Um olhar para novas realidades. Em um mundo cada vez mais acelerado, as nossas escolhas e direções que seguimos têm impactos e o momento é de criatividade. Durante cinco dias, nós mergulhamos na edição 100% digital da São Paulo Fashion Week, a maior semana de moda da América Latina. Em agosto, a edição do Inspiramais – Único Salão de Design e Inovação de Materiais da América Latina celebrou uma década de lançamentos voltados aos setores calçadista, moveleiro, automotivo, confecção, acessórios e bijuterias sempre pensando a equação high tech + sustentabilidade = inspirações também em um ambiente virtual de última geração, encurtando distâncias neste momento que o mundo atravessa com a pandemia do novo coronavírus.
E foi muito bom acompanhar a live promovida pelo SENAI CETIQT – maior centro latino-americano de produção de conhecimento aplicado à cadeia produtiva têxtil de confecção e química e permeado pela tríade tecnologia, inovação e educação para o hoje e o futuro – com o tema “A Indústria 4.0 e os Desfiles Virtuais”. Diante do recente quadro de recrudescimento da pandemia de Covid-19 em países da Europa, que estão voltando a tomar medidas de isolamento social, o tema é mais que urgente. Para falar sobre os desfiles virtuais e a Indústria 4.0 foi convidada a engenheira têxtil especializada em design de moda Michelle Carvalho. Além de pesquisar materiais têxteis, ela atua no desenvolvimento de tecidos e cores e é autora de artigos sobre tecnologia para o caderno do Inova Moda do SENAI CETIQT. Michelle também fez parte da equipe que colaborou na implantação da primeira Planta de Confecção 4.0 da América Latina desenvolvida pelo SENAI CETIQT.
“O desafio do mercado é tirar o melhor proveito das tecnologias disponíveis para atender as constantes mudanças de desejo de consumo. Os desfiles virtuais vão ser através de um software, que vai apresentar peças de roupa que só existem no mundo virtual e, a partir daí, o consumidor comandará a aceitação”, observa Michelle. Mas calma. Para chegarmos até aqui percorremos um longo caminho. Foram necessárias muitas invenções, muita criatividade. Michelle voltou mais de 200 anos no tempo e abriu a palestra traçando um breve histórico das etapas da Revolução Industrial a partir do final do século 18.
Em 1784, com o surgimento do primeiro tear mecânico, o homem descobriu as maravilhas do uso do vapor e da energia hidráulica, que foram substituídos um século mais tarde pela eletricidade. Mais de um século se passaria até que, no começo da década de 1970, fossem introduzidos os aparelhos eletrônicos e a Tecnologia da Informação. “Foi aí que começamos a automatizar a produção. Já não era necessário ter uma pessoa em cada tear. Começamos a trabalhar com máquinas mais autônomas, que substituíram vários trabalhos braçais. Identificamos, também, o primeiro sistema de controle lógico, que é o famoso CLP, o Controle Lógico Programável. O trabalho se tornou mais automático”, relembrou Michelle.
Se as primeiras etapas da Revolução Industrial levaram séculos para serem implementadas, a Terceira e a Quarta revoluções se separam por pouco mais de 40 anos. “Por volta de 2015, começamos a identificar a Quarta Revolução Industrial, que nada mais é que trabalhar com sistemas ciberfísicos de produção. O que que é isso? Sempre que eu tiver uma informação no mundo físico, terei essa informação também no mundo virtual. E vou trabalhar para agilizar meu processo de tomada decisão, trazer mais agilidade e aproveitar melhor a minha produção para a entrega de produtos e serviços. Quando o nível de industrialização sobe, o grau de complexidade das tecnologias e do maquinário se torna mais complexo”, explica a engenheira e pesquisadora.
“A frase ‘a tecnologia está fazendo pelo nosso cérebro o mesmo que as máquinas fizeram pelos nossos braços na Primeira Revolução Industrial’ resume bem o que está acontecendo. Estamos substituindo o movimento mecânico humano por braços robóticos e máquinas automatizadas. Com a Inteligência Artificial e a análise de dados, as máquinas tomam decisões sozinhas e são capazes de analisar uma quantidade enorme de informação, permitindo, por exemplo, a customização em massa”, pontua, sem esquecer de enfatizar que, por trás de cada máquina, há um ser humano repleto de criatividade e vontade de mergulhar nas inovações.
Aqui, a palestrante toca num ponto essencial para a Indústria Têxtil e de Confecção, um divisor de águas que vai determinar quem permanecerá ou não no mercado. O novo consumidor quer produtos com a “cara” dele, já não admite seguir padrões usados por todos. “Na Segunda Revolução Industrial, passamos a produzir em massa. Atualmente, porém, isso não se sustenta. Ninguém quer roupas padronizadas. A expectativa é por produtos criados de acordo com o gosto e a personalidade de cada um. Daí a necessidade de pensarmos em uma grande produção, sim, mas que dê liberdade para o cliente final customizar o produto”, frisa Michelle.
Para se chegar a esse resultado, de roupas que façam o consumidor sentir que está vestindo algo feito exclusivamente para ele, há muita tecnologia envolvida. Além da Inteligência Artificial e da análise de dados, a Impressão 3-D, também conhecida como Manufatura Aditiva, é grande aliada da customização: “Ela permite individualizar peças em massa com baixo custo de produção”, esclarece Michelle. No entanto, ainda é usada apenas para construir protótipos.
A engenheira chama a atenção para a Nanotecnologia, que vem ganhando cada vez mais espaço na produção de tecidos inteligentes: “A manipulação de materiais em escala molecular permite que tenhamos, por exemplo, camisas com repelência a insetos, calças que hidratam a pele e máscaras antivirais. Outras tecnologias importantes são a Internet das Coisas e os sensores. A troca de informações entre diferentes unidades produtivas só é possível através da instalação de sensores em aparelhos ou máquinas. Isso melhora a logística e o monitoramento da produção. Você conecta o celular à TV para ver o YouTube e isso já é, de certa forma, Internet das Coisas, o monitoramento do espaço no dia a dia. O smartphone é um grande aliado da Indústria 4.0. Hoje é uma tecnologia indispensável, já nos acostumamos a ter conhecimento na palma da mão”.
Michelle explica que a criação de uma rede digital, premissa básica da implantação da 4.0, pode parecer uma realidade distante para alguns empresários, mas que, na verdade, não deve ser encarada como coisa de outro mundo. “Para começar, levamos o que estamos trabalhando no mundo físico para o digital. Se instalo um sensor numa máquina de costura, por exemplo, posso contar quantas peças produzo por dia. Essa informação é enviada automaticamente para o mundo digital, criando um registro de informações digitais na nuvem”, explica. “Em seguida, trabalho essas informações digitais, pois dados por dados não dizem nada. Identifico padrões nos dados para tratá-los digitalmente com uma análise avançada, o Big Data Analytics. Assim, tenho a possibilidade de gerar insights mais assertivos. Posso monitorar, por exemplo, o que eu tenho no estoque. Tudo em tempo real”.
O último passo é retornar do digital para o físico: “Nada mais é do que fazer com que a informação que trabalhei no mundo virtual realize uma ação efetiva automatizada no universo real”. Além de ser simples, oferece vantagens robustas, que justificam cada centavo empregado na transformação do negócio tradicional em 4.0.
Durante a palestra, a engenheira elencou cinco benefícios da digitalização de processos na indústria. O primeiro e mais óbvio é a VELOCIDADE: “O tempo de lançamento do produto ou serviço mais rápido reduz riscos, pois a chance de errar se torna muito menor. O ganho de velocidade também influencia nos custos, já que, ao cortar etapas no processo de criação, desenvolvimento ou produção, reduzimos o tempo e os gastos, criando vantagem competitiva sobre outras empresas”.
Outro benefício também tem a ver com velocidade, mas, no caso, em relação a AGILIDADE. “Mais que nunca precisamos nos adaptar rapidamente a mudanças da demanda. Com a Covid-19, fomos obrigados a fazer isolamento social. Quem não estava minimamente digitalizado se sentiu perdido, pois não teve agilidade para se adaptar a uma mudança tão brusca. Digitalizar ajuda a dar respostas rápidas. E aumenta a satisfação do cliente, pois quanto mais ágeis nós somos, mais ele fica satisfeito. O mesmo se observa em relação à QUALIDADE do produto. Com menos possibilidade de errar, posso oferecer um produto com mais valor agregado”.
Outro benefício da digitalização listado por Michelle é a questão do CUSTO. “Quando trabalhamos dentro do nosso ecossistema produtivo com fornecedores também digitalizados, eliminamos diversos custos da cadeia de suprimento. O preço do material e do serviço cai e, consequentemente, o preço do produto é reduzido”, resume Michelle, emendando com o que ela considera mais um benefício importante da digitalização de processos na Indústria Têxtil e de Confecção: “O SERVIÇO sai ganhando, também. Quando possibilito a personalização, eu fidelizo a clientela. É preciso dar liberdade para o consumidor opinar ou deixá-lo escolher o que quer do produto ou serviço. Isso também gera fidelização. E a INOVAÇÃO é a tônica de todo o processo”.
Todas essas transformações digitais foram aceleradas em função da pandemia. O impacto na maneira de consumir não tem precedentes: foi gigantesco em escala mundial e fez com que uma evolução que levaria anos para acontecer se consumasse em uma questão de meses. “Ficamos estagnados quando recebemos a notícia da necessidade do isolamento social, mas várias empresas conseguiram se adequar à nova realidade imposta pela pandemia”, observa Michelle, citando o relatório “The State of Fashion 2020”, elaborado anualmente na Europa pela plataforma de tendências de moda Business of Fashion em parceria com a empresa de pesquisa MacKinsey & Company. “Segundo o relatório, 13% dos consumidores europeus compraram roupas online pela primeira vez. Inclusive quem tinha receio por conta de tamanho ou devolução. Nos Estados Unidos, a Nike teve aumento de 36% nas vendas digitais no primeiro trimestre de 2020 em um momento em que as lojas físicas estavam fechadas. É um número significativo para o período incerto que estamos vivendo”.
No Brasil, o case da Riachuelo é um exemplo de estratégia bem-sucedida proporcionada pela digitalização: “A empresa patrocinou lives de artistas como Marília Mendonça, que foi vista por milhões de pessoas, e Gusttavo Lima, que durou sete horas. Isso ensejou uma grande projeção da marca. Cinquenta mil pessoas fizeram download do app só por conta dessas lives. A possibilidade de crescimento com a implementação do digital é exponencial”.
O desafio do mercado é tirar o melhor proveito das tecnologias disponíveis para atender as constantes mudanças de desejo de consumo. “A grande sacada é identificar o problema – produtivo, de serviço ou qualquer outro – para saber escolher a ferramenta certa para tornar seu negócio mais eficiente e assertivo”, ensina Michelle.
Exemplos de uso criativo de ferramentas tecnológicas em tempos de isolamento social vêm dos desfiles virtuais. Afinal, como exibir as coleções se não podemos nos aglomerar? Como reunir um time de editores, artistas, profissionais da moda em tempos de pandemia? “A Asics foi brilhante na apresentação de sua coleção de tênis 2020. O lançamento foi feito através de realidade virtual. Como não havia a possibilidade de o evento ser presencial, os responsáveis pela label compraram óculos de realidade virtual e enviaram para vários profissionais e compradores poderem acompanhar o desfile onde quisessem. O resultado foi fantástico”.
Recentemente, a Valentino filmou modelos em um estúdio e projetou imagens oníricas pelo método de projeção mapeada sobre as roupas. O resultado ficou belíssimo em um desfile virtual.
Outra possibilidade é a Realidade Aumentada, já usada pela indústria de calçados. “Tem um aplicativo da Gucci que permite verificar como um tênis, por exemplo, fica no pé. Dá para experimentar vários modelos sem realmente calçar nenhum. Isso ajuda muito na decisão de compra. Você vê o tênis no seu pé como se estivesse experimentando na loja. E dá para fazer muito mais com a Realidade Aumentada”, afirma Michelle Carvalho. Os usuários do app da Gucci podem usufruir da tecnologia de realidade aumentada da Wannaby para posicionar os sapatos proporcionalmente em seus pés, usando apenas a câmera do seu celular. Depois, basta tirar uma foto. Posteriormente, você irá obter um link direto para o site da grife, onde poderá efetuar a compra.
Porém radical mesmo no quesito desfile virtual é a Carlings, marca escandinava que cria apenas peças 100% virtuais. A ideia é sensacional: para lançar a marca, os designers mandaram peças virtuais para influencers que as “vestiram” e postaram nas redes sociais. Dependendo da resposta dos consumidores, a marca produziu ou não as roupas.
“Já há outras empresas trabalhando com esse formato de criação de coleção digital, criação de peças não-físicas e lançamento nas redes para medir a aceitação e produzir ou não”, diz Michelle Carvalho. Para o futuro, ela acredita que os desfiles continuarão apostando no ambiente virtual. “Teremos o avatar de uma modelo, a exemplo da Magalu”. É o admirável mundo novo batendo à nossa porta.
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