Lack of taste? Tentativa para emular a doçura de uma Grande Mãe? HT tenta decifrar o porquê do modelito de Dilma na posse!


Na teia de renda neutra do look que não lhe favorece, a presidente esquece o principal: guipure é feminina, mas um semblante açucarado (e repleto de sinceridade) é mais eficaz que uma moça com brinco de pérola. Walter Rodrigues identifica a proposta!

Nesta virada de ano, pipocaram na mídia notas sobre a roupa que a presidente Dilma usou na cerimônia da segunda posse, nesta quinta-feira (1/1), em Brasília. Obviamente, jornalistas pouparam críticas, se limitando a registrar que o conjunto rendado em cor neutra criado pela estilista gaúcha Juliana Pereira, enquanto nas mídias sociais um sem-número de internautas destilaram suas opiniões, para o bem ou para o mal. Antes de comentar se o modelito da presidente lhe caiu dignamente ou não, HT se apressa em fazer uma análise histórico-comportamental, pronto para tentar desvendar o que ocorre na cabeça da líder da nação quando o assunto é estilo.

Dilma nas mídias sociais: motivo de piada e figurino comparado a um bujão de gás no Instagram,  mesmo com o shape com alguns quilos a menos (Foto: Reprodução)

Dilma nas mídias sociais: motivo de piada e figurino comparado a bujão de gás no Facebook e no Instagram, mesmo em shape com alguns quilos a menos (Foto: Reprodução)

Naturalmente, não se trata de nenhum tratado psicológico, mas de uma apanhado de ideias sobre hábitos sociais que, devidamente investigados, podem levar o leitor a chegar a alguma conclusão, ainda que dotada de caráter especulativo, sobre a relação entre poder e feminilidade. Todavia, para entender qualquer que seja a proposta estilística (ou ausência dela) da mulher nº 1 do Brasil, é preciso, antes de mais nada, voltar numa cápsula do tempo há cerca de 90 anos atrás, quando a Primeira Guerra Mundial tratou de sepultar a Belle Époque e, com ela, aquele espírito do Século XIX que insistia em permanecer nos primeiros 15 ou 20 anos do novo século.

E, para os detratores que insistirem em afirmar que qualquer especulação no sentido decupar o figurino da presidente trata-se de futilidade, vale lembrar que códigos de comportamento sintetizam arquétipos de representação social e que, em se tratando da corte – qualquer que ela seja – estão repletos de significados.

Além disso, é bom ressaltar os estudos de pesquisadores respeitados como Lívia Barbosa que, em seu “Sociedade do consumo” (Editora Zahar, 2010), é hábil em retratar a moda como importante ferramenta de evolução cultural que permite ao indivíduo constantemente se reinventar, se libertando das amarrar impostas por um mundo dividido por rígidos códigos de conduta estabelecidos por castas, pré-Revolução Francesa. É justamente seu caráter revolucionário que possibilitou à moda, mesmo  solidificada na França Absolutista, permanecer como valioso vetor social após a Queda da Bastilha, se alinhando com os princípios da liberté-fraternité-egatilé. Sim, a moda é uma excelente via democrática de inclusão social, independente do alto luxo.

E não, a questão aqui não é ser fútil ou não, muito menos afirmar se a roupa da presidente na posse é feia ou bonita – ou se a silhueta escolhida lhe cai bem –, mas procurar entender o porquê de se usar esta ou aquela vestimenta o que, no caso do Brasil atual, também vai ao encontro à tentativa de compreender o momento em que vivemos e o que se passa na cabeça de nossos governantes. Afinal, a máxima “o hábito faz o monge” nunca fez tanto sentido em terras brazucas, mas, por outro lado, relações complexas entre o poder e sua representação levam a crer que, diante do uso da mídia como catapulta para alcançá-lo, vestir-se como um clérigo no claustro pode significar exatamente o contrário. Fortunas escondidas em paraísos fiscais estão aí para comprovar isso, muito mais até do que jantares nababescos regados a Romanée Conti.

Dilma caminha no red carpet, durante a segunda posse, no primeiro dia de 2015: quem disse que ser Presidente do Brasil não tem sua dose de estrelato? O tapete vermelho confirma a teoria (Foto: Reprodução)

Dilma caminha no red carpet durante a segunda posse, no primeiro dia de 2015: quem disse que ser presidente do Brasil não tem sua dose de estrelato? O tapete vermelho confirma a teoria (Foto: Reprodução)

Analistas políticos nunca deixaram de afirmar, nos anos 1980, que a mulher mais poderosa do planeta nesta década – a primeira-ministra da Grã-Bretanha Margaret Tatcher – era conhecida como a Dama de Ferro e não hesitava em apertar o gatilho de sua pistola, digamos assim, com muito mais propriedade que a presidente Dilma demonstra ter em qualquer pronunciamento oficial. Mineiros em greve, argentinos invasores das Ilhas Falklands ou mesmo o Parlamento eram constantes alvos de seus petardos, atingidos com muito mais eficácia. Ainda assim, Tatcher sabia se vestir como uma doce tia-avó, daquelas que trazem gostosuras para os sobrinhos numa visita dominical, suavizando seus tailleurs na base dos colares de pérola, broches e muito laquê. A austeridade da função nunca lhe tirou o aspecto de genitora na nação e é importante lembrar que, assim como Dilma, a digníssima súdita da Rainha Elizabeth também não nasceu em lençol de algodão egípcio com 700 fios, mas vinha de família de trabalhadores de Lincolnshire, com avó dono de quitanda e pai pregador metodista, com todos morando ao lado de uma estação férrea.

Margaret Tatcher: Dama de Ferro nas ações, visual de tia-avó no dia a dia (Foto: Reprodução)

Margaret Tatcher: Dama de Ferro nas ações, visual de tia-avó no dia a dia (Foto: Reprodução)

Muitos analistas da história contemporânea consideram as duas primeiras dezenas de anos do Século XX como uma extensão do pensamento vitoriano, levando em conta que  mundo ingressou de fato na modernidade cosmopolita (como a conhecemos) com vinte anos de atraso. Foi somente com o término da Primeira Grande Guerra que a humanidade entrou de vez no frenético universo urbano atual onde, para fazer dinheiro (ou manter-se no topo) já não bastava mais ser proprietário de possessões a perder de vista, sendo necessário gerar riquezas – fossem através de serviços ou bens industrializados.

A nova economia de mercado logo pôs abaixo vários dogmas e mudou para sempre o comportamento humano, extinguindo de vez o dandismo e todos os sanguessugas que flanavam em torno de mansões rocambolescas, orbitando o grand monde sem nada produzir, salvo aqueles indivíduos cheios de charme, para quem o alpinismo social era tão inevitável quanto a conquista de um partner via olhar 43. Afinal, o velho e bom sexo sempre remou contra a maré dos acontecimentos, não é mesmo?

No fundo, a mudança foi tão grande – inclusive no vestuário – que o planeta jamais voltou a ser o mesmo, e a Rainha Victoria (1819-1901), se viva neste novo milênio, não entenderia nada ao seu redor, tudo fruto dos últimos 100 anos. Desde os anos loucos, o pululante ritmo do dia a dia impõe agilidade à rotina e, claro, a indumentária formal, que levava horas para ser preparada e quase o mesmo tempo para ser decomposta, começou a cair por terra.

Com menos riqueza – e as fortunas mudando de mãos para os emergentes da época –, cada vez mais os cada vez menos endinheirados dispunham de menos recursos, faltando integrantes no seu staff particular e tempo para gastar com preciosidades que haviam ficado no passado, precisando agora ganhar o pão de cada dia praticamente da mesma forma que a burguesia que tanto desprezavam. Horas passadas no toucador? Never! Uma infinidade de amas, valets de chambre e criadas para preparar os cuidados diários com o asseio pessoal? Jamais! Agora era preciso por a mão na massa, se vestir rápido bem cedinho e sair à luta, exercendo da manhã à noite os diferentes compromissos sociais que implicavam em desdobrar a própria personalidade magnética em vários personagens. Se bobear, engraxar seu próprio sapato Oxford. Força na peruca, meu bem, caso contrário, penúria! E ai do Oscar Wilde de carteirinha que não compreendesse os novos tempos, tadinho!

É durante esse processo de mudança que surge gente esperta como Coco Chanel (1873-1971) e o tenista René Lacoste (1904-1996). A primeira, moderna como uma Pagu (Patrícia Rehder Galvão, 1910-1962), não nasceu em berço de ouro e, por isso, não precisava se apegar àquilo que nunca teve. Rapidamente percebeu as mudanças sociais e ajudou a sepultar o vestuário de apresentação formal que predominava até então, simplificando a vestimenta cotidiana, mas também introduzindo a praticidade no habillée. Um gênio, e é preciso voltar os olhos para a história a fim de entender que um tailleur, se hoje parece o suprassumo da formalidade, nos anos 1920 representava uma revolução, se comparado com os vestidos a la Sarah Bernhardt (1844-1923), com sobreposições, corselets, chapeus de abas largas e plumas de diva da ópera, calçolas, armações etc. Da mesma forma que um terno era o máximo da informalidade (quando foi criado), se confrontado com um fraque.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Espécie de Guga, Cristiano Ronaldo ou David Beckham de seu tempo, Lacoste teve a brilhante sacação de dar seu nome à camisa polo que inventou para praticar o tênis, em 1929, inserindo o jacaré bordado no peitoral esquerdo como logotipo, já que seu apelido nas quadras era “crocodilo”. Ao perceber que a correria diária implicava no trinômio praticidade-liberdade de movimento-conforto originário dos uniformes esportivos e perfeitinho para o vestuário desse novo mundo que se desenhava, não titubeou: criou sua linha de produtos, trazendo esse universo para o cotidiano e ajudando a consolidar o estilo college da roupa casual, ideal para quem saía de casa cedo para estudar nos colégios e universidades. Esse estilo logo ganhou adeptos entre as gerações mais novas, que se criaram após a 1ª Guerra e pulularam as marcas que nadaram nessa maré, como Fred Perry (1909-1995), na Londres do início dos anos 1950. O mundo nunca mais foi o mesmo e, com a contracultura e os Beatles na década seguinte, a indumentária formal ficou mesmo fora de moda, se restringindo de vez aos ritos: bodas, formaturas, galas e cerimônias oficiais.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Daí, óbvio, a dificuldade de a presidente Dilma em encontrar algo que lhe caia bem e que lhe atenda prontamente nos protocolos aos quais precisa se curvar como líder do Brasil. Não deve ser nada fácil ter nascido sob os cânones do sportswear pós-Chanel, ter passado de revolucionária, dado um tchau à formalidade no desbunde dos anos 1960/1970, haver empunhado a bandeira da liberdade, viver no calor do patropi e hoje precisar se render a procedimentos diplomáticos.

A Presidente Dilma no discurso da posse: epxressão tendsa e ameaçadora constraste com a intenção de despertar delicadeza maternal com o modelitos em renda (Foto: Reprodução)

A Presidente Dilma no discurso da posse: expressão tensa e ameaçadora constraste com a intenção de despertar delicadeza maternal com o modelito em renda (Foto: Reprodução)

Pior, ela não nasceu em berço de ouro em família tradicional que sobreviveu à mudança de costumes e às reviravoltas do poder, como as casas de Windsor ou Grimaldi. Nelas, seus integrantes têm savoir vivre passado de geração a geração, sabedoria suficiente para flanar do esportivo ao formal na direção para onde a brisa soprar, e ainda serem incensados pelos manuais do estilo.

Para piorar a coisa, não é todo dia que se nasce plebeu, mas com corpinho de Kate Middleton e – sobretudo! – com sede de incorporar o espírito de uma dinastia secular. Ou de possuir visão suficiente para ser americana, divorciada e plebeia, mas se tornar dama absoluta do estilo europeu, como Wallis Simpson (1896-1986), aka Duquesa de Windsor, porta-voz master dos proscritos do trono. Ou saber flutuar entre o exotismo oriental e a elegância jet setter como Dewi Sukarno, a socialite, atriz, businesswoman e filântropa japonesa que casou com o primeiro presidente da Indonésia e virou ícone da moda nos anos sessenta.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Para aqueles que certamente criticarão esse artigo chamando-o de esnobe, vale lembrar que nem todo mundo nasce em berço esplêndido – como as irmãs Caroline e Stéphanie de Mônaco –, mas que é possível aprender. E que nem todo mundo tem a sorte de, mesmo sem ter ascendência nobre, poder praticar equitação na mais tenra idade e ter o bom gosto enfronhado nas veias, como Jacqueline Bouvier Kennedy. Nem de ter sido top model famosa como Carla Bruni que, enquanto primeira-dama da França, foi o melhor cartão de visitas de Nicolas Sarkozy. Ou de ter o dinheiro do marido e a simpatia de certos setores da sociedade para herdar a Presidência da República e, mesmo com o país em situação econômica caótica, saber manter o mínimo de feminilidade no poder, ainda que as inúmeras plásticas lhe desfigurem a face, como é o caso de Cristina Kirchner na Casa Rosada.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Sempre vale ter o bom senso e desejo sincero de exprimir os desígnios midiáticos, como Michelle Obama. Por que não? Afinal, a Sociedade do Espetáculo existe e ser a líder (ou esposa) de uma nação de dimensões continentais implica em saber fazer parte dos holofotes. Quem disse que política também não é show bizz? Se está na chuva, é para se molhar. Negar a moda em um protocolo de posse seria como omitir a importância dessa indústria como gerador de riqueza e empregos. Numa França, país onde esse assunto é coisa de Estado, seria crime inafiançável. Mas, convenhamos, por aqui, com o mercado fashion agonizante, o importante é se manter no poder com assistencialismo à uma grande parcela da população miserável que, se desconhece o que é estilo, sequer desconfia do potencial da moda em gerar recursos e empregos, mas garante continuidade no poder com os seus votos de cabresto.

Michelle Obama: a primeira-dama mais poderosa do mundo mantém a verve bem humorada, mesmo diante das adversidades da política (Foto: Reprodução)

Michelle Obama: primeira-dama da mais poderosa nação do mundo mantém a verve bem humorada, mesmo diante das adversidades políticas (Foto: Reprodução)

Angela Merkel e Michelle Bachelet não são nenhum exemplo de sílfide, muito menos de elegância contumaz, mas sabem compensar as silhuetas que Deus lhes deu com simpatia, componente que não existe na rudeza com que a presidente do Brasil encara seus interlocutores nos pronunciamentos oficiais. Sim, às vezes simpatia – e sinceridade, transparência e até humildade – podem cair melhor no corpo do que um evening gown do Oscar de la Renta. Empáfia é o pior dos figurinos, e basta ver a expressão carrancuda de Dilma na entrega da medalha aos jogadores alemães na final da Copa do Mundo, em julho no Maracanã, e a suavidade com que Merkel, ao seu lado, se comportou.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Para tentar suavizar seu jeito taciturno de ser, HT aposta um doce se os assessores da presidente não sugeriram que ela usasse renda no modelo da posse, como artifício a suavizar seu semblante. Adiantou? Nadinha. Afinal, não existe guipure que tire a atenção da expressão facial de quem, após um mandato inteiro, precisou estar de pé em todas as vezes que as trapalhadas de seu governo vieram à tona. Quando no discurso de posse Dilma anuncia de boca a prioridade pela educação – da mesma forma que faz uso da suavidade da renda como recurso de propaganda –, ela prova mais uma vez a supremacia da forma sobre o conteúdo, já que as medidas de fato para que o objetivo seja alcançado estão de longe de significar avanço.

Como afirmou o jornalista Merval Pereira em sua coluna em O Globo dessa sexta-feira (2/1): “O mote ‘Brasil, Pátria Educadora’ seria um bom para um governo renovador, se não fosse apenas um achado propagandístico, e refletisse um verdadeiro objetivo prioritário, desmentido logo de cara com a escolha do ex-governador Cid Gomes para o ministério da Educação, sem o menor contato com a área e sem projeto educacional digno de nome”.

O estilista Walter Rodrigues, bamba da modelagem que vestiu Dona Marisa nas duas posses de Lula, comenta sobre o estilo dessa segunda entrée de Dilma: “A renda pode significar a busca por uma sofisticação, já que é matéria-prima luxuosa usada em casamentos e outras cerimônias formais. A escolha deste material se deve ao fato de que, na primeira posse, ela usou tailleur, uma composição mais dura, e que agora ela precisa imprimir delicadeza, vir mais como a ‘mãe do noivo’, sem a rigidez da alfaiataria, tão comum em seu guardarroupa. Suavizar a imagem para encantar parece ser o objetivo, e parece que isso funcionou, pois li muitos comentários no Facebook aprovando essa linha”. Ainda assim, o designer dá sua palavra final: “Pena que renda não combina com ela nem com a ocasião, então tudo ficou meio sem propósito. Vi que em vários momentos ela tentou mostrar que estava feliz, mas a roupa não ajudava”.

Walter Rodrigues: expertise suficente para identificar arquétipos por trás do estilo (Foto: Reprodução)

Walter Rodrigues: expertise suficente para identificar arquétipos por trás do estilo de Dilma (Foto: Reprodução)

Mas, se alguém questionar que poder e feminilidade não combinam, basta olhar para aqueles exemplos que a história se encarregou de deixar registrados. Cleópatra comeu um dobrado para se manter no poder, ainda mais considerando que sua dinastia ptolomeica poderia fazer o povo considerá-la como usurpadora, já que nessa época o Egito havia sido dominado pelos macedônios. Comparado a tudo que viveu, as dificuldades no trono de Brasília vividas por Dilma são fichinha. E, mesmo precisando ser respeitada, a soberana egípcia jamais deixou de prestar tributo ao fato de ser mulher, este aliás uma de suas maiores armas, capaz de dobrar a seus joelhos dois césares romanos. Prova de que se sentir fêmea no sentido mais frívolo não incapacita o governo.

Soberana do Egito, Cleópatra em uma de suas muitas representações: luxo e   sensualidade nunca atrapalharam seus objetivos no poder, ao contrário! (Foto: Reprodução)

Soberana do Egito, Cleópatra em uma de suas muitas representações: luxo e sensualidade nunca atrapalharam seus objetivos no poder, ao contrário! (Foto: Reprodução)

No Século VI, Teodora (500-548) era esposa do Imperador Justiniano I (482-565) e ganhou o respeito tanto do povo quanto da alta cúpula sem abrir mão do direito de ser feminina. Engana-se quem pensa que ela teve trajetória mais fácil que a presidente da Dilma. Em primeiro lugar, a imperatriz era artista de circo numa época em ter essa profissão e ser prostituta eram praticamente a mesma coisa. Seu pai era domador de ursos e sua mãe atriz, assim como a filha, mestre na arte da representação. Quando jovem, a futura soberana trabalhou em prostíbulos. Ainda assim, soube se impor em um reinado constantemente ameaçado pela invasão dos turcos otomanos, influenciar positivamente o marido e ganhar a admiração das altas rodas, sobretudo quando, em um discurso incisivo, persuadiu a classe dominante a não abandonar o povo ao léu em uma possível empreitada otomana, convidando todos a permanecerem na capital. Foi sucesso e ela não precisou abdicar de um brinco sequer para demonstrar firmeza.

Teodora, Imperatriz de Bizâncio, em um dos mosaicos do século VI d.C.: o passado artístico lhe concedeu as armas para sobressair no poder (Foto: Reprodução)

Teodora, Imperatriz de Bizâncio, em um dos mosaicos do século VI d.C.: passado artístico no basfond lhe concedeu armas para sobressair no poder (Foto: Reprodução)

Mil anos mais tarde, Elizabeth I (1533-1603) nunca desistiu de ser mulher, mesmo quando abriu publicamente mão da sua sexualidade para se tornar um mito que repelisse complôs. Como inspiração, sua imagem veio da representatividade da Virgem Maria, síntese cristã da mulher casta de alma elevada. Mesmo assim, a monarca inglesa soube incorporar a vaidade como poucas, envergando de rufos e golas fenomenais para se manter como ícone no poder, contrastando-os com as palavras ásperas e cínicas com que coroava tanto seus opositores quanto um bando de puxa-sacos.

Elizabeht I, no Phoenix Portrait, de 1575, por Nicholas Hilliard: frufus dividiram o poder lado a lado com as palavras duras (Foto: Reprodução)

Elizabeth I, no Phoenix Portrait, de 1575, por Nicholas Hilliard: frufus dividiram o poder lado a lado com palavras duras (Foto: Reprodução)

Séculos mais tarde, sua homônima Elizabeth II aprendeu a lidar com a imposição midiática que impunha postura de celebridade à sua vida particular, sem precisar deixar de combinar cor de chapeu com gama de vestido. Deu a volta por cima e hoje, aos 88 anos, continua chique para dedéu e tem a simpatia de grande parte dos britânicos, mostrando que idade não importa.

Primaveril: com muito menos poder que sua antepassada, Elizabeth II hoje sabe sambar na imagem pública, abusando do colorido delicado com mais propriedade que as rendas usadas por Dilma nesta segunda posse (Foto: Reprodução)

Primaveril: com muito menos poder que sua antepassada, Elizabeth II hoje sabe sambar na imagem pública, abusando do colorido delicado com muito mais propriedade que as rendas usadas por Dilma nesta segunda posse (Foto: Reprodução)

Todos esses exemplos se reverberam em Catarina de Médici (1519-1589), a florentina que se tornou rainha-consorte da França e introduziu os bons costumes aos franceses, inclusive o hábito de comer de garfo e faca. Quem pensa que essa figura era apenas frívola, esquece que ela viveu uma fase turbulenta no país que a acolheu, marcado por guerra civil e religiosa. E quem acredita que, por ser ardilosa, deixava de ser delicada, comete outro equívoco. Ela era humanista, amante das artes e entusiasta da arquitetura, mesmo sendo rainha chegada a altas manipulações. Quem disse que é preciso ser pouco mulher para participar dos ardis da corte?

A rainha-consorte da França Catarina de Médici em dois registros: soberana nunca abriu mão da feminilidade para exercer domínio hábil e preciso (Foto: Reprodução)

A rainha-consorte Catarina de Médici em dois registros: soberana nunca abriu mão da feminilidade para exercer domínio hábil e preciso na França renascentista. sobrevivendo ao marido e à sucessão de filhos no poder (Foto: Reprodução)

A propósito: no pronunciamento oficial no Congresso nesta quinta-feira, a líder do Executivo afirma: “A prioridade é a educação, só a educação pode mudar”. Mudar quem? Aqueles milhões de brasileiros que tiveram medo de perder os benefícios assistencialistas, ao invés de preferir condições para se formar e crescer por seu próprio empenho, mas prontos para receber subliminarmente o significado maternal de um conjunto de renda como algo digno de alguém que cuida bem de sua prole?