Minas Trend: Mudanças de paradigmas na moda por um modelo circular sob a ótica da consultora Letícia Galatti


Durante palestra no Minas Trend, maior Salão de Negócios da América Latina, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), a pesquisadora frisa: “A sustentabilidade se dá no equilíbrio entre as capacidades do planeta e as necessidades humanas. Hoje, seriam necessários 1,75 planetas Terra para suprir as demandas de consumo da população. Ou seja, estamos utilizando mais recursos biológicos do que o planeta é capaz de regenerar. A indústria da moda é responsável por grande parte desse impacto. Sustentabilidade não é uma tendência, é responsabilidade

Minas Trend: Maior Salão de Negócios da América Latina comemora 15 anos

Quando abordamos a economia circular na indústria da moda, sabemos da suma importância em promover o desenvolvimento que regenera a integridade de todo o sistema por se basear na utilização de recursos renováveis continuamente reinseridos na cadeia ou transformados em insumos para outras cadeias de valor. “Podemos destacar movimentações importantes de duas pontas diferentes: as grandes marcas, por terem o maior impacto, por sofrerem mais as pressões de mercado e por terem mais capital para investir em sustentabilidade; e as pequenas marcas que já nascem comprometidas com os pilares sustentáveis, que são empresas que atendem nichos de mercado ou ainda estão em fase de crescimento”, observa Letícia Galatti, empreendedora com mais de 15 anos de mercado da moda, pesquisadora Tendere, consultora e que este ano, fundou a IS.NAU e atua com dezenas de pessoas e empresas parceiras na elaboração de soluções para o mercado de moda.

Durante palestra com o tema “Mudanças de Paradigmas: Economia, Design e Moda Circular“, realizada no Minas Trend, maior São de Negócios da América Latina, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), entre os dias 2 e 4, no Minascentro, na capital Belo Horizonte, Letícia, que tem no currículo trabalhos com marcas, varejistas e startups, criação, desenvolvimento de produto e produção, planejamento estratégico, modelagem de negócios e e-commerce, pontua que “temos ainda um longo caminho pela frente, pois são milhares de empresas que ainda estão começando a se engajar com o tema da sustentabilidade e as pressões pela mitigação de impacto aumentem”.

Letícia Galatti falou sobre as “Mudanças de Paradigmas: Economia, Design e Moda Circular” durante o Minas Trend (Foto: (Foto: Sebastião Jacinto Júnior)

Cita o exemplo da União Europeia, que está discutindo uma proposta que prevê regras que forçariam empresas a se adequarem a uma lista de critérios com o objetivo de diminuir o impacto ambiental, como a durabilidade e a quantidade de materiais reciclados, para que produtos possam ser comercializados. “Precisamos, enquanto setor, pensar de maneira sistêmica, promover mais diálogos e políticas que revisem as estruturas do setor para deixarmos de atuar pontualmente e transitarmos para um setor efetivamente mais sustentável”, frisa.

A economia circular está estritamente relacionada com a inovação material, com a pesquisa e o desenvolvimento de matérias-primas que ao final do ciclo de vida possam retornar para o início da cadeia ou retornarem ao ambiente sem causar danos. “Essa movimentação já está acontecendo, mas ainda em pequena escala, podemos falar do exemplo dos produtos da C&A com a certificação Cradle to Cradle®”, diz Letícia, acrescentando ainda: “Mas é preciso ter cuidado, ainda existe, muita confusão sobre o conceito amplo da economia circular, que acaba sendo reduzido às estratégias de gerenciamento e reciclagem de resíduos, que é onde estão grande parte dos investimentos hoje”.

Como exemplo de iniciativas, a pesquisadora lembra o caso da “Inditex (grupo da Zara), que tem investido milhões em pesquisa e desenvolvimento de fibras recicladas como estratégia para atingir o objetivo de usar somente tecido sustentável até 2025. Mas pouco se sabe se essas fibras terão mesmo um impacto menor. Digo isto por que essas matérias-primas provavelmente reduzirão o impacto na fase de extração, mas mesmo as matérias-primas recicladas demandam energia para serem processadas em novos tecidos que depois são tingidos e acabados”.

“Não considerar o impacto de produtos ao longo de todo o ciclo de vida não é uma abordagem da economia circular. A economia circular é complexa, porém toda empresa, de acordo com a própria realidade, é responsável por adotar soluções para minimizar seus impactos”.

Minimamente, a moda mais sustentável é aquela na qual se tem preocupação com o impacto ambiental de processos (utilização e contaminação de água, uso de energia e tipo de insumo); que utiliza materiais com maior qualidade e durabilidade, para permitir que o ciclo de vida do produto seja mais longo; que opte por materiais que, caso descartados, sejam menos prejudiciais ao ambiente; que se preocupa com o pós-uso de produtos e com novas formas de comércio; e que cuida das pessoas envolvidas em todo processo, mesmo aquelas indiretamente envolvidas – Letícia Galatti, pesquisadora, consultora

Metaverso, Design em 3D, Inteligência Artificial… E a moda autoral:  “Questão que sempre surge, existe muita preocupação com o futuro (não tão futuro assim) dos mercados digitais e a competitividade de negócios. Esse ainda é um cenário em construção, mas o que podemos afirmar é que para atuar em mercados digitais (vamos tratar como um todo) a agilidade é fundamental, é preciso ter a capacidade de se adaptar rapidamente aos novos cenários e responder à novas demandas. Empresas de moda com modelos de negócio muito tradicionais podem ter dificuldade de se adaptar de maneira inovadora. Mesmo as autorais precisarão ter modelos de negócios que as permitam responder rapidamente ao mercado. Além da agilidade, negócios digitais são muito centrados no usuário”, pontua.

“Todas as empresa, de acordo com a própria realidade, é responsável por adotar soluções para minimizar seus impactos” (Foto: Sebastião Jacinto Júnior)

Letícia observa ainda que “a moda autoral tende a ser mais focada no design, o desafio será justamente ser criativo a partir da demanda. Tanto que, varejos de artigos de moda que nasceram digital se consideram mais como empresas de tecnologia (por conta de toda a estrutura e expertise demanda) do que empresas de moda. E as marcas de moda que estão se envolvendo mais rapidamente com esse universo são justamente aquelas que mais investem em inovação de modelo de negócios”.

E como se tornar hoje referência no mercado de moda? “O mercado de moda nunca foi tão diverso. As vendas e as mídias digitais, viabilizaram o surgimento de novos vários players que representam uma gama diversa de consumidores. A alta demanda atrai também os grandes investidores. É um mercado bastante competitivo. Por isso, não há fórmulas mágicas. Mas certamente precisamos acabar com certos estereótipos”.

Como em outros mercados, na moda, é preciso se atentar às demandas, pois o consumidor está buscando mais conexão com as marcas que consome. Mas ao contrário de outros mercados, muitas vezes os lançamentos de produtos de moda seguem mais a percepção dos criativos ou as pesquisas de tendência prontas do que focam nos clientes – Letícia Galatti, pesquisadora, consultora

Segundo ela, “ao contrário do que o senso comum acredita, “o estilo” é o que a moda vende e é superimportante, mas o que a sustenta como negócio é um bom modelo de negócio, respaldado por muito planejamento, conhecer para quem se vende (de verdade, sem achismo), estratégias consistentes, uma boa imagem, acompanhamento constante de desempenho etc. Aproveito para reforçar aqui a questão da inovação, muitas empresas não estão sendo capazes de responder às mudanças de mercado rapidamente e isso tem feito com que elas percam a competitividade”.

Sobre a importância de estar no maior Salão de Negócios da América e ele ser indutor de novas reflexões, Letícia analisa:O Minas Trend está muito conectado com o mercado de moda brasileiro, isso tem um poder enorme no compartilhamento de conhecimento. Poder falar sobre sustentabilidade para um salão como esse, de uma maneira prática e direta, é falar para muita gente que trabalha, gosta de moda e exerce influência. A informação e o conhecimento são o primeiro passo para que pessoas consumidoras entendam mais sobre as próprias escolhas e para que negócios iniciem o inevitável processo de transformação. Espero que a nossa conversa, mostrar como cada agente é importante para podermos transitar para uma moda mais ética, limpa e justa”.

Como uma marca contribui para o socioambiental? 

“A sustentabilidade se dá no equilíbrio entre as capacidades do planeta e as necessidades humanas. Hoje, seriam necessários 1,75 planetas Terra para suprir as demandas de consumo da população. Ou seja, estamos utilizando mais recursos biológicos do que o planeta é capaz de regenerar. A indústria da moda é responsável por grande parte desse impacto. Sustentabilidade não é uma tendência, é responsabilidade. Estamos falando de melhorar processos, melhorar processos significa melhorar gestão, isso pode minimizar o impacto ambiental, melhorar a relação com a sociedade e reduzir riscos, tornando um negócio mais eficiente e uma marca mais forte. Por isso, muitos especialistas colocam a sustentabilidade como um fator de competitividade”.

Hoje, o consumidor quer saber “quem produziu a sua peça?”, “como ela foi produzida?”. “O quanto ela tem relevância por práticas de inclusão, diversidade de profissionais, diversidade de público. “Propósito é sim muito importante, especialmente na moda, que está estreitamente ligada aos atributos imateriais (intangíveis) de empresas. Em contrapartida, se o propósito comunicado não for coerente com os valores e práticas de um negócio, as marcas estarão mais sujeitas à rejeição. Por isso é preciso ser transparente com as pessoas consumidoras. Não basta, por exemplo, levar pessoas pretas para ensaios fotográficos e não ter pessoas pretas em cargos de liderança, ter roupas para pessoas gordas e não aceitar pessoas gorda no time de estilo. Recentemente, uma grande varejista com um slogan superfeminino se envolveu em uma polêmica por não ter uma mulher em seu conselho administrativo. Isso não é mais aceitável. É preciso ser transparente com o consumidor. Também há várias formas de mostrar “quem produziu a sua peça”, existem cursos, mentorias, consultorias, negócios e certificações que podem ajudar nesse processo. O processo todo começa aqui, pela informação”, afirma Letícia.

Sobre os avanços tecnológicos que percebeu que foram lançados com a aceleração tecnológica a partir da pandemia, ela destaca que houve um aumento muito grande de vendas do varejo on-line, o que gerou uma corrida para comercializar mais rapidamente, com reflexos em toda a cadeia de valor (locais de fabricação, métodos de fabricação, logística etc.): “Isso tem potencializado o surgiram de novos negócios com o objetivo de trazer eficiência e reduzir o desperdício, por exemplo no processo de criação de produtos (por exemplo, menos amostras). Há também o caso de algumas empresas que estão adotando o “test-and-learn” (lançando pequeno volumes capazes de testar a demanda para depois produzir conforme os resultados). Um grande desafio quando se trata de um produto cujo ciclo de vida já é tão curto. Essas tecnologias podem ter o potencial de reduzir os impactos ambientais se chegarem à escala”.

Estamos no caminho do aprendizado e ainda enfrentando bastante resistência. Mas foi-se o tempo em que negócios tinham a única obrigação de gerar lucro e certamente alguns negócios se destacarão por terem começado a inovar mais cedo – Letícia Galatti, pesquisadora, consultora