para pensar nessa autoconfiança, nessa segurança, nessa redução de impacto, de tomar decisões de uma maneira mais confiante, a gente traz umas palavras-chave que nos provocam a sair do eixo. Visionário, inteligente, um olhar para pessoas e naturezas e uma tecnologia mais sensível. Ela não é uma ferramenta de operação fria, mas para beneficiar, para ter um impacto muito mais positivo do que uma redução de impacto. Há um olhar restaurativo. A gente está falando em renascimento, no onírico e no intemporal” – Angélica Coelho

Rafael dá continuidade: “ninguém é obrigado a seguir uma tendência. Vamos supor que vermelho seja uma tendência. Mas, eu tenho a liberdade de não produzir uma peça em vermelho. Vou assumir um risco não fazendo como todo mundo? Sim”. O fato é que nos últimos 20 anos aumentamos o nosso consumo em 60%. e encurtamos a vida útil dos produtos. “Aquela peça que a gente comprava, que admirava, em que investia, foi substituída por peças que não têm tanto significado: “Por que é importante pensar sobre isso? Estamos acelerando o ciclo de uso dos produtos. Isso impacta num maior volume de produtos acabados indo para o destino final, sejam aterros, lixo ou outras saídas como reuso, recompra”. Como podemos pensar em produtos que sejam mais funcionais, cujo uso seja otimizado de uma forma mais inteligente, mais eficiente?

Angélica responde: “Estamos falando do investimento que fazemos para criar uma coleção. Precisamos pensar de forma inteligente nisso, o retorno precisa ser otimizado. Pensar com clareza, planejar quais são  as matérias-primas para aquela coleção e utilizar aquilo da melhor forma possível para obter resultados diversos sobre o objetivo programado. Como podemos ter escolhas e liberdades para trabalhar em tempos diferentes? Com um olhar de artesania, de acabamento diferenciado, de peça única. A gente consegue visualizar que isso já acontece na nossa indústria. Trazendo a Geração Z de volta, às vezes a gente ouve que ‘O meu consumidor não reconhece valor no sustentável ou em determinada prática que adotei’. Estamos falando de um nicho que está ditando caminhos muito jovem. Como todo conceito, é preciso educar”, pontua Angélica.

Essa educação é voltada para a Geração Z, que é tida como um grupo com valores ativistas sobre sustentabilidade, crise climática e questões sociais, mas que compra muito volume em fast fashion. Estamos falando de um público que ainda não tem um poder aquisitivo tão desenvolvido, principalmente quando ampliamos esse olhar para além do Norte Global e traz para o Sul Global. “Será que eu realmente não consigo atender essa galera com produtos que causam menor impacto?, Como posso aproximar esses jovens de mercadorias que sejam menos agressivas e, ao mesmo tempo, mais acessíveis? É a grande questão, tornar o fast fashion um pouco mais sustentável ou tornar a moda sustentável um pouco mais fast fashion? Esse balanço é o que está explícito para a gente agora” frisa Rafael Lemos.

Essa liberdade de que nos fala Rafael é o movimento, inclusive, de marcas que estão fazendo experiências offline de trazer o consumidor para criar o produto. “Alguns ateliês no Rio de Janeiro estão começando a abrir horários para aulas de costura. Você traz o seu consumidor para construir, por exemplo, um quimono, que é uma marca registrada da empresa. Esse investimento do nicho, de faça você mesmo, de personalize, traz esse olhar de mais um pouquinho de liberdade e mais colaboração”, comenta a head de Moda Circular do IMD. “Como você faz o seu conteúdo se destacar e como eu posso criar uma experiência inspiradora? Precisa trabalhar com mais humor trazendo essa liberdade criativa que a gente pode respirar e pensar um pouco fora da caixa para entregar esses conteúdos de uma forma mais sensível e que esteja atrelada a valores nessas comunidades junto aos nossos consumidores”.

Cléber Lima aborda em inteligência de produtos o segundo conceito, Liberdade: “Em Motivação, nós falamos sobre a ascensão e o estabelecimento do tecido plano. Independentemente da base e do uso, o tecido plano é hoje um artigo fundamental. Para o Verão 24/25, já percebemos, olhando para o mercado, uma reinserção da malharia circular como item fundamental para definição do que é moderno. Se há três anos o tecido plano começou a assumir esse papel do produto com preço mais alto, mais elaborado, a malha está fazendo um retorno aos poucos, comendo pelas beiradas”.

O retorno de estruturas drapeadas é tanto para um consumidor jovem como para aquele que busca um produto com ares de festa. A estética traz justamente essa intenção de oferecer malhas muito interessantes, fáceis de vestir mas com uma construção especial. “Eu tenho desde transparências novas para o masculino até misturas de gramaturas e aspectos em tecidos com a cartela muito tranquila para oferecer não uma ideia de calma, mas sim de modernidade, de avanço”, analisa Cléber Lemos, acrescentando: “A liberdade nos joga num universo de muitas possibilidades. Mas quando trago isso para o viés da iluminação é como se eu aplicasse itens muito fundamentais, essa energia do avanço, mas um avanço possível esteticamente e com um poder diferente, essa sensação de que você avança mas não perturba. É muito mais um reconhecimento, verniz da sua segurança, do que um brilho que busca cegar quem está observando”.

O desejo pode ser também uma alfaiataria misturada com transparências muito novas e modernas para criar uma imagem ‘falsamente simples’: “Uma coisa de que eu gosto muito é ter produtos de modelagem muito limpa com artesanato tecnológico aplicado. É um paetê, mas não é um paetê comum, é um telado ou um tramado mas não é um tramado tradicional. Eu uso a tecnologia têxtil para trazer uma versão atualizada do ‘vestir simples’. É um produto feito para ser degustado aos poucos e que fala muito dessa nova segurança. Porque antes havia uma ideologia, uma definição de que para você se sentir seguro tinha que se vestir de forma clássica. Era o blazer abotoado, a gravata, a calça certa com a meia na cor certa. Aqui a segurança é expressada na minha capacidade de ser ‘normal’, porém não muito”.

CONCEITO 3 – A FORÇA

Nós respiramos, nos reenergizamos e agora vamos para o terceiro e último conceito: Força. Angélica Coelho explica que  “é hora de nos reunirmos, olhar o entorno e nos abastecer. É hora de plantar, semear mudança. Aqui estamos falando que essa força é o motor que celebra, o que nos une, nos apoia, nos identifica. É a cola entre pessoas, lugares, costumes, culturas, comunidades, é o que define o valor dessa interdependência de como nos relacionamos com o que está à nossa volta e como nos reinventamos, olhamos para tudo com resiliência, de como nos adaptamos e nos desenvolvemos”.

Ela frisa que, após abordar temas como design regenerativo, design circular, agora o olhar deve ser voltado e com muita empatia onde cabe tudo para a gente falar de moda, que é o olhar para design de bio-regiões. Contemplamos não só a sustentabilidade, não só a comunidade, mas o conjunto desses fatores. Estamos falando de um design que contempla e é projetado para potencializar esses locais, biomas, tudo que tem de recurso natural.

As palavras-chave deste conceito são: nutritivo, terapêutico, território, mulher de fibra, rural, integrador, nativo, circular e regenerativo. Aqui estamos falando sobre um pouco do que já conhecemos, mas ninguém fala, e do que nós somos. Quando temos um olhar em que um dos pontos é a regeneração, estamos falando de uma régua na qual o impacto medido precisa ser o de melhoria, o de recuperação. A partir de determinadas escolhas, começamos a entrar num olhar de impacto positivo, que faz mais bem do que neutraliza. Nós temos escolhas – Angélica Coelho

É preciso olhar para isso pensando também nas manualidades. O que a comunidade no entorno tem de especificidade? “Nós temos, em Maricá, as tapeceiras do Espraiado, que fazem um ponto de bordado específico daquela região. Trazer isso como destaque daquela área é potencializar algo que já é inerente”, aponta Angélica.

Rafael acrescenta que é  “você saber fazer uso dos artifícios que a moda oferece junto aos artifícios de toda a sabedoria cultural que eu tenho evolvida na minha região. Há uma relevância na personificação de uma pessoa da minha terra que está se projetando dentro de uma outra estética mundial. É um conjunto de talentos da minha região postos, enfim, de conseguir alcançar algo que uma grande marca colocaria uma modelo e trilharia esse mesmo caminho. Eu não estou me apropriando de algo. Estou compartilhando algo que é da minha vivência, da minha comunidade, é a minha realidade. Então, isso ganha outras proporções”.

A quantidade de pessoas que carregam saberes, as pessoas mais velhas hoje são em maior número e a tendência é que esse número aumente cada vez mais nos próximos anos. Essas pessoas que têm tanto para oferecer, que têm saberes bio regionais, ninguém está dando ouvido a elas. Tem tanta coisa em que podem até contribuir – Rafael Lemos

Quando se fala sobre Inteligência de Produtos, o primeiro ponto a ser abordado no Conceito Força, é o artesanato renovado — artesanato no sentido mais amplo, desde a técnica por trás dos materiais até a construção do produto. “Eu gosto da paleta de terrosos, porque ela vai desde o universo da casualidade até o novo festa. Mas observem que o produto tem um aspecto bruto em algum lugar. É a borda, é a combinação de cores, é o acabamento. É um ‘artesanato afetivo’, que permite que o erro e as novas descobertas aconteçam”, diz Cléber Lima, acrescentando que ama as novas tramas.

A imagem, curiosamente, não é de simplicidade. É uma imagem forte, é uma imagem de modernidade. Diferentemente do tema anterior, aqui a ideia é pensar a funcionalidade como o início de um novo processo de decoração de produto – Cléber Lima

E, para fechar, a evolução dessa estética anos 2000, que o mercado também conseguiu captar. “Um monte de gente que tinha vergonha da calça cargo hoje usa sem nenhum remorso. Mas aqui eu tenho uma versão depurada de tudo isso em que eu valorizo tecidos que usam tingimentos menos danosos ou uma cartela que não demanda corantes tão agressivos para vender ou construir uma imagem de casualidade rica, elegante, sofisticada sem demandar do clichê de determinada cartela de cores. O que é bruto recebe um status de refinado muito por conta das proporções e desses beneficiamentos que não se preocupam em serem perfeitos: a imperfeição aqui é um ativo de agregação de valor”, aponta Cléber Lima.