Depois de verter os foliões em figuras surrealistas e dadaístas com o Dada Magic Ball – tema da decoração deste ano no Baile do Copa –, o decorador Zeka Marquez e Andrea Natal, toda-poderosa do Copacabana Palace, já divulgam o mote deste ano: as faceiras flappers dos anos 1920. Como o nome “As Melindrosas Magic Ball”, o badalo de carnaval já começa a ser divulgado e, óbvio, gente bacana como o chapeleiro Denis Linhares e o figurinista Marcelo Marques (que costuma vestir os personagens vivos que compõem o décor de Marquez) já começam a cair na massa, já que a Folia de Momo é mais cedo esse ano e o agito dos bem-nascidos, tradicionalmente no sábado, cai no dia 14 de fevereiro.
Zeka, gaúcho que começou nas artes ainda novinho e mora em Paris, já é a grife por trás do baile há 21 anos, marcando presença desde quando a festa voltou a ser realizada nos salões do hotel, em 1993, vinte anos após ter sido interrompida. E, óbvio, por morar em Paris, metrópole-síntese dessa era, ele possivelmente vai deitar em berço esplêndido, fazendo literalmente a festa.
Obviamente, pode-se esperar uma atmosfera para lá de “Great Gatsby”, já que o motivo desse ano se confunde com a própria história do Copa e o ambiente de glamour deste hotel inaugurado em 1923. Mas, claro, HT faz questão de lembrar que, comparada com os tempos atuais, a década de vinte foi o suprassumo do comportamento libertino, não à toa chamada de “os loucos anos”. A dureza da Primeira Guerra Mundial recém-terminada sepultou de vez o Século XIX, que ainda insistia em dar as caras no início dos 1900, pela extensão da forma de pensar vitoriana e da atitude social. O período que vai, portanto, de meados de 1918 até o crack da Bolsa de Nova York, em 1929, foi de fausto, com a sociedade endinheirada da época comemorando a modernidade do novo século que finalmente chegava com duas décadas de atraso, refletido na nova maneira de se vestir, na frenética vida urbana, no espírito esportivo, no novo luxo e na revolução de comportamento encabeçada por visionários como Coco Chanel, Pablo Picasso e Gertrude Stein.
Os badalos na alta roda eram nababescos, o champanhe borbulhava como nunca, o clima era de liberdade total e a influência de Hollywood já imperava – com a supremacia de suas divas do cinema mudo, lascivas vamps vindas do Leste Europeu e astros de sex appeal incontestável e vida sexual ambígua, como Ramon Novarro e Rodolfo Valentino, que se consolidavam como latin lovers na presença do público, mas eram gays ou bissexuais entre quatro paredes.
Nessa era, o escapismo se dava de forma quase inexplicável, não fosse o tão visível medo da tensa situação política que desembocaria nos governos europeus totalitários, no horror da eugenia facista e na Segunda Guerra Mundial. Portanto, nada mais crível do que os bon vivants enchendo a cara nos rega-bofes e a alegria dos salões sendo preenchida com bandejas de rapé numa época em que cocaína era vendida em farmácia e o jazz e o ragtime despontavam.
Entre a parte social das mansões, a partir de seus halls de sociais, e os jardins ensolarados que circundavam as edificações, circulava um misto de inteligentsia pensante com nefelibáticas e hedonistas criaturas, fosse de dia ou de noite. E uma turma marcou presença – intelectuais e escritores como Ernest Hemingway, a poeta feminista lésbica Gertrude Stein, Dorothy Parker e F. Scott Fitzgerald (com sua inseparável mulher Zelda à tiracolo), compositores como Cole Porter e sua milionária esposa Linda Lee Thomas, bailarinos como Isadora Duncan e Vaslav Nijinsky, coreógrafos como Sergei Diaghlev, expoentes da artes plásticas como Salvador Dalí, Pablo Picasso, Henri Matisse e Juan Gris, a neo-odalisca Josephine Baker e baladeiros cometas da Sétima Arte, tipo Charles Chaplin, Norma Shearer, Douglas Fairbanks e Mary Pickford. Ah, e toda aquela aristocracia russa recém-fugida da nova União Soviética. Gente que movimentava o mundo à noite e, na manhã do dia seguinte, dava expediente nas colunas sociais, modernos como poucos e pura síntese dos novos tempos.
Cenas de “The Great Gatsby”, a versão de 2013 dirigida por Baz Lurhmann (Fotos: Divulgação)
É nessa época em que despontam as melindrosas – ou flappers, termo em inglês dado à essas mulheres que buscavam a igualdade entre sexos, livre pensamento e o sufrágio universal, que começava a ser discutido nas altas cortes. A alcunha se deve ao seu genuíno espírito libertário e faz alusão ao conceito de “sair do ninho e bater as asinhas, como um passarinho que vai embora, fazendo flap, flap, flap”. Tidas como levianas e inconsequentes pelo simples fato de valorizarem a descoberta desse novo universo que se desenhava no horizonte, elas representam esse momento de liberalidade, quando se soltam das amarras impostas pelos corselets Belle Époque para assumirem personalidades fluidas, sintetizadas pelos vestidos com joelhos à mostra, cabelos curtinhos a la garçonne, franjas, brilhos, cigarros em piteiras sexualmente ameaçadoras e aquele jeito lascivo de quem não está nem aí para os outros. Aqui no Brasil, a pintora Tarsila do Amaral e a escritora Patrícia Rehder Galvão, a Pagu representam a ala brazuca desse espírito.
Naturalmente, um baile em um hotel cuja aura e arquitetura, mais do que remeterem a essa era, fazem parte da mesma, é pródigo em escolher um tema como o desse ano. Espera-se, portanto, que os personagens do “Great Gatsby” ou a ala moderna de “Downton Abbey” incorporem nos foliões. Mas recomenda-se que os animados foliões façam certinho seu dever de casa, sintetizando no NetFlix ou baixando na internet “Meia Noite em Paris” (Midnight in Paris, 2011), de Woody Allen. Bom, com um certo quê de cuidado, of course, já que aquela atmosfera de loucura deu no que deu…
Serviço:
Baile de Carnaval do Belmond Copacabana Palace
Avenida Atlântica, 1.702 – Copacabana – Rio
Sábado, 14 de fevereiro, às 23h
Para compras e reservas: (21) 2548-7070 / 8790, das 9h às 18h. Sábado
Preços por pessoa: R$ 2.000 (avulso), R$ 2.300 (salão Nobre), R$ 3.100 (Golden Room), R$ 4.800 (camarote, mínimo de dez pessoas)
www.belmond.com/copacabanapalace
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