*Por João Ker
Integrantes do sexo feminino não são as únicas a sofrer com os absurdos dos padrões estéticos inatingíveis das capas de revista, editoriais de moda e anúncios de beleza. Provando que, atualmente, a igualdade entre os sexos é tão corriqueira quanto tomar um café na esquina, homens também são obrigados a enfrentar o duro idealismo visual da sociedade do consumo, na qual o quase inatingível abdômen-tanquinho e o corpinho tonificado via recursos digitais se tornam condição sine qua non para sobreviver no árduo terreno da fama. Mal foi lançada, a nova campanha da Calvin Klein estrelada por Justin Bieber (que você viu aqui) já está dando o que falar. A polêmica grita, com fotos do cantor vazando na web numa espécie de “antes e depois” eletrônico. Confira!
Pobre Justin. Com seus quase 21 aninhos a serem completados em março, recém saído da adolescência (pelo menos no calendário, já que a mentalidade é outra história), ele talvez não seja tão saradinho assim quanto supõe a sua legião de fãs. O moço até que passa horas na academia, tatua o corpo inteiro, deixa à mostra sua cuequinha sempre que sai de casa e, ainda assim, tudo isso não é suficiente para alguém que atingiu o mais alto patamar da fama, como revela abaixo a imagem que vazou na internet. Ao que tudo indica, até o tamanho da cabeça do rapaz foi mexido. No entanto, mais do que sacudir a autoestima de boa parte do público masculino, é novamente levantado o debate acerca dos padrões estéticos que são impostos, mas que não conseguem ser atingidos nem mesmo por quem está no topo da cadeia alimentar do consumo.
Nesse caso, o assunto acaba indo muito além dos macho men, mas é bom contemplar essa parcela que sempre passa despercebida em meio à mulherada, que vive reclamando de modismos como a tal “barriga negativa”. O novo ideal de homem para praticamente todas as marcas de underwear é uma espécie de Hércules anabolizado, com músculos à mostra e virilidade explodindo pelos poros num nível que, se bobear, nem a testosterona do dia a dia consegue acompanhar. No segmento das roupas de baixo, poucas são as grifes que, como Saint Laurent Paris nas passarelas, abrem espaço para os magrinhos. Barrigudinhos então, nem se fala! Caem no limbo da representatividade, mesmo sendo a grande maioria entre a faixa etária acima dos 30 anos.
Sim, o público reage como pode, e prova disso é a “brincadeira” que o jornal The Sun fez com seus leitores, pedindo-os para posarem como modelos de cueca (veja abaixo), mas – óbvio! – os resultados atingidos são poucos, absolutamente ineficientes no âmbito geral.
Mas, no lado feminino, até que as mudanças começam a aparecer pouco a pouco, ainda que bem lentamente, dentro daquele espírito “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Exemplo disso é a Dove, uma das empresas que sempre preferiu investir no “corpo perfeito” (leia mais sobre isso aqui), não aquele digno de layers de computação gráfica, mas aquele que apresenta o shape real. E, nesta última temporada, Gisele Bundchen conseguiu se superar mais uma vez ao posar sem maquiagem para a campanha de Sonia Rykiel, mostrando que ela de fato acorda assim, quase parafraseando Beyoncé. Nos cliques de Juergen Teller, a super top se revela uma linda e madura mulher. Bela, sim, do jeitinho e idade que tem, sem medo de ser feliz. O fotógrafo, aliás, pode ser considerado como um grande protagonista nessa cruzada contra o Photoshop exacerbado e os padrões inalcançáveis que vêm no pacote, junto com a contratação dos tratadores digitais.
E, bingo! Assim que teve seu primeiro filho, a holandesa Lara Stone (por acaso, a mesma que aparece segurando o tanquinho de Justin nas fotos sensuais para a CK), fez um ensaio com o mesmo Juergen para a revista System, mostrando seu corpo pós-parto em uma veracidade sem retoques, literalmente nua e crua. Atitude corajosa de uma mulher que é considerada uma das maiores modelos contemporâneas e que já falou abertamente sobre a dificuldade em conseguir ser escalada para castings após a gravidez. Ainda nesta semana, a Céline mostrou sua nova campanha de verão 2015, também fotografada por Teller e estrelada pela escritora Joan Didion, no auge de seus 80 anos, com estilo e atitude de despertar inveja em estilistas japoneses como Rei Kawakubo e Yohji Yamamoto.
Como se não bastasse, a Vogue Italia contemplou a beleza de outro ícone da moda, Kate Moss, com um fabuloso editorial clicado pelo genial Peter Lindbergh, inspirado no infame ensaio fotográfico feito por Corinne Day em 1992 para a revista The Face, o tal que transformou a mesma Kate em sensação global e poster girl do visual heroin chic. Nestas imagens, ela aparece sem nenhum retoque, com o mínimo de maquiagem, em um preto & branco clássico, mas avassalador, que traz essa nova estética “raw” e realça sua beleza madura aos 40 anos, assim como Gisele fez para a campanha de Sonia.
No Brasil, quem já saiu em defesa da realidade estética é Preta Gil, que foi vítima de um Photoshop mal aplicado e altamente exagerado. Em entrevista exclusiva ao HT durante o primeiro ensaio do “Bloco da Preta” na The Week (saiba como foi aqui), ela comentou o episódio: “Eu não sou contra o uso desse recurso porque isso é hipocrisia. Agora, o abusivo… Até acho válido para melhorar a arte de um fotógrafo, mas a ponto de deformar ou desconfigurar uma pessoa, não. Isso aconteceu comigo uma vez, em uma revista, e não teria como ficar calada, porque eu sou dessas. Eu passei na banca e não me reconheci, não era eu”, comentou a cantora.
Obviamente, ninguém espera que a indústria fashion, calcada na concepção criativa de um mundo cada vez mais idealizado, abandone de vez os corpos sarados e só dê atenção às gordinhas e aos magrinhos. Au contraire. Mas, ao mesmo tempo, a situação como está se torna insustentável para todos os lados: não passa sequer uma estação sem que alguma verdade venha à tona, revelando absurdos de um tratamento digital praticado além do aceitável. Outtakes sem retoque sempre acabam vazando online e mostrando a dura realidade, bem aquém daquilo que estampa as revistas. Afinal, um pouco de diversidade representativa não faz mal a ninguém. E, nesse contexto atual, no qual blogueiras de fitness apresentam lifestyle mais plastificado do que a vida de uma Barbie, sabe-se lá onde esse mundo vai parar. Infelizmente, o universo real não tem filtro de Instagram e nem é um ensaio fotográfico onde as pessoas vivem de sunga e biquíni com as perfeitas silhuetas torneadas tostando sob o sol.
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