Marcia Disitzer vai atrás da nova faceta de Katia Wille: a de artista plástica. “A moda estava me sufocando”


Instalada em um novo ateliê no espaço de arte Z42, uma casa/castelo dos anos 1930 de 1.500 metros quadrados no Cosme Velho, Katia trocou, pelo menos temporariamente, os tecidos pelas telas

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(Foto: Laura Fragoso Calheiros)

*Por Marcia Disitzer

“Sempre tive vontade de ultrapassar os meus limites”. Às vésperas da Olimpíada Rio 2016, a frase parece ter saído da boca de um atleta na expectativa de quebrar um recorde. Mas quem fala é a estilista e artista plástica Katia Wille. Instalada em um novo ateliê no espaço de arte Z42, uma casa/castelo dos anos 1930 de 1.500 metros quadrados no Cosme Velho, Katia trocou, pelo menos temporariamente, os tecidos pelas telas. “Tenho me distanciado cada vez mais da moda. Quero ir fundo, sair da superfície”, explica a artista, que é representada pela Tramas Galeria de Arte. “A moda estava me sufocando”, confessa.

Em setembro, ela vai inaugurar a exposição “O Tudo do Todo” no Z42, que abrirá as portas para o público. No local, já funcionam os ateliês de mais oito artistas e reside o acervo de um colecionador. A partir do mês que vem, contará com cinco salas de exposição, auditório e café bistrô. A casa foi da família de Laura Alvim e abrigou o consulado da Jordânia no passado. “É linda. Tem quatro andares. Só o meu atelier conta com 50 metros quadrados”, descreve Katia.

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(Foto: Henrique Pontual)

No momento em que o Rio vira o centro do mundo esportivo, a artista plástica imprime cor e textura às nadadoras de sua próxima exposição. As atletas existenciais criadas por Katia dão prosseguimento a uma série em que o corpo feminino é explorado e revisto. “Elas são a manifestação do meu feminino, interno e externo, e personificam minhas inquietações e questionamentos”, analisa a artista. As musas de maiô nasceram em 2009, graças à moda. Cansada de desenhar flor, Katia desenvolveu estampa, que deu vida a blusas, em que mulheres interagiam com boias. “Foi assim que comecei a trabalhar esta figura, que simboliza uma mulher que navega por um espaço desconhecido”, define. As primeiras telas das nadadoras foram expostas na Livre Galeria, no Jardim Botânico, em 2013. Em outubro do ano passado, elas vieram flutuando na mostra “E Aí, Eu Adoro Voar”, na Tramas Galeria de Arte. “E eu continuei a aperfeiçoá-las. Ao longo do tempo, fui mexendo na pele delas, que têm sombreados, como se a experiência estivesse estampada. As nadadoras usam touca e escondem a maior prova de vaidade feminina: o cabelo. Quis tirar o ego. Como estilista, sempre desejei ultrapassar limites e instigar outras mulheres a se transformarem”, avalia.

Esta inquietação tem a ver com o início de sua carreira. Foi por ter ficado em uma recuperação no último ano do Ensino Médio que Katia ingressou no mundo da moda. “Desejava ser pintora. Desenhava e pintava desde criança. Ao mesmo tempo, curtia o ateliê de costura da minha avó. Minha mãe era professora de artes e achava que o estilismo seria um caminho mais fácil. Então, fizemos uma aposta. Se não ficasse em recuperação, ia estudar na EBA (Escola de Belas Artes da UFRJ). Do contrário, faria moda no Senai Cetiqt. Não passei direto em matemática e fui para o Senai Cetiqt. Esta aposta decidiu a minha vida”, diverte-se Katia, completando: “Mas se não tivesse sido estilista, não teria o entendimento do corpo humano e das cores que tenho hoje”.

O casamento de Katia com a moda teve o seu auge entre 2002 e 2014, tempo em que ela se dedicou de corpo e alma à grife Zigfreda, que tem nas estampas o seu carro-chefe, e esteve à frente da marca Maria Bonita Extra. “Em 2002, depois de morar cinco anos em Amsterdã e conhecer o meu marido (Katia é casada com o holandês Hans Blankenburgh), lancei uma coleção vintage na Novamente. Em 2004, a Zigfreda estreou no Fashion Rio. Desfilei na São Paulo Week de 2005 a 2007, quando voltei a morar na Holanda, onde montei ateliê. Na volta ao Brasil, em 2011, ocupei o cargo de diretora criativa da Maria Bonita Extra. Engraçado, não existe mais Novamente nem Maria Bonita Extra. A desaceleração do mercado de moda calhou com a minha aceleração nas artes plásticas. Às vezes, bate saudade. Mas quando eu me lembro da costureira faltando ao trabalho e de noites mal dormidas antes do desfile, a saudade passa rapidinho”, brinca ela, que, de vez em quando, ainda participa de eventos de moda. “Estou com uma coleção. Mas vou deixá-la parada para reavaliar o momento. Meu foco é minha carreira artística”. No cenário atual, Katia aprecia o conceito de coworking. “Minha geração era voltada para o luxo, competíamos com etiquetas de fora. Hoje, vejo marcas de estilo mais casual tentando resgatar a identidade carioca”.

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(Foto: Henrique Pontual)

Se na moda Katia convivia com corpos irretocáveis, que eram ‘cabides’ para suas criações, nas artes plásticas ela procura justamente o oposto. “Crio silhuetas imperfeitas, que não são esculturais. Fiquei de saco cheio de perfeição. Na moda, o corpo feminino é uma haste para a roupa e não pode aparecer. Na minha pintura, ele predomina, está seminu, tem músculos, protuberâncias e naturalidade. Na arte, me libertei do padrão imposto pela moda”, constata. Para a abertura de sua próxima exposição, em setembro, a artista resolveu inovar: convidou duas bailarinas do Theatro Municipal, que farão uma performance. “Elas, que estão sendo retratadas por mim, vão sair das telas. Mas, olha que engraçado, os corpos perfeitos das bailarinas me remetem à moda, fico incomodada. Ao desenhá-las, tento fugir dos clichês. Nos quadros, elas são nadadoras em posições de balé que não são típicas da bailarina perfeita”, diz Katia, que costuma se comover com as reações diante de sua obra.

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(Foto: Henrique Pontual)

“Há quem chore. Já me falaram: ‘Também carrego este peso nas costas, sozinha’, em referência às bolas que as nadadoras equilibram. Cada pessoa interpreta de um jeito”, percebe. “A minha intenção é sair do óbvio. As nadadoras, que supostamente deveriam estar na piscina, voam de maiô. Assim como uma estilista pode ser pintora. Ao sair da superfície, é possível ver as coisas do jeito que elas são e não da maneira que parecem ser”, emenda ela.

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(Foto: Laura Fragoso Calheiros)

Entre uma pincelada e outra, a artista observa o movimento que tomou conta das ruas do Rio a poucos dias da abertura dos Jogos Olímpicos. “A Olimpíada é essencial. E o espírito do carioca está mudando por conta da Rio 2016. Não sou especialmente fã de esportes, mas sim do que ele provoca no ser humano. Vou parar tudo na sexta-feira para assistir à cerimônia de abertura. Espero que o evento seja um grande sucesso”.