É hora do almoço de uma quarta-feira quando Maria Sanz Martins atende HT. Diferente do que imaginávamos, a estilista não estava ocupada com uma refeição, e sim fazendo bordados de uns kimonos que teria de entregar dias depois para serem usados num evento em São Paulo. Já dando ideia do ritmo frenético do ateliê, ela não pára sua arte e vai conversando enquanto trabalha. Maria divide o espaço entre caixas com kimonos que serão expostos no Salão +B da Associação Brasileira de Estilistas, na cidade da garoa, do dia 26 a 28 deste mês.
“O evento acontece duas vezes por ano, e dessa vez até o Alexandre Herchcovitch vai expor. Dá para cair para trás com a situação do meu ateliê. Estamos a um zilhão por hora”, conta ela, que conta a companhia de uma assistente no trabalho na Ilha de Vitória. Toda a euforia de Maria para cuidar de tudo tem muito a ver com caminhos que ela percorreu durante esses 35 anos de vida. Antes de colocar a fita métrica nos ombros, ela andava era com um Vade Mecum embaixo do braço.
“A minha família é toda formada por juristas, então era como se fosse uma predestinação e nunca questionei isso. Quando estava perto de me formar em direito aos 20 anos, eu sempre ansiosa pela criação, decidi fazer outra graduação, dessa vez em Artes Plásticas”, conta ela. Maria então estudou moda na sequência e trabalhou cobrindo fashion weeks durante sete anos, enquanto produzia editoriais para um jornal.
Mas nesse meio tempo, ela ainda se pós graduou em Gestão Empresarial. “Era minha tentativa de manter o pé no chão, de me manter no mundo dos homens”, explica. Os estudos não a fizeram voltar para uma carreira corporativa toda regrada, mas a ajudaram a dar o chute na porta para iniciar seu próprio ateliê, lugar de onde conversa conosco. “Eu sempre tive um pé na moda e outro no design. Cheguei a ganhar prêmios como diretora de criação em agências de publicidade, e fui morar em Sidney para estudar fotografia. De lá, eu passei a escrever crônicas para a revista que sucedeu o suplemento que eu produzia”, relembra.
É no retorno da viagem à Oceania que Maria Sanz passa tocar o ateliê com gás total. O que faltava era um mote para seu trabalho como estilista. “Eu comecei a fazer grafias para estampas e enlouqueci quando vi o resultado. Vi que era exatamente aquilo que eu queria fazer. E o teste foi num kimono porque é uma peça que eu e minha mãe sempre usamos, e eu colecionava. Na época, em 2013, eu tinha 20 kimonos costurados. Foi tudo por acaso”.
Filha de uma marchand com um advogado, Maria produz suas peças orientais num processo bem artesanal, ouvindo música ao fundo, na pegada handmade da coisa. “Sento, ligo um som, desenho e mando imprimir. Dali, eu faço no kimono e mando para São Pulo, onde eu tenho uma facção, para ganhar um acabamento melhor”, explica. A estilista também conta com uma pequena facção no Espírito Santo, e agora planeja desbravar o interior, já que conquistou as multimarcas do Brasil. Seus kimonos estão no Jardins, bairro nobre de São Paulo, Natal e Florianópolis, por exemplo.
E além das lojas fixas, os kimonos invadiram a TV. Volta e meia uma atriz da Globo surge usando uma peça. “Quando eu vi eu tomei um susto. Começou lá atrás, com a Maria Casadevall em ‘Amor à Vida‘, e depois foi para Giovanna Antonelli e Bruna Marquezine em ‘Em Família’, do Manoel Carlos. Os kimonos também foram para o cinema, em ‘Os homens são de Marte e é para lá que eu vou’ da Mônica Martelli, e agora estão na Glória Pires em ‘Babilônia’“. Isso sem contar com Ivete Sangalo, que direto e reto sai desfilando com os kimonos pelos backstages da vida.
Para Maria, a escolha das figurinistas da Globo refletem uma predileção por seu estilo proposto, que não quer caminhar com o compra-joga-fora da moda, e sim com um lifestyle, um gosto pelo vestir. “As figurinistas sentiram um alívio ao ver um produto que é de usar em casa, mas que também pode ir para rua. Eu vendo um lifestyle, e não moda. Elas acharam interessante, porque é um produto para personalidades mais fortes, e tem muito contraste de cor”, analisa.
Com peças prêt-à-porter em seu studio, Maria Sanz não descarta a possibilidade de parar numa catwalk, mas confessa que não é algo que lhe enche os olhos. Esse mundo fashion, onde desfiles alçam marcas a um lado comercial mais aflorado, é um desafio para a estilista, que caminha com a roda da economia, mas não quer perder a identidade de seus kimonos atemporais para exigências de estação. “Para o Salão +B, por exemplo, estou levando uma fornada [Maria não chama de coleções] mais leve, vaporosa, com transparência. Como é uma temporada de verão e tem muitos compradores de fora, eles querem ver nosso beachwear”, explica .
Aliás, Maria faz parte do grupo que rema contra a maré para fazer a moda deixar o caráter descartável. “A moda está agonizando há alguns bons anos. Eu não sou moda, eu sou lifestyle. É outra história. Eu espero que meu produto dure na mão da pessoa, que ela crie um laço com ele. O mercado precisa se reinventar, já que a crise vai abalar muito nosso setor, o famoso supérfluo”, opina.
Com a fornada “Everyday & Extraordinary” pronta para mostrar ao país, Maria Sanz Martins define a mulher que usa seus kimonos como aquela que não tem medo de chamar atenção, que é segura de si. “Essa fornada é muito utilitarista e fala com esse tipo de mulher. A minha cliente sabe ser extraordinária. Meu mercado é pequeno, eu sei, mas quero falar com essas mulheres”, disse ela, que admite ter a mesma personalidade. “Eu sou muito extravagante sim, e sinto que existe esse público”. Com um baby na barriga, a estilista termina o papo e continua estampando, tarefa que só foi paralisada durante esse tempo para mandar um e-mail. A moda não pode esperar, vocês sabem.
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