Fenômeno surgido nas mídias sociais na virada desta última década, Justin Bieber voltou a dominar a cena nas últimas 24 horas por conta da nota divulgada nesta quarta-feira (7/1) pela Calvin Klein, que anunciou sua participação na campanha primavera-verão 2015 da Calvin Klein Jeans e Calvin Klein Underwear, nas quais o astro sensualiza o corpitcho fabricado às custas de esteroides, todo marombadinho, tatuado e fazendo as vezes do bad boy pronto para seduzir mulheres e homens com sua sexualidade de plástico. Nas fotos, o bonitinho acaba inclusive eclipsando sua partner Lara Stone, que surge como coadjuvante e comparece sozinha em apenas um único clique. Munido de sua lupa e da curiosidade natural, HT aproveita o ensejo e investiga o possível porquê da presença do cantor nesta nova fornada de imagens da marca, fazendo um retrospecto de seu DNA institucional ao longo das décadas. Confira!
A grife americana não é boba e sabe escolher a dedo quem estrela seu material publicitário, tirando leite de pedra mesmo nos tempos atuais, quando é grande a oferta de tipos no supermercado de celebridades, mas, em contrapartida, é majoritária a predominância de estrelas bonitinhas sem nenhum conteúdo e prazo de validade limitado. Criada em 1978 pelo estilista homônimo, ela se fez em plena era Studio 54, quando o universo das celebrities já era a mais poderosa ferramenta para alavancar negócios.
Obviamente, a nova empreitada permite associação imediata com a famosa campanha da grife no início dos 1990’s que catapultou à fama o rapper Marky-Mark (o hoje ator consagrado Mark Wahlberg), mesmo período em que ele começou a dar expediente na MTV com seu clipe “Good Vibrations”. O gostosinho se tornou celebridade da noite para o dia, deixou de ser apenas o irmão barbie de Donnie Wahlberg – integrante da boy band New Kids on the Block – que, por sua vez, perdeu identidade própria e passou a orbitar em torno do primeiro, num curioso caso de troca-troca no star system.
Na época, a Calvin Klein tirou proveito de dois fortíssimos aspectos comportamentais para veicular essa publicidade em case que se tornou memorável: era o início da estética clubber, período de consolidação das festas de música eletrônica, mas também o momento em que a cultura gay saía dos guetos e se tornava mainstream. De forte conteúdo homoerótico, as fotos de Wahlberg para a grife certamente elevaram os níveis de testosterona no mundo inteiro e contribuíram (muito!) para a hoje banal cena daquele marombadão que tira a camisa na boate e revela o torso torneado depilado, mantendo a calça jeans em composição onde o destaque é o elástico da cueca aparecendo. André Almada e sua The Week devem muito à marca.
Até mesmo este jornalista, cobra criada acostumada a nunca cair nestas ciladas marqueteiras, se arrepende das inúmeras horas que gastou, nos anos 1990, nas seções de underwear de lojas como a Canal Jeans (no SoHo novaiorquino), escolhendo quais os modelitos de cueca iria arrematar em lote. Teria sido bem mais proveitoso ter ingressado em outra atividade qualquer antes de voltar ao Rio, otimizando a viagem.
Vale lembrar que esse contexto – que pôs no mesmo balaio estética rave, anos 1990, sensualidade gay, corpos sarados, jeanswear e cuecas de grife – também é fruto da cultura hip hop dominando a cena pop e pondo o rock a nocaute. Desde o final dos anos 1980, já era comum ter nos videoclipes artistas com voz de periferia sacolejando a massa de músculos e falando “Yo!”, com peitoral nu e cueca saindo para fora da calça. Quem tiver idade e memória vai se lembrar de Freddom Williams e seu shape de Conan no vídeo de “Gonna Make U Sweet”, do C&C Music Factory, ou de um Will Smith em início de carreira fazendo cara de mau e cantando “Summertime” sob a alcunha de DJ Jazzy Jeff and The Fresh Prince, muito antes de sair por aí no cinema salvando o mundo de alienígenas, conspiração de robôs e mutantes-vampiros.
Pouco depois do tsunami causado por Walhberg, a Calvin Klein Underwear tratou de emplacar um segundo pancadão no mercado com a série de campanhas estreladas pelo top model e ator italiano Antonio Sabàto Jr, uma espécie de sonho de consumo das mulheres e bees, com corpo apolíneo e abdômen-tanque que sintetiza a era pré-photoshop, na qual ter corpo de deus grego significava realmente malhar de verdade ou ter dado a sorte de cair nas graças de Apolo.
Era comum chegar no Times Square, em Nova York, ou Picadilly Circus, em Londres, olhar uma empena de prédio e ter tremeliques olhando o bonitão lá em cima, reproduzido em painel gigante, seminu e cobrindo tudo aquilo com somente uma cuequinha da marca.
Claro que, como toda estética, essa teve seu começo, meio e fim. Durou o que tinha que durar e, enquanto imperou, bodybuilders pontificaram nos anúncios da marca, e também nos da Diesel criados por David LaChaphelle e nos desfiles da Versace. Algum tempo depois, chegou com toda a força ao mercado a moda dos meninos longilíneos, sequinhos e delicados via passarelas de Dior Homme, Prada e Gucci . Da noite para o dia, o estilo Spartacus de Sabàto saiu de moda.
Portanto, não é de hoje que a Calvin Klein flana na publicidade ao sabor dos acontecimentos. Basta lembrar que grife ficou mundialmente conhecida quando veiculou em 1978 a campanha em que uma Brooke Shields novata perguntava ao telespectador se ele sabia o que existia entre seu corpo e seus jeans (“Nada!”), insinuando que ela não usava calcinha. Ela tinha somente 12 anos e, graças a ela, o termo “ninfeta” caiu na boca do povo, com os fashionistas da Era Disco aposentando a gíria “cocota”, originária do universo hiponga.
Ponto para a grife, que aproveitou o fato de a estrela teen mais famosa do período estar estreando em Hollywood como protagonista no longa “Pretty Baby”, de Louis Malle, no qual deixava a plateia em ponto de bala no papel da filha de uma prostituta (Susan Sarandon) criada num bordel e que acaba levando o cliente da mãe à loucura. Com seu índigo coladinho na pele, Shields reproduzia na moda os novos tempos, revelando que as crianças não eram mais tão crianças assim.
Agora, com Justin Bieber prestes a completar 21 anos e abandonando de vez a pecha de Galinho Chicken Little, passa a ser interessante investir na sua persona de bad boy, usando sua imagem na propaganda de cuecas e calças jeans, mesmo sabendo que o moço é barraqueiro. São dois em um: ele ainda possui aquela delicadeza twink que gente graúda como Hedi Slimane e Tom Ford se encarregou de tornar padrão de beleza nos últimos 15 anos, mas tem o suficiente de músculos rasgados para estampar uma publi de cuecas, sem ficar parecendo um herdeiro dos emos.
Quando o Justin declara que “este é o começo de um novo ano para mim, pessoal e profissional, e fazer parte desta campanha tem sido uma oportunidade única e uma experiência fantástica”, no fundo ele quer dizer que, mesmo com todas as trapalhadas, ele agora descobriu mais um pote de ouro no final do arco-íris e, se não fizer bobagem, vai ganhar pencas de dinheiro com isso, desde que não enfie o pé na jaca e acabe com barrigão de Axl Rose.
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