Quando li os comentários de Márcio Madeira no Facebook de Carlos Tufvesson logo após eu ter publicado no site HT uma entrevista com o presidente do Conselho de Moda do Rio de Janeiro sobre os rumos dos fashion shows na cidade, corri para saber o ponto de vista do mestre da fotografia de moda a respeito de uma série de questões. Fotógrafo profissional há 44 anos e 39 deles só cobrindo desfiles, Márcio Madeira fundou em 1996 a agência firstVIEW, em Nova York, mas vendeu sua parte em 2013 para continuar com sua outra agência, Zeppelin, baseada em Paris, onde ele mora.
Trabalha para a L’Officiel há 39 anos e cobre os desfiles para as mais importantes publicações de moda do mundo. Entre elas, Elle França, Vogue US e o site Style.com. Conheço Márcio há anos e a competência e a franqueza são sua chancela. Tufvesson gostou tanto do que leu no comentário que convocou Márcio para a próxima reunião do Conselho. Fiz várias perguntas a sobre semanas de moda, mundo das blogueiras, modelos, jornalismo de moda. As respostas são contundentes.
HT: O que tem a dizer sobre o atual momento das semanas de moda no Brasil?
MM: O “sistema” brasileiro de semanas de moda está falindo. É muito desagradável ter que constatar isto, mas da maneira como foi desenvolvido não podia dar em outra coisa. Mega-eventos em mega-locações ou mega-tendas em lugares mega-inacessíveis, um público de patricinhas e peruas que estão lá só para badalação, a ausência de compradores profissionais a falta de cobertura da mídia em crise. Profissionais da moda e imprensa mal tratados, segurança exacerbada, patrocinadores gastando fortunas e não tendo retorno algum e por aí vai. Não vou fazer aqui a lista toda…. ou seja tá tudo errado.
HT: Como vê a falta de uma semana de moda no Rio de Janeiro com a interrupção do Fashion Rio?
MM: Um absurdo. O Rio é o destino dos sonhos no imaginário de todos os brasileiros e estrangeiros. Se você fala em Brasil em qualquer lugar do mundo a primeira imagem que vem na cabeça de alguém é o Rio. Uma vez, um amigo importante, psicanalista baiano, disse: “O ego do Brasil fica no Rio de Janeiro”. Os Estados Unidos da América, maior potência econômica mundial, tem uma semana de moda em Nova York e assim mesmo luta para sobreviver. Miami Beachwear era uma droga de evento e acabou. Los Angeles, idem. Como tudo no Brasil, também em termos de moda, está faltando modéstia e competência.
HT: O que tem a dizer sobre o poder das blogueiras?
MM: A internet desestabilizou a mídia em geral com Instagrams, Facebooks e afins. Impérios de mídia especializada em moda estão ruindo por causa das blogueiras. Quanto tempo isto vai durar? É bom ou ruim para moda? Não sei. Só sei que a qualidade caiu muito e o direito autoral acabou, mas ninguém parece se importar.
HT: Como avalia o jornalismo de moda atual?
MM: Deprimente.
HT: A profissão de fotógrafo de moda está em que estágio atualmente?
MM: Mais deprimente ainda…
HT: Dois eventos de moda em duas cidades é um plus para a moda brasileira ou algo que acaba enfraquecendo a situação e estimulando rixa?
MM: Você pode me dizer qual profissional de moda, imprensa ou comprador, que tem 20 dias úteis por ano de 9h às 22h, para se dedicar a ver desfiles de moda no Brasil? E que desfiles…
HT: Por que as modelos brasileiras perderam o bonde? Depois da geração Gisele poucas foram as que se destacaram de fato. Onde erramos?
MM: Não erramos, acertamos…. Para cada Gisele tem 10.000 meninas que não dão certo, o esforço é enorme. O glamouroso sonho de ser modelo não interessa mais as burguesinhas brasileiras que já sabem que é muito duro. Você já reparou que mulher francesa não engorda e não vira modelo? Pois é o mesmo que acontece com as lindas louras dinamarquesas, suecas e mesmo americanas que dominavam o “mercado” nos anos 80. Já as russas preferem ser modelos do que trabalhar numa mina de carvão.
HT: O que acha das revistas de moda brasileiras?
MM: Muitas vão quebrar…
HT: Você viu a moda mudar. É testemunha ocular de velhos e novos tempos. Como analisa a moda que é feita hoje no mundo?
MM: Tendência não existe mais, as grandes grifes preferem adotar estilistas “low profile”…. Gallianos e McQueens c’est fini… As modelos parecem ratos clonados em laboratório …. São todas iguais…. Ou seja se há uma tendência hoje em dia é a pasteurização ….
HT: Desfile é uma plataforma de lançamento ultrapassada ou eterna?
MM: Parece que aqui no Brasil se esqueceram dos compradores. Em Paris, durante a semana de moda, os show-rooms das marcas, grandes ou pequenas, recebem os compradores que fazem seus pedidos logo após o desfile. Funcionam a pleno vapor e entram pelas noites. O comprador americano, japonês, coreano e etc… Não tem hora para aparecer, cada um vem entre um desfile e outro. O primeiro objetivo de um desfile é VENDER. O único modo de se ter uma ideia dos tecidos e matérias usadas nas roupas é vê-las pessoalmente no desfile e ir ao show-room para tocá-las. A mídia é um efeito colateral.
HT: Quais os três melhores desfiles que você já viu na vida? E qual os três piores?
MM: Faço isto há 39 anos, uma média 800 desfile por ano. Desculpe, já vi de tudo e me esforço para esquecer.
HT: Por que o ego no mundo da moda é um acessório tão importante?
MM: Acho que não é tão importante assim. Sobretudo é muito menor que o meu….
Agora, você lê aqui o comentário de Márcio publicado no Face de Tufvesson, pós-publicação da nossa matéria (leia aqui):
“Este assunto “evento de moda” devo conhecer bem, uma vez que estou seguindo há apenas 39 anos e em vários países, eventos de moda. Sou provavelmente o brasileiro que mais vivenciou isto na vida. No Brasil, a única pessoa que pediu a minha opinião sobre o assunto (e não gostou do que ouviu) foi o então presidente da ABEST a Associação Brasileira de Estilistas (há uns 6 ou 7 anos). Fora isto cheguei a dar entrevistas para brasileiros, entrevistas estas que nunca apareceram em lugar nenhum, ou foram mutiladas pois eu não disse o que as pessoas queriam ouvir. E parece que a coisa continua… É uma especialidade brasileira tapar o sol com uma peneira. Já vimos, em nível de governo federal, o que resultou a política de negar a realidade e botar o lixo debaixo do tapete enganando quem quer ser enganado.
A moda no Rio (e no Brasil) passa obrigatoriamente, como no mundo todo, pela Índia, China e países afins. Uma camisa masculina de boa qualidade custa em Nova York no máximo US$ 50 e no Brasil US$ 150. Um vestidinho criativo comprado na Antropology (ja comprei vários) em NY custa no máximo US$ 150, no Brasil, comprado direto na confecção das minhas amigas que me dão desconto de 30%, sai por US$ 400 ou seja US$ 1000 na butique. Ora, contra este fato não há argumento que resista, não existe e nunca existirá política governamental que “salve” a situação.
Hoje em dia, grandes grifes francesas e italianas fizeram da deslocalização uma estratégica fundamental de gestão. Em Paris existe um bairro chamado Sentier, que conheço muito bem, por morar nele há 36 anos, onde estavam instalados 4 mil ateliês de confecção. Hoje em dia? Nada. Tudo é feito na Ásia. O Brasil tem problemas de um país de terceiro mundo (explosão demográfica, analfabetismo etc) e problemas de primeiro mundo (deslocalização, desemprego etc), como os empresários da moda vão resolver esta equação vai depender da competência de cada um. Mas uma coisa é certa: não é vendendo cada vez mais caro que vai se resolver o problema. Se queremos vender mais, devemos vender cada vez mais barato e melhorar a qualidade do produto nacional, esteticamente inclusive. Talvez assim possamos recuperar as hordas de clientes que abandonam nossos shoppings e invadem Miami com seus cartões de crédito.
O fato é que Rio de Janeiro é uma destinação de sonho no imaginário estrangeiro. A Garota de Ipanema é um mito mundial e nacional, o Rio é uma cidade com eventos planetários ( Rock in Rio, Olimpíadas, mega shows de artistas internacionais), é evidente que um evento de moda no Rio se impõe. Um evento de moda não quer dizer MEGA-EVENTO com milhares de pessoas, tendas descomunais em lugares inacessíveis, quase fora do estado. É óbvio que um evento que tem Rio no nome limita a área aonde ele possa acontecer: Zona Sul, Centro e parte da Zona Norte do Rio. Zona Oeste NEM PENSAR.
Um evento de moda tem que ser algo que dure no tempo, não adianta nada fazer um mega-evento fake (como foram feitos até então) e não conseguir financiar a próxima edição. Atualmente o retorno de mídia deste tipo de evento é próximo de zero. Isto não é uma fatalidade, ao contrário , é uma oportunidade para se repensar como promover a moda e atingir o público, os compradores e a mídia. A seleção dos estilistas deve ser feita por pessoas competentes da área evitando-se panelinhas e políticas de amizades. Um comitê independente e diversificado deve ser criado, ele deve compensar a criatividade, o bom gosto e a geração de negócios. As datas do evento devem ser compatíveis com os eventos internacionais e levar em consideração as necessidades dos compradores.
A mídia nacional e internacional deve participar por conta e interesses próprios, uma política de publicidade nesta mesma mídia deve ser feita caso contrário ela nunca cobrirá o evento. A maioria dos estilistas que desfilavam no defunto Fashion Rio , nem loja tinham em São Paulo, maior centro econômico do país; embora se convidasse e bancasse até o taxi dos jornalistas nacionais, estrangeiros e pasmem: os cariocas.
Um estilista para desfilar deveria dar provas de competência estética e administrativa. A rigor, para ser selecionado, um estilista (ou marca) deveria apresentar um plano de negócio para os próximos cinco anos e prestar contas da sua realização a cada seis meses e caso ele não tivesse competência para isto deveria ser ajudado a achar parcerias e formação. Assim o Sebrae e a Firjan poderiam avaliar melhor aonde o dinheiro deles está indo.
Um evento de moda para se impor é como lançar uma marca nova ou um vinho novo. Se o esforço for correto vai levar 10 anos para se impor, se for incorreto…nunca! Infelizmente, em 2015, amadorismos não são mais possíveis. A moda no Rio e no Brasil sofre do mesmo mal que o país: ela precisa de gente competente que defenda os interesses dela e não seus próprios interesses”.
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