Foi um prazer para uma jornalista com 30 anos de estrada ser convidada para integrar o júri de um importante concurso de moda realizado no Sul do país e poder sentir o pulsar dos novos talentos fora do eixo Rio-São Paulo. Trata-se do Prêmio UCS/Sultextil, uma parceria entre a Universidade de Caxias do Sul (através do Curso de Tecnologia em Design de Moda) e a Sultextil, indústria consolidada no mercado como referência em tecidos de moda e que, segundo a diretora de Desenvolvimento, Paola M. Vianna Reginatto “teceu sua história na Serra Gaúcha com metas, criatividade e modernidade”. A ponte foi feita entre a Universidade e eu através do diretor de marketing da Dell Anno, Edson Busin, que sempre teve olhos de lince para a simbiose moda + arquitetura, uma soma que pode ser traduzida em design e décor.
Pude constatar in loco, na semana passada, durante esta viagem a Caxias do Sul, cidade que foi adotada como lar por um dos maiores estilistas de moda do país Walter Rodrigues – ele desenvolve uma série de ações para Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal) coordenando o Núcleo de Design, além de ser consultor do Instituto by Brasil e trabalhar em projetos que evocam a identidade local e como transferir esta riqueza para produtos – como a palavra moda ecoa em um megafone tanto naquele campus gigantesco da UCS como por toda a região da cidade e entorno, onde estão concentradas inúmeras fábricas referências nacionais em potência nos setores têxteis, calçadistas, de acessórios, confecções e moveleiros.
O que mais me chamou a atenção ao conhecer a diretora do Centro de Artes e Arquitetura, Mercedes Lusa Manfredini, a coordenadora do Curso de Design de Moda, Adriana Job Ferreira Conte, e a professora Bernadete Susin Venzon foi ver como elas respiram uma vida acadêmica totalmente em sintonia com a realidade da indústria da moda e seus criadores e como lutam bravamente, como formiguinhas unidas, para fazer a roda da moda girar. Na imersão que eu fiz na universidade e durante o próprio trabalho como jurada pude ver professores e alunos voltados para o que a gente tem corroborado com essas viagens de Norte a Sul do país em semanas e feiras de moda e calçados: cada vez mais a aposta é no nosso diferencial de moda autoral com um handmade. O artesanato, o artesanal brasileiro é a nossa Ferrari. Como já publiquei aqui diversas vezes, a cada dia a indústria da moda do nosso país tenta deixar de ser refém do alter ego colonizador do europeu e a maximização de potencial do artesanato brasileiro afasta nossa arte de uma armadilha letal, neste movimento progressivo do ambiente local para o internacional. Nossa diversidade de tipologias de artesanato de linha é enorme e plural. A espinha dorsal do item de luxo está no feito à mão, no artesanato de alto valor agregado, na marca de origem. Marca de origem: uma expressão mágica, uma chancela que um país como o Brasil, hoje enxergado de forma tão positiva no inconsciente coletivo mundial, tem toda propriedade para ter. O Brasil deve ser a grande marca guarda-chuva para a moda brasileira e para todas as classes sociais.
E enquanto escrevo este texto, eu me lembro da recente entrevista de Walter Rodrigues sobre a 12ª edição do Inspiramais – Salão de Design e Inovação de Materiais, realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), pelo Footwear Components by Brasil e pelo Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), nos dias 8 e 9, no Centro de Convenções do Shopping Frei Caneca, em São Paulo, incluindo a apresentação de cerca de 600 produtos inéditos que servirão como base para os setores de calçados, acessórios, moveleiro e de confecção. Walter mantém uma excelente relação com a Universidade de Caxias do Sul. Tanto que, quando ele deixou as passarelas em 2012, todo o acervo de moldes e das roupas exclusivas e dos vestidos de noivas passaram a ficar sobre a proteção da UCS, onde poderão ser estudados pelos alunos. Em seus estudos, o estilista acredita que a palavra na moda para o Inverno 2016 será “pertencimento”. Aquilo que aprendemos ao longo da vida e adquirimos através das tradições ancestrais, dos fazeres e ofícios artesanais. “É importante entender que o Brasil, ainda, mesmo que com data para acabar, possui uma mão de obra artesanal riquíssima e que foi sempre desprestigiada. Portanto buscamos enfatizar nossas expertises fortalecendo nossa autoestima, e aplicando em tudo o que fizermos a riqueza destas histórias e heranças, refletindo assim em nossos produtos aquilo que temos de mais precioso: o conteúdo de nossas vivências, experiências e esperanças”, afirmou.
Com a premissa de escolher um vencedor que realmente tenha talento para o acirrado mercado de trabalho fui estudar que, para este concurso, os alunos matriculados na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso receberam tecidos de lançamento da empresa Sultextil, por sorteio em pacote fechado, um mês antes do desfile, no ateliê de moda do curso. Os tecidos eram da coleção Verão 2016, cuja essência busca referências nas civilizações latino-americanas com seus símbolos religiosos, costumes e crenças locais. Os tecidos de malha são leves e trazem a flexibilidade através do elastano. O Jacquard ganha destaque com composições e desenhos elaborados. As flores são apresentadas em proporções macro e tonalidades escuras. A cartela de cores vai do coral e rosado, passando pelo turquesa até os tons de off white e bege. Nesse dia, os alunos desenvolveram a criação inspirados no tema “Tradução”. Segundo o regulamento, nesta tradução “as influências que chegam dos mais diversos pontos do planeta são traduzidas em produtos. Daí a necessidade da criação de produtos justos, corretos, limpos, que atendam ao desejo de respeitar o precioso tempo e o espaço que vivemos. Queremos saborear cada momento de modo único e, para isso, faremos escolhas que tenham real significado para nós”.
O júri foi integrado por mim + Caroline Baron, mestre em marketing e administração pela ESSCA – França, que foi gerente de produto no Brasil da Spirito Santo e Rabusch e compradora na França do Groupe Beaumanoir; Gabriela Pegorini, especializada em conexões sociais e que desenvolve a comunicação social de grupos de pesquisas locais, Núcleo de Moda do Sindivest e para marcas autorais; Juliana Santos Nardelli, estilista, gerente de produtos, pesquisadora de moda e que trabalhou na área de estilo de empresas como Menegotti do Grupo AMC Têxtil e Maju do Grupo Marisol e a mexicana Marta Yolanda Sánchez Sosa, criadora-diretora do Centro Internacional de Desenho de Moda “Imaginarte” e Centro Internacional de Inovação e Desenho. É conselheira da Câmara Nacional da Indústria do Vestuário do México. Durante quatro horas analisamos a criação de 14 trajes/looks de 14 alunos, em tecido Sultextil. Tínhamos que escolher um vencedor, que ganharia uma viagem e estadia de uma semana em Paris, com a oportunidade de participar de uma das principais feiras do setor têxtil, como a Première Vision. Além disso, tínhamos pela frente o trabalho de chegar a um consenso sobre duas menções honrosas.
Depois de analisarmos look por look dos 14 alunos, vestidos nos manequins de costura e expostos em uma sala para a comissão julgadora, interrompemos para conferir na passarela o desfile dos Trabalhos de Conclusão de Curso de Design de Moda dos alunos dentro da programação da XVI Maratona de Moda da Universidade de Caxias do Sul. Ali, cada aluno apresentava três looks, sem a conotação de julgamento para o concurso. Mas, é claro que pudemos fazer um paralelo bem bacana com a criação, desenvolvimento das peças, acabamento e força que os looks imprimiam na passarela.
Em seguida, no mesmo Espaço Alternativo do Campus 8 da UCS, os 14 alunos participantes do concurso desfilaram os trajes/looks que analisamos anteriormente vestidos em modelos profissionais. A trilha sonora e a produção ficaram a cargo da Universidade. Abaixo você confere o trabalho de cada um e que passou pelo crivo da Comissão Julgadora.
E vamos à vencedora. Ela é Nathalia Bado Dias, que interpretou o tema principal Tradução batizando o seu look de Nahual. Em suas considerações para o desenvolvimento da peça, ela nos contou que Nahual, na cultura Asteca, significa feiticeiro que tem o poder de se transformar em animal. “Esses feiticeiros tinham conhecimento místico e sobre as coisas secretas da natureza, tinham o papel de proteger a comunidade, aconselhar e mostrar o caminho da paz e liberdade”. A partir daí, Nathalia desenvolveu na parte superior da peça diversas amarrações, retratando a presença do animal sempre preso ao corpo do feiticeiro, e uma calça trabalhada com cortes geométricos, lembrando as pirâmides astecas onde eram realizados os rituais e trazendo a liberdade de movimento. Educadíssima, Nathalia foi ao Facebook, no dia seguinte, agradecer um por um nessa sua consagração. “Depois de um semestre longo e louco, de muita pesquisa, muito trabalho e também na insistência em manter minha identidade como criadora, fechei um ciclo com chave de ouro e iniciei outro com o pé direito! E o que eu mais quero é agradecer”, disse. Preciso ressaltar aqui que, no desfile coletivo, de trabalho de conclusão de curso, Nathalia subverteu totalmente e fez vestidos incríveis com direito a plumas e acessórios em metal mantendo uma sintonia com o tema do concurso, com a coleção latino-americana da Sultextil e bebendo na fonte das lendas do México.
As duas menções honrosas foram para Ediane Castilhos Velho Pereira e Tauane Spanhol de Aguirre. Belos trabalhos. Ediane me chamou bastante a atenção por ter apostado no artesanato de luxo. Segundo ela, o look foi inspirado no sentimento gaúcho de honrar a tradição, as suas raízes, em resgatar os valores passados de geração em geração através dos tempos, e de não se envergonhar das suas origens: mestiças, indígenas e negras. A modelagem é reta e simples como o poncho, as pregas remetem à bombacha e o detalhe principal do look fica por conta do trabalho artesanal do macramê, arte de fazer nós e utilizada para dar acabamento nas ceroulas utilizadas por baixo do chiripa, o que diferencia e dá a exclusividade do feito à mão”. Parabéns, Ediane, você está no caminho certo, da moda autoral, do artesanato de luxo e com muita atitude. No desfile do TCC, ela também apostou muito no feito à mão.
A aluna Tauane de Aguirre brincou perfeitamente entre o conceito e o comercial na passarela de olho no mercado de trabalho e no que vai se deparar pela frente. Para o concurso, o vestido criado foi a tradução foi baseada na Torre de Tatlin, uma das obras simbólicas do Construtivismo. De acordo com sua argumentação, “captura o dinamismo da utopia tecnológica vista sob o prisma do comunismo, uma vez que os artistas acreditavam que a arte despida de uma aura elitista se aproximaria do povo e ficaria ao alcance de todos. A energia dessa construção é expressa na peça através de linhas de força que também estabelecem novas relações de tempo e espaço. Sua forma se baseia em uma espiral contínua, sustentada por hastes, representando o progresso vertical da humanidade”. No desfile de conclusão de curso, vimos calças, shorts e camisetas incríveis que podiam estar em qualquer loja conceituada no mercado.
A noite teve fecho de ouro com um jantar no bucólico Hotel Samuara com a participação de representantes da reitoria da UCS, do Centro de Artes e Arquitetura, do Curso de Tecnologia em Design de Moda, dos jurados, da ganhadora do concurso e das duas alunas que receberam Menção Honrosa, além do presidente da Sultextil e da diretora de Desenvolvimento, Paola M. Vianna Reginatto, que brindou a todos com um discurso emocionante sobre o fazer moda no Brasil.
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