Minas Trend day #3: atmosfera de Downton Abbey, baladas andróginas e rock sem tempero


Vivaz, Áurea Prates, Apartamento 03, GIG e John John mostram seu inverno

O terceiro dia do evento começou com o desfile externo da Vivaz, que abriu mão do passarelão tradicional para mostrar o inverno em território seguro, sua própria fábrica. No galpão onde normalmente ficam as costureiras, tops do calibre de Barbara Berger e Viviane Orth desfilaram a coleção que homenageou os 15 anos de história da marca ao som dos acordes minimalistas que Philip Glass compôs para os balés da coreógrafa nova-iorquina Twyla Tharp. Mais uma vez, a música foi ponto forte do show e o resultado teve um quê de Downton Abbey.

Mas, claro, é sempre impossível não suspirar com os looks da grife, vestidos e peças de festa confeccionados em georgette, rendas, tules e tecidos devorês finamente arrematadas com bordados sofisticados. Com inspiração na década de vinte, a grife soube fazer a leitura do espírito esportivo noventista que estará em voga na próxima estação, transpondo bombers e o imbatível duo da vez, pulôver e saia, para os tecidos nobres da coleção. Os comprimentos variaram entre curtos, midi e longos, com vestidos, blusas e saias com aplicações déco em forma de leques orientais e grafismos provenientes da alfaiataria, como listras, riscas de giz e poás. Tudo lindo. A saia com franjas feitas com fios de canutilhos, por exemplo, merece destaque. O desfile trouxe cartela de cores apresentada de forma bem didática, com a edição de Renata Corrêa brincando com um belo degradê que foi do cinza ônix às cores frias como verde petróleo, safira, turquesa profundo e preto azulado, esquentando em seguida com ametista, bordô e vermelho.

Já de noite, no pavilhão da Expominas, Áurea Prates foi a primeira a se apresentar. A coleção? Chamada de boho-grunge, é uma releitura dos anos noventa com pegada handmade, uma das características mais marcantes da trajetória da estilista. Naturalmente, as referências esportivas dos anos 1990 são base de pesquisa, mas a marca, que sempre trilha o artesanal, deu um jeitinho de inserir aplicações em flores que se transformavam em camuflados ou dão um aspecto repolhudo em algumas peças, contrastando com outras minimalistas nas montagens boladas pela stylist Thais Mol. Efeito bonito, embora na contramão da vertente minimalista que agora impera na moda. Mas, em época de fast fashion, se não houver espaço para gostos e interpretações individuais, tanto de grifes quanto estilistas, não fica tudo muito igual no já pasteurizado universo da moda?

Itens em organza – outro elemento forte da identidade de Áurea – contracenam com malhas pesadas que simulam moletons e até tricôs. Nas texturas, causou o xadrez grunge feito com recortes em organzas cortadas a fio e, no topo da ribalta, valeram as sweat-shirts, jaquetas bomber e calças jogging que completam o todo, junto com peças em alfaiataria como casaquetos e saias em tweed.

Depois de pular a edição passada do evento, Apartamento 03 voltou ao line up com um desfile soturno, talvez em alusão a uma das inspirações da coleção: a fotógrafa da moda e diretora de arte da Harper’s Bazaar nos anos 1940, Lillian Bassman, conhecida pelas fotografias feministas em preto & branco. Luiz Claudio, o estilista, também pesquisou as lembranças e o estilo atípico de se vestir de uma tia-avó, “uma figura estranha e solitária”, segundo ele. A coleção desfilou sublinhada pela trilha contundente de Philip Glass, que parece ser o favorito das grifes nesta edição do Minas Trend. Dessa vez, foi usada a linda, mas triste trilha sonora do filme As Horas, com Nicole Kidman e Meryl Streep, o que acabou colaborando para o clima down do show. Mas, apesar disso, os looks exibidos em cartela de cores sucinta – preto, branco e turquesa – impressionou. Destaque para o sobretudo com apliques em cristal formando o miolo das flores. Ou das peças com estampa de cashemere sobre jacquard de seda. Faziam até a gente esquecer que algumas peças poderiam estar mais bem modeladas. Apesar de triste, uma bela produção, lindas texturas, coleção enxuta e ótimas as bijoux pontuais da Aramês.

A GIG foi a penúltima a desfilar, aproveitando para comemorar seus dez anos de vida na passarela, com as modelos flanando ao som do set ao vivo do DJ e produtor musical Sebastian Bartz – uma espécie de Andrej Pejic da cena musical londrina, só que muito mais estranho. Conversamos com ele na festa de abertura do Minas Trend, e ele (ou ela!), simpaticíssimo, louríssimo e maquiadíssimo (mas com pele de pêssego), falou que estava achando o Brasil muito diferente do ambiente ao qual está acostumado. E, como Gina Guerra, estilista e proprietária da GIG queria evocar o espírito irreverente dos anos oitenta, Sebastian levou tudo ao pé da letra e atacou de Bronski Beat, aquela banda synthpop gay de que o cantor britânico Jimmy Somerville fundou com amigos na Inglaterra de 1983.

Na passarela, Viviane Orth conduziu um grupo de modelos, todas fantasiadas com peruca de punk maluca, que desfilaram os sedutores tricôs da marca. Dessa vez, ao lado de vestidos curtos, soltos ou cinturados, saias, bomber jackets, maxi blasers, maxi coletes e calças carrot em grafismos étnicos ou optical. A duplas de macacões desfilados com decotes poderosos em V causou na plateia e, no final, uma surpresa: a super top Renata Kuerten fechou o desfile em performance elétrica e amalucada, adequadíssima à proposta irreverente de Gina.

No fim do dia foi vez da John John apresentar sua coleção. A grife tem levada rocker, fabrica uns jeans poderosos que vestem bem tanto as meninas quanto os meninos, sabe fazer gênero o suficiente para se tornar objeto do desejo, tem ótimo merchandising visual nas lojas e é até capaz de contratar os Zac Efrons da vida para estrelar suas campanhas, aumentando assim a visibilidade de seus produtos. Ou seja, tem bom branding. Mas, apesar do desfile corretinho, faltou it, como diria o agente Austin Powers. Em primeiro lugar, o excesso de shortinhos – bonitos, por sinal –, bonés e peças peladas como camisetinhas cavadas, além de denotarem um jeitinho de verão em um evento de inverno, não compõem o styling que se espera de um show de semana de moda, como aproxima o desfile de um contexto muito comercial, mais ajustado à realidade daqueles eventos de shopping. Mesmo quando o tema é uma Punk City grafitada. Faltou tempero na produção, faltou look-conceito de impacto. Ainda assim, o show valeu pela qualidade dos produtos, pelas camisas de flanela, as montagens lixadas e detonadas, as jaquetas de couro e a modelagem boyfriend. Ah, a saia metalizada com estampa que remete a elementos sacros barrocos era bem legal!

Fotos: Henrique Fonseca

Por Alexandre Schnabl