Há dez anos nascia uma das parcerias mais inusitadas do mundo da moda: o celebrado estilista japa Yohji Yamamoto se associava à marca esportiva Adidas para lançar uma linha de sportswear, a Y-3. Naturalmente, a nova grife deu certíssimo e, em comemoração a esta década de sucesso, acaba de ser lançado o livro “10 Years of Y-3”, que resgata momentos-chave dessa união, combinando imagens de arquivo, desenhos, protótipos, fotografias de bastidores, desfiles e as principais campanhas publicitárias da marca. São páginas e mais páginas repletas de toda a memorabilia de seus produtos mais icônicos.
A união dessas duas poderosas grifes, na linha co-assinada, é significativa não apenas por ser um fato pioneiro e inovador no varejo, mas também porque celebra a importância que as publicações de moda têm alcançado no último decênio e meio. Afinal, a ideia inicial da empreitada entre as duas empresas sempre foi comercial, a de dar um up mais fashion ao estilo esportivo da Adidas através da aura de sofisticação minimalista que Yamamoto carrega. Mas agora, com a publicação do calhamaço, que tem direção artística de PL Studios e uma edição limitadíssima de 2000 exemplares, está selado de vez o registro de um valioso trabalho de branding e estilo. E a documentação daquilo que se faz em moda é essencial não apenas como fonte de informação para quem curte ou trabalha na área, mas como registro definitivo do comportamento humano de sua época, servindo, futuramente, como uma espécie de material de apoio no estudo da vida mundana e em sociedade. “10 Years of Y-3” será oferecido como agradecimento aos embaixadores e colaboradores da marca, não estando disponível para venda. Os fãs da marca que não tiverem a sorte de ser presenteados com um dos raros exemplares, poderão folhear o livro nas lojas Y-3 ou no site da marca. Mas, mais do que isso, os afortunados agraciados com o mimo terão em mãos um pedacinho do comportamento esportivo deste início de século, através de uma bíblia bem produzida.
Fotos: Divulgação
As publicações voltadas para o segmento da moda têm se tornado, nos últimos anos, um ótimo filão a ser explorado pelas editoras. Se, antigamente, os livros do segmento eram escassos – perdendo espaço para os de decoração, artes plásticas, arquitetura, gastronomia, cinema e merchandising visual -, hoje em dia as livrarias exibem, com destaque, seções inteiras de moda enriquecidas por uma grande seleção de títulos. Na última Bienal do Livro, em setembro no Rio de Janeiro, os estandes de empresas como a Ediouro tinham pelo menos uma ou mais bancas destinadas ao assunto, sempre entulhadas com pilhas e mais pilhas de exemplares, constantemente repostas. Hoje em dia, alguns selos se dedicam com afinco ao setor, sobretudo depois que a moda começou a disputar com o cinema o espaço de fábrica lançadora de mitos. Para Flávio Di Cola, coordenador do curso de cinema da Universidade Estácio de Sá, a moda começou a ultrapassar o cinema como usina de sonhos ainda nos anos oitenta: “Quando, no início dos anos 1970, os argumentos dos filmes passaram a enfocar a dura realidade social, com temas próximos do cotidiano do público se afastando da fantasia, a moda passou a ocupar no imaginário do público como disseminador de sonhos. Essa função se consolidou de vez na década seguinte, quando surgiu o conceito das supermodelos, que nada mais é do que uma substituição criada para ocupar, na mente dos consumidores, o antigo lugar daquelas estrelas de cinema inalcançáveis, que deixaram de existir. Foi aí que a moda começou a sair de um certo gueto para se tornar esse objeto de interesse atual”.
As companhias Phaidon e a Taschen, no mercado internacional, desempenham importante papel na área editorial, transformando em papel impresso tudo aquilo que pode render um bom registro, inclusive em moda. No Brasil, a Cosac Naify, fundada em 1997 por Charles Cosac e Michael Naify, saiu na pole position há algum tempo, mas não é a única. No fundo, credita-se o interesse das editoras e este crescimento do número de livros do assunto a aspectos tão diversos, mas interligados, como o culto às übbermodels, a ascendência vertiginosa do interesse geral do público pelo tema e até o fato de o estilo de vida ter se consolidado como o principal formador de identidades, tendo a moda com um de seus principais artífices.
A jornalista Márcia Disitzer lançou, no semestre passado, “Um mergulho no Rio”, da Casa da Palavra, um compêndio que se propõe a desvendar o Rio de Janeiro dentro daquilo que a cidade tem de mais icônico: sua moda praia. “Considero que existe um interesse do público por assuntos que abordam a sociedade e o mundo que nos cerca, daí esse mercado”, afirma Márcia. O livro, cheio de textos tão leves como a Cidade Maravilhosa e embarcando na onda das figurinhas fáceis, é recheado com muitas ilustrações e fotografias, mas nada perde em conteúdo, traçando um panorama completo da história do beachwear desde o seu surgimento, tendo o Rio como destaque. Fundamental não apenas para estudantes de moda e pesquisadores de comportamento, mas para curiosos que pretendem surfar nessa praia. Segundo Márcia, “o momento estimula a produção desse gênero literário, que é o do almanaque: fácil de ler, bom de folhear, rico em informação, mas sem ser enfadonho. E, claro, moda é quase impossível de escrever usando só texto, sem o recurso de uma boa quantidade de imagens para fundamentar o material. Nem em textos acadêmicos sobre o assunto seria viável abrir mão do aparato visual”. Ela, que atua como editora de moda em um jornal carioca, já se prepara para mais uma nova empreitada literária no ramo.
Mas não são somente os profissionais da área de comunicação que têm se dedicado a escrever publicações de moda. O estilista mineiro Ronaldo Fraga, por exemplo, lançou no mês passado no MuBe – Museu Brasileiro de Escultura -, durante os agitos da São Paulo Fashion Week, o livro “Design na Pele”, publicação de luxo escrita a quatro mãos com a artista plástica Heloísa Crocco. Patrocinado pelo Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), instituição que procura fomentar o setor da confecção de produtos de couro no país através da moda e design, o livro reúne obras desenvolvidas a partir do trabalho da dupla, com itens de moda e decoração elaborados em couro. O processo de criação e desenvolvimento dos designers está todo ali, registrado passo a passo no livro e transformando o resultado em um valioso documento iconográfico, intercalado com depoimentos dos dois autores. Cada detalhe das etapas da concepção e execução das manufaturas foi gravado para a posteridade. Nesta primeira edição, a tiragem é de 1500 exemplares, mas cogita-se a possibilidade de novas fornadas. Bom, ao que tudo indica, e considerando o interesse atual por esse tipo de material e, mais que tudo, a importância do trabalho de Ronaldo Fraga como criador que pesquisa o Brasil e sabe fazer da moda arte, é bem provável que a brochura logo seja reimpressa. De qualquer forma, sua iniciativa por si só é louvável, tão emblemática como a pesquisa de Márcia Disitzer ou a documentação da parceria entre a Adidas e Yohji Yamamoto. Que venham mais e mais!
Fotos: Divugação
*Com Rafael Moura
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