No top 10 de projeto do Pinterest, a makeup artist Steyce Norrane mescla arte e música como forma de militância

*por Luísa Giraldo

A maquiagem como expressão artística em prol de uma sociedade justa. Este é o diferencial e a identidade do trabalho da makeup artist  Steyce Norrane, conhecida por conectar elementos da música e materiais diversos nas produções com cosméticos. A influenciadora digital osasquense busca mesclar temas políticos, pautas antirracistas e mensagens motivadoras aos seguidores. Ao acumular milhares de visualizações nos vídeos, Steyce foi escolhida e está entre os 10 criadores do Fundo para Criadores de Conteúdo do Pinterest, um projeto que visa promover o talento de criadores pretos, indígenas, asiáticos, pessoas com deficiência (PCDs) e membros da comunidade LGBTQIA+. Ao site, a maquiadora abriu o coração sobre os desafios da profissão sendo uma pessoa periférica, das militâncias políticas nos trabalhos e desejo de crescer no nicho da beleza.

Uma das maquiagens que popularizou o trabalho de Steyce nas plataformas digitais foi a maquiagem crítica inspirada na música “This Is Not América”, de Residente, e na obra Okê Oxóssi” (1976), do mestre Abdias Nascimento (1914-2011), descrito como o mais completo intelectual e homem de cultura do mundo africano do século XX. A artista reuniu uma série de obras políticas com o objetivo de ressignificar a bandeira brasileira e abraçar a pluralidade do país. Com a preparação, tempo de maquiagem, ajustes e sessão de fotos e vídeos, o trabalho foi feito em três dias.

“A obra em questão foi realizada em um momento crítico no Brasil: durante as eleições. Sabia que a última eleição havia sido difícil. Enquanto estávamos esperando apreensivos o resultado da votação, senti que podia fazer algo que representasse a minha opinião política com o meu trabalho e a maquiagem. Entendo que a maquiagem é totalmente uma forma de expressão”, revela Steyce.

A influenciadora digital Steyce Norrane desabafa sobre a dificuldade de crescer no nicho de beleza sendo periférica e negra (Foto: Divulgação)

A influenciadora digital relembra que reuniu as informações presentes na música “This Is Not America“, do artista Residente, os dados políticos disponíveis em um estudo para conectar a questão política, a música e o mapa geográfico. Para ela, é fundamental que as pessoas identifiquem a opinião dela e os posicionamentos políticos nos trabalhos. Anexada às fotografias e vídeos das produções, Steyce redige um pequeno texto contando as inspirações e motivações para aquela maquiagem. 

No meu trabalho, sempre há uma base descritiva. Isso porque as pessoas precisam entender que não se trata apenas de algo visual. Existe sempre um significado por trás de tudo que eu faço, nem que seja mínimo – Steyce Norrane

História com a maquiagem

Ao longo da adolescência, Steyce pouco se interessou pelos cosméticos. Curiosamente, o amor pela maquiagem nasceu dos momentos de ócio vividos durante o isolamento social, em decorrência da pandemia da Covid-19. Ao brincar que “todos ficaram meio maluquinhos de tédio” naquele período, a influenciadora identificou que a expressão por meio da maquiagem a salvou de toda tensão do momento.

“A maquiagem surgiu como uma forma de inspiração artística para mim. A primeira vez que eu fiz uma maquiagem artística foi a partir do álbum Black King, do The Gift, do filme Black King, dirigido pela Beyoncé. A primeira maquiagem que eu fiz tinha dois leões, um em cada lado do meu rosto. Apesar de achar aquilo difícil, quando consegui fazer, comecei a me interessar mais pela maquiagem e estudar técnicas”, relembra da primeira produção.

Apesar de viver um momento de proximidade com a maquiagem hoje, Steyce se confrontou durante muito tempo com a ideia de publicar as produções. A maquiadora desabafa ter sempre sido uma pessoa que “sempre se sabotou bastante nessa questão” por não achar que os trabalhos estavam bons a ponto de merecerem a atenção das pessoas.

Steyce Norrane, criadora de conteúdo e maquiadora, aponta que influenciadores negros devem falar em outros espaços e momentos, além de apenas abordar a pauta antirracista

“Comecei a deixar de postar porque não achava que o meu trabalho estava bom o suficiente. Depois que postei a primeira, tentei algumas coisas novas e trabalhei na minha mente que era aquilo que eu queria: maquiar e mostrar o meu trabalho para as pessoas. Poderia não estar bom o suficiente, mas eu fiz, idealizei aquilo, me preparei e tirei um tempo para fazê-lo”, confessa.

Música e maquiagem

Segundo a maquiadora, a vertente musical nas produções artísticas é sempre usada por ela para expandi-las a outros tipos de público. Ela descreve sentir um grande identificação com a música, o que a leva a costurar a relação entre as capas de álbum e as maquiagens. Ao se inspirar nas cores, ilustrações e demais referências do produto, a beauty influencer busca reproduzir de um jeito autoral com a aplicação de peças de metal.

A marca pessoal de Steyce é o uso do arame. “Sempre gostei muito de trabalhar com texturas nas minhas maquiagens, especificamente com o arame. Já fiz várias maquiagens com molduras de arame que eu desenho, moldo no meu próprio rosto e depois monto. Muitas vezes, em produções mais coloridas, faço toda uma idealização do projeto e mando a peça para ser confeccionada. Isso faz parte da minha identidade, assim como trabalhar com releitura de capas de álbuns: são duas coisas que eu gosto muito de fazer”, pontua.

Nas redes, a influencer se tornou popular pelas maquiagens coloridas, com referências da cultura pop e da política. Porém, a paixão de Steyce na área é a inserção de materiais variados para que novos efeitos sejam criados nas produções.

Maquiagem, trabalho e discursos de empoderamento

Após a pandemia, a criadora de conteúdo de 26 anos viveu um processo de autoconhecimento na relação com os cosméticos e da transposição do que havia se tornado um hobby pandêmico em atividade profissional. Ao se jogar de cabeça nos estudos do mundo da beleza, Steyce finalmente se profissionalizou como maquiadora. Atualmente, ela tem três empregos, sendo que um deles é na sede paulista do Pinterest.

A makeup artist Steyce Norrane conta que mudou de vida a partir da maquiagem (Foto: Divulgação)

A influenciadora de beleza aproveita o alto engajamento das maquiagens como forma de propagar um discurso body positive e de auto aceitação. “Cada pessoa tem uma beleza única. Na maquiagem, a gente tem que trabalhar de forma a mostrar não apenas a identidade da pessoa maquiada, mas também a identidade do profissional maquiador. Então, é importante a acessibilidade a informações e o entendimento de que as pessoas não têm um rosto padronizado e, por isso, a gente não pode ter o rosto padronizado como assinatura. Cada pessoa tem a sua singularidade e assim deve ser com a maquiagem também”.

Ainda no tópico, Steyce destaca um elemento importante em seu trabalho: a sensibilidade no contato com as pessoas. A artista afirma trabalhar com muitas pessoas diferentes e que, nesse contexto, desenvolver a habilidade de ouvi-las é essencial.

“Procuro ter essa sensibilidade principalmente para que as pessoas que eu atendo se sintam bem com elas mesmas. No meio do processo de captar a essência dos clientes, maquio e acabo descobrindo novas técnicas e possibilidades de cores. A maquiagem é um processo, fruto de bastante prática”.

A influencer Steyce Norrane foi escolhida para ser uma dos dez criadores do Fundo para Criadores de Conteudo do Pinterest Brasil (Foto: Divulgação)

A maquiagem é um processo, fruto de bastante prática — Steyce Norrane

Presença preta para além das discussões sobre o racismo

Não demorou para que as pessoas lançassem um olhar para a origem periférica da beauty artist, a visão de mundo como mulher preta e compartilhassem seus posicionamentos políticos. “Nós podemos e temos propriedade para falarmos também sobre outros assuntos. Tudo que as pessoas na internet queriam saber era sobre o meu lugar como periférica e como ascendi e saí da periferia sendo uma mulher preta. É importante que a gente tenha o poder de falar sobre o nosso lado profissional e artístico, não apenas dessas questões”, frisa.

Ao abrir um pouco da trajetória de vida ao site, a maquiadora confessou ter sofrido bastante com a exaustão dos três trabalhos. Ela avalia que vive constantemente na correria, o que faz com que ela esteja “conquistando o mundo e vencendo”. Descreveu que “não estaria no lugar que” está hoje se não fosse pela maquiagem. O mundo da beleza permitiu que ela trilhasse caminhos inimagináveis. “É muito difícil ser uma pessoa periférica que sai de Osasco e vai conquistar o mundo através de um trabalho tão difícil quanto a maquiagem. Vendo os editoriais e o backstage parece fácil, mas não é. Estou sempre fazendo mil coisas nos meus empregos para ficar nos meus objetivos. Já são três anos de caminhada, mas acho pouco: quero mais. Quero passar a mensagem para as pessoas que sou uma pessoa trabalhadora e que nenhum esforço é em vão”, diz Steyce, que também trabalha com gestão de energia elétrica.