O planeta pede socorro: a cada ano, o Dia da Sobrecarga da Terra, calculado desde 1986, chega mais cedo. Na prática, isso quer dizer que a humanidade utiliza os recursos ecológicos cada vez mais rápido em relação à capacidade de regeneração dos ecossistemas. Na contramão do gasto do capital natural da Terra, surgiu o movimento pelo consumo consciente, que foca no que é realmente necessário, criticando o estilo de vida que valoriza o supérfluo e o excesso, a ostentação de quem dá mais importância ao ter do que ao ser. Na vibe dessa preocupação crescente com a sustentabilidade, o Inspiramais – Único Salão de Design e Inovação de Materiais da América Latina e o SEBRAE promoveram uma edição do projeto LIVE INSPIRAMAIS (@inspiramaisoficial), com o tema “Brisa Slow Fashion – Como uma pequena empresa gere e se posiciona perante a um novo cenário”. Para o bate-papo foram convidadas as designers de moda Julia Webber, consultora do Núcleo de Design do Inspiramais, coordenado por Walter Rodrigues, e Tatiana Stein, fundadora da Brisa, marca de alfaiataria slow fashion, focada no consumo consciente e no feito à mão. “Moda é sobre comunicação, moldar e melhorar o mercado”, garante Tatiana.
O Inspiramais é promovido pela Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e Programa de Internacionalização da Indústria Têxtil e de Moda Brasileira (Texbrasil), Brazilian Leather, By Brasil Components, Machinery and Chemicals e apoio de algumas das principais entidades setoriais do país. A edição 2021_II será realizada nos dias 5 e 6 de agosto, no Centro de Eventos Pró-Magno, em São Paulo, permeada pelo tema Free Spirit, que lançará luz sobre a existência de uma reorganização na forma de pensar e fazer moda, nos orientando por um espírito livre e uma consciência ecológica, coerente com novos princípios, propondo uma reinvenção por meio da criatividade. Na pesquisa de inspiração realizada pelo Núcleo de Design do Inspiramais está lá: “‘Sentir-se bem’ com as roupas que vestimos não é mais estritamente aparência ou conforto: trata-se de sentir-se bem em representar algo, em ter propósito. Portanto acreditamos que a ‘criatividade’, um tanto esquecida nesses tempos de grandes volumes e lucros estratosféricos, passa a ser hoje uma palavra importante. Uma reflexão sobre o momento de (r)evolução que estamos presenciando, com um sentimento criativo muito similar ao dos anos 1970, década marcada pelas contraculturas e a força street style”. Como afirmou Ilse Guimarães, superintendente da Associação Brasileira das Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), uma palavra é importantíssima neste momento: afago. “Encaramos nossa responsabilidade de inspirar e provocar o melhor nas pessoas, gerando assim um sentimento de esperança e renovação de energia para construir um novo pensamento”, pontua.
Antes de criar a própria marca, Tatiana trabalhou em fast fashion, mas ficava insatisfeita com o modelo de mercado tradicional, focado em produzir peças que serão descartáveis em um curto espaço de tempo para dar lugar a uma nova coleção. “Não fazia sentido. Fui pesquisando sobre slow fashion e me desenvolvendo aos poucos”, lembra. A Brisa nasceu em 2016 e trabalha com tecidos orgânicos, naturais e de baixo impacto ambiental, usando tingimentos naturais e técnicas manuais, sem abusar da mão de obra. “É uma moda cíclica, porque vem da natureza e pode voltar para ela sem prejudicar nada”, afirma a empresária. “Ser pequena é uma vantagem. Deixo de ser apenas marca de vestuário, sou marca que acolhe, que conversa, consegue discutir sobre esse novo movimento, ter paciência e ainda assim vender, se as pessoas quiserem as roupas”, acrescenta.
Para impulsionar sua marca, Tatiana conta com a ajuda do SEBRAE e da Semente Negócios, por meio do AGIR – Programa de Aceleração para Geração de Impacto no RS. “O trabalho é voltado para empresas de baixo impacto ambiental. Isso é muito bacana, porque a gente consegue ter muitas ferramentas de gestão alinhadas ao nosso propósito”, conta ela. “Na verdade, a gente é que está construindo esse mercado. Ele não existe, não tem livros, não tem como saber o que vai acontecer. Nós, consumidores, gestores de marca e de empresa, é que estamos moldando o sistema, conversando uns com os outros”, explica.
Julia Webber fala da importância de criar um contato humano entre marca e cliente, desenvolvendo um sentimento de comunidade entre as empresas e os consumidores. “É ver a Brisa como uma ponte de sentimentos, um lugar de troca. Não é só a venda do produto o grande foco”, pondera. “Isso traz a ideia do consumidor cidadão, porque aí quem compra também tem responsabilidades, não só direitos”, complementa. Tatiana concorda. “A gente precisa saber que, a partir de agora, nosso consumo é um tipo de apoio para as empresas das quais compramos”, alerta a dona da Brisa.
Outro ponto levantado por Tatiana refere-se aos bastidores da moda. “Tentamos mostrar sempre que existem pessoas por trás da empresa. Buscamos um diálogo muito verdadeiro e transparente, deixando claro que o mercado nem sempre é justo. De vez em quando, temos dificuldades no tingimento ou nos processos internos da Brisa. Faz parte”, diz a empresária. “A roupa tem muito mais por trás do vista-se. Existe toda uma cadeia que precisa ser bem remunerada, um solo que deve ser tratado, uma economia a ser cuidada. Trabalho muito esses valores na Brisa”, reconhece.
A luta de Tatiana e dos outros representantes da slow fashion é fazer os consumidores refletirem diante do cabide ou da vitrine. “Não é só um pedaço de roupa, é uma história, um pós-história. O que acontece com aquela peça quando vai ser descartada?”, questiona. “A responsabilidade daquela peça existir é da pessoa que comprou, da empresa que produziu, da pessoa que produziu aquela matéria-prima. Sempre digo que falhei como designer quando um produto deixa de vender ou eu crio e ele não vende. Porque eu criei um lixo, aí deixou de ser sustentável”, ressalta.
Segundo Tatiana, defender a sustentabilidade da moda não é sinônimo de fazer julgamentos. “Precisamos cada vez mais de lugares seguros onde a gente possa conversar e entender que não vai ser julgada. O não julgamento, inclusive, se quiser comprar do fast fashion. Cada um tem o seu poder de escolha, o seu poder de compra. E está tudo bem”, defende. “Tive clientes que nunca compraram na Brisa, mas já me deram muitas peças do armário delas para tingir e aumentar o tempo de vida daquela roupa. Isso é muito legal, porque a pessoa não precisa comprar da marca, ela pode olhar o que a marca faz e perceber que ali existe não só um serviço, mas uma ideia para buscar alternativas em relação a algo que ela já tenha”, conclui.
De acordo com Tatiana, quem compra com a Brisa tem a chance de criar a peça que for usar. “Não queremos só vender, nos interessa ter contato com a cliente e que ela tenha esse contato com a gente, também. Se eu tenho uma calça que existe há muito tempo na Brisa e a pessoa não quer aquela cor, ela fala com a gente, tingimos a peça e a roupa vira muito exclusiva. Nesse mercado, criamos em conjunto e a cliente vira uma designer, de certa forma”, define. “Vivemos um mundo multifuncional, onde todo mundo consegue ser um pouco de tudo e se sentir confortável nesse sistema”, acredita.
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