Em Paris, grandes grifes do cenário fashion internacional desfilam suas coleções e tendências em uma das semanas de moda mais importantes do mundo. No entanto, não foram as criações dos celebrados estilistas que repercutiram no universo fashion. Na terça-feira, 28, primeiro dia da Paris Fashion Week, James Scully usou sua conta no Instagram para denunciar casos de abusos no backstages de renomadas marcas. Segundo os relatos divulgados pelo agente na internet, as grifes Balenciaga, Hermés, Lanvin e Elie Saab foram acusadas de assédio e racismo pelas modelos que compunham o casting.
A atitude de Scully, que agitou a semana de moda e despertou novas reflexões sobre o assunto, faz parte de uma posição assumida pelo agente durante a Business of Fashion, que ocorreu em dezembro do ano passado. Na ocasião, o norte-americano garantiu que seria o porta-voz das modelos para divulgar casos como esses de abuso e desrespeito. “Fiel à minha promessa no #bofvoices que eu seria uma voz para todas as modelos, agentes ou todos que vêem as coisas erradas com este negócio, fiquei decepcionado ao vir para Paris e descobrir que os suspeitos de costume continuam fazendo os mesmos truques”, escreveu o agente introduzindo a sequência de denúncias.
*As fotos usadas nesta matéria não tem quaisquer relação com as denúncias citadas e nem com histórias de abuso aos modelos
A decisão de James Scully de gritar para o mundo os obscuros casos que ocorrem nos backstages – dos mais badalados aos menos famosos – vem como uma bomba para o cenário fashion. Não é de hoje que histórias como essa circulam pelo universo da moda. No entanto, parece que os próprios personagens desse “esquema” decidiram acabar com o desrespeito aos modelos que, literalmente, vestem a camisa das grifes e tornam as grandes criações peças vivas. “É inconcebível para mim que as pessoas não tenham respeito pela decência humana ou pelas vidas e sentimentos dessas meninas, especialmente quando muitas destas modelos são menores de 18 anos e claramente não equipadas para estarem aqui, mas qualquer coisa por um direito exclusivo, não é mesmo? Se esse comportamento continuar, será uma longa e fria semana em Paris”, afirmou o norte-americano que destacou que quer continuar fazendo este serviço à sociedade e aos personagens da moda internacional. “Por favor, continuem compartilhando suas histórias comigo e eu continuarei a compartilhá-las por você. Esta parece ser a única maneira que podemos forçar a mudança e dar o poder de volta às modelos e agentes, onde ele pertence legitimamente”, completou.
Para entender um pouco mais dessa situação e da importância da atitude de James Scully para a vida, a carreira e a dignidade dos modelos ao redor do mundo, conversamos com Sérgio Mattos. Carioca, ele é o dono de uma das maiores empresas de agenciamento do Brasil, a 40 Graus Models. De acordo com Sérgio, a decisão de Scully de acender a luz deste lado obscuro e nada fashion vem como um alerta e um sentimento recorrente. “Eu trabalho há 30 anos com moda e casos assim sempre me incomodaram. Eu e outras agências já iniciamos um processo de nos unir contra produtores que tem atitudes como essas e a favor do bem estar das nossas modelos. Eu acho que o post foi muito interessante para abrir os olhos do mundo sobre o que sempre soubemos”, disse Sérgio, que ressaltou que não são todas as grifes que têm posicionamentos como as denunciadas por James Scully. “Nós também trabalhamos com produtores ótimos que são super cuidadosos e atenciosos”, completou.
Assim como James Scully, Sérgio Mattos respira o universo da moda e o dia a dia dos modelos há décadas. Como apontou o carioca, a atitude do agente norte-americano está diretamente ligada a um sentimento de exaustão. Não pelo trabalho, mas pela convivência com situações assim. “Eu acho que quando acontece uma ou duas vezes, a gente até consegue aguentar. Mas, quando esses casos se repetem dessa forma, como sabemos que acontece, chega uma hora que não dá mais. Essa atitude dele foi um grito de alerta geral em que nós precisamos entender que os modelos são seres humanos. Na moda, as pessoas têm que pensar mais nos outros, e não só no resultado final”, argumentou Sérgio, que acredita em mudanças após esse episódio da Paris Fashion Week. “Foi dado o recado e eu espero que todos se toquem agora. Senão, daqui a pouco vai começar a ter boicote a esses produtores que não respeitam a dignidade dos modelos”, afirmou.
No post tão discutido do agente norte-americano, Scully também destaca a questão dos negros no casting. Segundo ele, a grife Lanvin teria dado orientações para que os agentes não apresentassem modelos “da cor” para o desfile da semana de moda francesa. Depois das acusações, a marca parisiense de roupas declarou que “as alegações são falsas e sem base alguma”. O fato é que, para esta coleção, a Lanvin trouxe apenas dois negros em seu casting de 42 modelos. No desfile de Verão 2017, o número se repetiu para os 49 profissionais que desfilaram e no Inverno 2017, 3 para os 46 que cruzaram a passarela.
Sobre o racismo no cenário da moda, Sérgio Mattos acredita que hoje vivamos um novo tempo. Embora situações como essa ainda existam, o agente carioca apontou que o pensamento racista das marcas está mudando com o tempo. “Hoje, as grifes estão bem mais abertas a terem negros no casting. Há dez anos, eu já alertava muito para essa situação. Antes, os desfiles eram só com loirinhas e pouco se viam negros na passarela. Então, eu sinto que aqui no Brasil já estamos mudando esse panorama. Até porque, nosso país tem metade da população negra, não tem porque ser diferente. Cada vez mais, eles estão conquistando os setores da nossa sociedade, seja na moda, na televisão ou na política”, argumentou.
Entre boatos, denúncias e histórias, o fato é que relatos como os divulgados por James Scully não podem mais ocorrer. Seja na França, no Brasil ou em qualquer outro backstage, modelos não podem ser tratados como cabides e nem terem sua dignidade comprometida. Como já destacou Sérgio Mattos, esses profissionais são seres humanos, assim como todos os outros, e precisam ser respeitados em seu local de trabalho. “Nós precisamos usar a visibilidade que a moda possui para lutar contra casos de racismo e de gênero. Hoje, eu considero uma vitória ter a Valentina (Sampaio, modelo transgênero brasileira) na capa da Vogue Paris”, completou o agente carioca Sérgio Mattos.
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