* Por João Ker
O debate sobre moda e arte não é novidade. Em princípio, arte pode ser definida como algo que manifesta uma estética, baseada nas próprias emoções do artista e capaz de refletir os hábitos da cultura de uma época ou povo. Para quem gosta do assunto, arte alimenta a alma. E, para muitos, a moda faz o mesmo. Não é à toa que tantos designers, de Marc Jacobs a Miuccia Prada, fecham parcerias com artistas de sucesso para conseguir reafirmar o conceito de uma coleção. Vide Louis Vuitton e Takashi Murakami.
Nesta temporada da São Paulo Fashion Week, três estilistas levaram esta questão a fundo, se destacando por seus manifestos artísticos, cada um ao seu modo. Primeiro, Fause Haten incorporou as artes cênicas para apresentar seu verão 2015 em uma performance no Teatro da FAAP. Algumas horas depois, Ronaldo Fraga encheu a passarela do Parque Candido Portinari com arlequin extraídos dos quadros de Candido Portinari, o artista brasileiro escolhido como pesquisa para sua nova coleção. A afirmação aqui é clara: moda e arte caminham juntas na trilha cultural de uma sociedade. E até Oskar Metsavaht abriu mão de desfilar a nova coleção da Osklen para explicar em seu show room, en petit comité, que concebeu sua coleção em parceria com o Instituto Inhotim, em Minas, um importante polo de produção das artes plásticas no Brasil. Vários projetos dessa parceria vão surgir ainda este ano, segundo o empresário (e conforme você pode ler na seção Moda & Comportamento, na matéria sobre o quarto dia desta edição da SPFW).
“Elas são primas próximas. Às vezes ficam um tempo separadas, mas sempre andam de mãos dadas. Ambas são cultura, mas alguns trabalhos são considerados arte e outros não”, explica Ronaldo Fraga. Ainda assim, existe uma preocupação latente no ambiente cultural. Até que ponto a moda pode se transformar em obra de arte sem perder o seu objetivo principal, que é o de vestir pessoas? E mais: se a moda precisa vender para se manter enquanto atividade comercial, ela não perde assim sua característica de expressão artística? “Você pode fazer arroz-com-feijão e você pode fazer arte culinária. Ainda há gente que consuma arte no país e eu não acho que fazer algo para esse público seja um empecilho”, continua o estilista, um dos mais preocupados com essa questão e habilidoso profissional na hora de usar a arte pura para se inspirar. Mas, apesar disso tudo – e de sua bela coleção exibida nesta semana – ficou evidente, através de algumas transparências e decotes mais pronunciados, que mesmo acreditando fazer arte em moda, Ronaldo dessa vez tomou mais cuidado na hora de tornar seu trabalho mais comercial.
Fotos: Henrique Resende
Para Fause Haten, a arte pode ser encarada como uma espécie de fuga e, ao mesmo tempo, libertação. Sua apresentação na FAAP prova que ele não está interessado em jogar sobre regras pré-definidas, nem se colocar dentro dos limites de uma caixa (ou uma passarela). “Eu penso em como eu quero apresentar uma coleção e me vem à cabeça ‘vou fazer a coisa mais simples do mundo: vou subir no palco e criar a roupa’.” E foi isso que ele fez: pôs as modelos nuas na sua “passarela teatral” e fez nascer, em alguns minutos e a partir de um rolo de tecido, um vestido inteiro em uma ação que, em moda, se chama moulage. “Eu já tinha a ideia de chegar e fazer algo de um ombro só, com um volume nas costas. E esse foi o mesmo modelo que eu fiz na prova de roupas. Mas é claro que nunca fica igual, né? A minha intenção aqui era trazer uma experiência para o público, algo além da roupa. Quando você senta para assistir um desfile em uma passarela, você já sabe de onde a modelo vai surgir e por onde ela vai sair. Mas, cadê a emoção do teatro? Agora, aqui não! Eu fiz todo um trabalho cênico para que o público pudesse ter essa surpresa e fizesse parte dessa expressão poética.”
Fotos: Henrique Resende
Quem também aposta nesse intercâmbio positivo entre os dois mundos é o make-up artist Marcos Costa. No backstage de Lino Villaventura, ele comenta que uma pode se apropriar da outra de maneira bem-sucedida e lucrativa para ambas: “Tanto a moda como a arte podem ser versáteis, viscerais, lindas e provocativas. Quem faz moda é artista, sem dúvida”, explica. Sobre alguns designers deixarem o lado artístico eclipsar o caráter de uso da roupa, Marcos diz não se preocupar: “Olha, moda é poesia; é arte. Mas o estilista tem que fechar o caixa no final do dia, todos sabem disso”. É. Sempre há essa questão comercial.
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