O projeto Moda Circular – O Início de um Novo Ciclo para a Indústria da Moda é uma parceria desenvolvida pelo SENAI CETIQT com a Laudes Foundation com o objetivo de apoiar a moda brasileira para um modelo mais circular de consumo. Como já pontuamos aqui, a Economia Circular promove o desenvolvimento que regenera a integridade de todo o sistema por se basear na utilização de recursos renováveis continuamente reinseridos na cadeia ou transformados em insumos para outras cadeias de valor. Em suma, a Economia Circular possibilita a criação de capital econômico, natural e social para favorecer o surgimento de novas oportunidades de negócios, inovação em processos e desaceleração das mudanças climáticas. No modelo circular, os fluxos são inspirados na natureza para gerar resiliência, pensados de maneira sistêmica, contribuindo na promoção de novos elos na cadeia produtiva. Para tratar do protagonismo do tema meio ambiente para as empresas têxtil e de confecção e a transformação da indústria da moda em um setor mais justo e sustentável, o SENAI CETIQT promoveu a live “Economia Circular e a Indústria do Futuro”.
Diretor executivo do SENAI CETIQT, Sergio Motta tem apontado que existe “uma grande demanda na implementação da Indústria 4.0 no Brasil e por profissionais com novos perfis, com conhecimento na área de tecnologia da informação e comunicação, digitalização, automação industrial, impressão 3D, sustentabilidade e economia circular. Ou seja, um novo mundo no qual a indústria tem o SENAI CETIQT como parceiro para dar esse novo passo”. Na live, a consultora do Instituto Senai de Tecnologia Têxtil e de Confecção do SENAI CETIQT, Angélica Coelho, recebeu o gerente executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo, que cuida da mobilização do setor industrial e da articulação com o governo federal para incentivar as indústrias a serem mais competitivas e fazerem parte de uma solução de desenvolvimento sustentável para o país. “Nós vamos tratar sobre os trabalhos que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) vem desenvolvendo e de oportunidades e desafios que o setor industrial enfrenta para implementar a Economia Circular no Brasil, pois estamos promovendo algumas ações para apoiar a transição da moda brasileira para o modelo mais circular de produção e consumo”, pontua Angélica, falando sobre a conversa com o representante da CNI.
Durante cerca de uma hora, Angélica e Bomtempo falaram, entre vários temas, sobre a importância para inserir o país entre as nações mais desenvolvidas do planeta e os resultados da primeira pesquisa de abrangência nacional realizada pela CNI sobre Economia Circular. O objetivo é fomentar ações de apoio à transformação de profissionais, empresas e consumidores, promovendo a transição para um modelo circular, focado em eliminar o desperdício e aumentar a vida útil dos materiais, além de oferecer dignidade, empatia e acolhimento aos trabalhadores envolvidos em todas as etapas do processo.
A CNI está à frente do processo de modernização das indústrias brasileiras: a confederação reúne 27 federações estaduais, aproximadamente 1.300 sindicatos industriais e 700 mil empresas cadastradas. “Nosso DNA é defender os interesses da indústria de forma a promover a competitividade, sempre aliada ao desenvolvimento sustentável”, resume Davi Bomtempo. “Competitividade com sustentabilidade é sempre o nosso objetivo final. Há muitos anos, Recursos Naturais e Meio Ambiente têm um papel importante, assim como Financiamento, Tributação, Infraestrutura, Economia e Eficiência do Estado. Dentro de Recursos Naturais e Meio Ambiente, trabalhamos grandes temas, começando pelo licenciamento ambiental. Queremos simplificar e racionalizar o processo. Também temos intensificado os trabalhos no uso dos recursos naturais, em que a economia circular está inserida em conjunto com a gestão de resíduos, e nos recursos hídricos, que trazem elementos de Economia Circular no tocante ao reuso de água, e na biodiversidade, conectada com a agenda maior da CNI, a bioeconomia”.
Bomtempo conta que vários trabalhos executados pela CNI têm a ver com a solicitação formal do Brasil tornar-se membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Para isso, o país vai precisar cumprir todos os instrumentos contidos na OCDE. E 40% desses instrumentos dizem respeito ao meio ambiente. Cada instrumento tem um correspondente em termos de política pública ambiental. Numa primeira avaliação, o país está bem de leis, mas ainda precisamos acompanhar as políticas públicas que estimulem as boas práticas de economia circular. Financiamento, por exemplo, é uma questão estruturante, principalmente quando falamos de projetos”, explica, acrescentando mais um motivo para a urgência de voltarmos todas as nossas atenções para a questão da Economia Circular: “O acordo Mercosul-União Europeia também é fundamental. Temos um capítulo inteiro sobre desenvolvimento sustentável em que o pilar central é o Acordo de Paris. A Economia Circular tem uma participação relevante. A recuperação econômica do bloco europeu na pós-pandemia será direcionada para ações em que a questão climática e a redução da perda de biodiversidade serão centrais”.
Como se vê, precisamos planejar um futuro mais sustentável com urgência. O modelo linear de produção-consumo-descarte está atingindo seu limite. Para isso será fundamental nos manter atentos aos acontecimentos das últimas quatro décadas e às projeções do que está por vir nos próximos anos. Só para se ter uma ideia, a população mundial dobrou, ao passo que a extração global anual de materiais aumentou 3,4 vezes. Já a perspectiva para 2060 sobre a extração anual de materiais é de dobrar de volume, enquanto o aumento das emissões de gases de efeito estufa poderá chegar a 43%. Até 2050, a população deve crescer cerca de 26%.
“A Economia Circular é o que mais se aproxima do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). A lei traz um conceito importante de responsabilidade compartilhada das dores do produtor, do fabricante, do importador e do comerciante. Todos são responsáveis.(Ela estabelece as diretrizes, responsabilidades, princípios e objetivos que norteiam os diferentes participantes na implementação da gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, sendo um dos grandes desafios à gestão ambiental urbana nos municípios brasileiros na atualidade). Precisamos, também, trazer um valor econômico e encarar o resíduo como recurso, o que também é chave nessa transição. Ainda assim, 40% dos resíduos sólidos coletados vão para aterros ou lixões. Quando debatemos com outros países e a discussão entra em modelos de gestão e indicadores, sempre penso no momento que os países estão vivendo. A União Europeia tem uma lei desde 2015. E nós ainda estamos lidando com problemas estruturantes como lixão, além de saber que 80% dos resíduos que vão para os oceanos têm origem nas cidades. Daí a necessidade premente de tratarmos a qualidade ambiental urbana no Brasil”, comenta Bomtempo, lembrando que a política pública é uma linha importante, com destaque para o tratamento fiscal: “Hoje, no Brasil, é vital reciclar. Precisamos trabalhar os efetivos econômicos para tornar essa agenda atrativa”. Ele lembra que praticamente todos os continentes estão tocando a Economia Circular e que ainda precisamos evoluir muito no sentido de melhorar a comunicação, de debater o assunto tanto interna como internacionalmente. Já a meta do Acordo de Paris é reduzir 37% das emissões de carbono em 2025 em relação a 2005, com meta adicional de redução de 43% até 2030.
No entanto, não resta dúvida de que a ideia de Economia Circular está em total sinergia com a de sustentabilidade, até porque é um conceito muito adequado quando se considera um tipo de empresa, de atividade, de região, de país, de bloco, enfim. O objetivo da Economia Circular é manter os recursos nas cadeias produtivas pelo maior período possível, estendendo a vida útil dos materiais por meio do design, da manutenção do reuso, da remanufatura e da reciclagem. “No Brasil, muita gente associa Economia Circular somente à reciclagem. Não é isso. A gente tem que falar dos ciclos mais curtos”, explica o gerente da CNI.
Esse ano, a CNI encaminhou uma agenda de trabalho com discussões no ambiente internacional para o Comitê Técnico da ISO sobre Economia Circular. “Está num estágio inicial ainda, nas definições de conceito, mas o mais importante é que o Brasil tem uma representação. A CNI coordena esse trabalho com outros atores. Toda a articulação com a sociedade civil e com a academia tem sido feita de forma bastante intensa. E isso é reconhecido pelas negociações internacionais. Até porque precisamos pontuar nossas características, nosso entendimento. Os efeitos de uma norma internacional são imensos. O Brasil está sendo bem representado, tanto na coordenação de grupos de trabalho, quanto na participação de aconselhamento de alto nível”.
A negociação junto à International Organization for Standardization (ISO) está sendo feita a partir do documento Economia Circular: Oportunidades e Desafios para a Indústria Brasileira, da CNI, para elaboração da Norma Internacional sobre Economia Circular. A CNI coordena a Comissão de Estudo Especial de Economia Circular da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que está concluindo as adaptações na norma ISO 20400, que fornece diretrizes para compras sustentáveis. Só para lembrar: no ano passado, foi criada a Rede de Produção e Consumo Sustentável com o objetivo de criar, de forma gradual, as bases para a construção de padrões de produção e consumo sustentáveis por meio do diálogo entre a indústria e o governo. Recentemente, a CNI também participou de debates com o governo para a criação de critérios para as compras públicas sustentáveis e a agenda prioritária 2020 tinha como meta, entre vários pontos, o desenvolvimento de uma cartilha sobre a ISO 20400 – Compras Sustentáveis e uma plataforma virtual de Economia Circular.
Na visão de Davi Bomtempo, a CNI já é considerada uma think tank, ou seja, uma espécie de laboratório de ideias, e, por conta disso, vem mergulhando no trabalho de definição de estratégias setoriais, a rota de circularidade e, principalmente, a base de dados. “A base de dados é um tema que merece muita atenção. É importante porque, quando falamos de meio ambiente e sustentabilidade no Brasil, temos uma carência enorme de dados. Enquanto na Europa o acesso é simplificado e permite monitorar qualquer tipo de política pública, aqui ainda estamos na fase de produção de dados. Isso precisa mudar urgentemente para termos uma melhor orientação do que fazer nas mais diversas agendas do país”, frisa.
A CNI realizou a primeira pesquisa nacional em 1.261 empresas sobre Economia Circular com o objetivo de mapear a percepção do setor industrial brasileiro sobre o tema. “As grandes empresas já estão muito mais estruturadas quando falamos de economia circular, eficiência energética e gestão hídrica. Precisamos ficar atentos às médias e pequenas empresas. Dados mostraram na pesquisa que a pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) que 76% das indústrias brasileiras adotam alguma prática de economia circular”.
O fato é que a Economia Circular tem um grande impacto sobre a eficiência operacional nas empresas. “Algumas linhas dentro da Economia Circular já estão sendo tratadas a partir de leis, de atos normativos. O exemplo é a própria Política Nacional de Resíduos Sólidos. Também observamos a mudança do perfil do consumidor, que quer saber como cada produto é produzido e o que se faz com os resíduos. Enfim, muitas demandas são exercidas sobre as empresas, que optam por mudar de modelo de negócio para atender às demandas dos vários atores e das variáveis que vêm aparecendo ao longo dos anos”.
Bomtempo apresentou durante a live frases importantíssimas a respeito do tema Economia Circular ditas durante o Encontro Economia Circular e a Indústria do Futuro realizado ano passado e com 350 participantes, entre nomes nacionais e internacionais : “O uso atual de matérias-primas é de 85 bilhões de toneladas por ano e deve aumentar para 186 toneladas até 2050. Chegou a hora de nos afastarmos da abordagem linear. A economia circular fecha o ciclo” (Ignacio Ybañez, embaixador da União Européia no Brasil) e “A gestão da sustentabilidade vem ganhando espaço na agenda estratégica das empresas. O pensamento de longo prazo é fundamental para que se ultrapassem os momentos de crise, contribuindo para a saúde econômica e o desenvolvimento do país” (Robson Braga de Andrade, presidente da CNI)
A indústria da moda encara sérios desafios para fazer a transição para um modelo mais circular de produção. Afinal, o Setor Têxtil e de Confecção brasileiro é bastante heterogêneo e múltiplo. Nas palavras de Bomtempo, porém “o setor já vem empregando várias práticas circulares, seja na economia de água, seja em produtos e insumos cada vez mais sustentáveis. Existe uma transmissão também pelos bioinsumos. Já há o emprego de práticas circulares há bastante tempo na área de moda. Tanto que tem referências quando comparado com outros setores que ainda estão iniciando essa jornada. O Setor Têxtil e de Confecção está bastante evoluído. Eu considero como referência na transição para a Economia Circular”, conclui.
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