O outono inverno 2015/16 segue seu rumo na Paris Fashion Week e visões de moda se sobrepõem, confundindo a cabeça do público e muitas vezes embaralhando DNAs como num jogo de pôquer em Las Vegas, quando, após certa quantidade de doses etílicas, o apostador pode não mais conseguir perceber a diferença entre um valete de paus e uma dama de copas. Óbvio que o curso da moda é único e o legado deixado por um estilista à frente de uma grife pode sofrer profundas modificações quando o bastão é passado adiante, sem que a marca deixe de ser ela mesma. Afinal, a fila anda, a moda é volátil e é justamente o olhar inusitado de um fashion designer aquilo que pode se tornar ser seu maior trunfo, com talentos incorporados pelos conglomerados de luxo se encarregando de ressuscitar espíritos, renovar estilos e suscitar novos interesses por algo que parecia fadado à naftalina.
Mas, convenhamos, nem sempre a coerência daquilo que representa historicamente uma brand é mantida de forma tão sincera ao longo das tantas temporadas, como pode atestar a presença de Francisco Costa substituindo seu mentor na Calvin Klein, ou mesmo tão espetacularmente incorporado – caso de Karl Lagerfeld na Chanel ou na Fendi, desde quando ele as assumiu. Ou ainda fabulosamente recriado, representando um novo momento, como foi a magnética presença de John Galliano no comando da Dior nos anos 1990/2000. E também na boa passagem de Peter Dundas pela direção criativa da Emilio Pucci, com derradeira coleção exibida na Milan Fashion Week semana passada.
Essa é a conclusão a que se pode chegar nestes últimos dias, observando alguns desfiles de prêt-à-porter exibidos na Cidade Luz de grifes cuja batuta hoje em dia não está mais na mão do seu criador. Sucessores se sucedem sem que necessariamente heranças se mantenham naquilo que, digamos, precisaria ser conservado, transformando marcas em algo que pode ser considerado tudo, menos… aquela mesma marca!
Enquanto John Galliano procura novamente seu lugar ao sol apresentando uma boa coleção no desfile da Maison Margiela – diga-se de passagem bem superior ao apresentado em janeiro, durante a Semana de Alta Costura –, mas desprovido da essência do fundador da casa, Martin Margiela, Bill Gaytten reinventa a grife John Galliano de maneira adequadamente comercial, bem focada, mas longe de representar a continuidade da brand que leva o nome do enfant terrible. Sinal dos novos tempos, quando o conteúdo cede espaço para mimimis vazios nas redes sociais que duram pouco mais que um dia (ou horas!) e pencas de celebrities se amontoam em red carpets de uma infinidade de festivais de cinema e prêmios musicais, de tal forma que não se distingue mais facilmente quem é de fato uma neo star de uma pretensa wannabe com prazo de validade fadado a rapidamente se expirar?
John Galliano por Bill Gaytten (Fotos: Reprodução)
Talvez, mas essa é a velocidade do mundo atual, amplificado pelo excesso de informação, democrático sim, mas muitas vezes vazio e quase nunca cumprindo a função primordial de informar, mas apenas registrar. Informar que fato, se os acontecimentos são midiaticamente programados/inventados/elucubrados somente para faturar? Mundinho de pirita, o ouro dos tolos? Ou estratégias de gaviões que ficam cada vez mais abonados à custa do inconstante frenesi dos novos ricos sem opinião formada, sejam eles consumidores de produtos ou de ideias? Não se sabe…
Se o desfile de Galliano para a Maison Margiela, nesta última sexta-feira (6/3), estava repleto de elementos gallianescos que mais parecem pac men prontos para devorar o legado noventista de Margiela, por outro lado a presença de Gaytten na John Galliano pouco manteve o mínimo essencial de uma marca onde seu criador original se predispunha a promover um elo entre as pirações laboratoriais da época em que ainda era aluno da Central Saint Martins e seu trabalho autoral, mas pleno de responsabilidades firmadas junto aos executivos de uma da grifes mais poderosas do planeta. Com shapes ótimos, boa modelagem, estampas bonitas e belos roxos e corais iluminando pretinhos, o inverno de John Galliano por Bill Gaytten é bonito, mas passa batido entre tantas outras coleções. O que fica no final é aquela expressão típica de quem levanta da passarela, cansado de guerra, e diz: “Okay, e daí?”
Talvez nesse campo – o de unir contemporaneidade com DNA –, a boa sacada seja o inverno de Balenciaga, desde 2001 sob a chancela do Grupo Gucci e hoje sob direção criativa de Alexander Wang, o talentoso norte-americano de origem taiwanesa que substituiu Nicholas Guesquière nesta tarefa em 2012. Para o próximo inverno, ele investe na leveza das fendas assimétricas, ótimos xadrezes e alguns brocados florais que são a sua cara, mas aposta em formas estruturadas com tecidos pesados, atualizando o espírito original, mas conseguindo manter o rigor formal que faz parte do imaginário da grife. E o mais importante (conceitualmente, mas não comercialmente): sendo capaz de deixar orgulhoso o fundador Cristóbal Balenciaga, notoriamente conhecido pelos volumes armados e o apreço pela arquitetura. Um bamba digno de continuar o trabalho de um mestre!
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