“Meu propósito era absorver tudo que encontramos durante a imersão pelo Nordeste da Bahia: seja observando profundamente a natureza ou decodificando a realidade de vida de um povo. E com o conhecimento e a aprendizagem ser capaz de criar peças e inspirar a produção diversificada de produtos para moda e design”. As frases são do designer Lucas Magalhães, um dos nomes mais talentosos do país, que coordenou o projeto Iconografia Local apresentado no Inspiramais 2020_I – Único Salão de Design e Inovação de Materiais da América Latina, realizado no Centro de Eventos Pro Magno, em São Paulo.
O evento promovido pela Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) e Programa de Internacionalização da Indústria Têxtil e de Moda Brasileira (Texbrasil), Brazilian Leather, By Brasil Components, Machinery and Chemicals e Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) abrange toda a cadeia dos setores de moda, calçadista e moveleiro, apresentando mais de 1.000 materiais inovadores para as indústrias brasileiras e da América Latina.
Além de ser uma experiência de inspiração, imersão e pesquisa para os profissionais envolvidos, o trabalho de campo realizado no Nordeste baiano pode ser considerado um dos projetos mais significativos para a moda e para o design, posicionando o país como referência internacional em identidade de produtos com características do handmade brasileiro. Lucas Magalhães mostrou o resultado da alquimia realizada a partir do que foi vivenciado no sertão: criou protótipos – peças exclusivas em tricô -, repletos de identidade, simbolizando os mais diversos aspectos constatados in loco. Como resultado ainda, a apresentação da cartela de cores e os vídeos desenvolvidos a partir da pesquisa servirão como inspiração para todo o Sistema Moda.
As raízes da região baiana que poderão ser transformadas em moda brasileira serviram de inspiração para este projeto realizado pela Associação Brasileira dos Estilistas (Abest), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal). As folhas, estradas, pessoas, esculturas, cores, a aridez, sol, texturas, pedras e musgos. Tudo foi observado minuciosamente durante a pesquisa histórica e repleta de imagens que serviu e servirá como inspiração para a moda que olha para o futuro e para o próprio país.
Quem conferiu o espaço do projeto durante o Inspiramais pôde ler um texto incrível de autoria de Hélio Filho que sintetizou o “Iconografia Local Bahia”: “A iconografia do Nordeste baiano é uma trama forte de sisal, trabalho duro e orgulho – do que se produz, do que se é e de onde se está. Costurado e tingido pela tradição, tudo pode permanecer como é. Enquanto as mãos trabalham, o sorriso está no rosto e as bocas arrematam lições de vida. Permanência solidificada na profusão de pinceladas na geografia local, a natureza esculpindo nas rochas toda sua criatividade. Paleta de cores terrosas misturadas a inesperados tons doces. Terra seca e castigada, mas nunca entregue, faz do uso do couro uma arte. O trabalho de cada peça única, um prazer, um símbolo. A necessidade de cavalgar leva pelas estradas poeirentas e ocres o cuidado do talhar, os desenhos característicos e a força do couro para enfrentar um esplendoroso sol. Encontramos cores, texturas, sentimentos e lições que fazem cada vez mais inadiáveis investigações das várias iconografias que enriquecem nosso imenso país. Um retrato de parte da Bahia que é o trabalho, a persistência e o orgulho de um Brasil todo”.
Para Lucas Magalhães, a pesquisa foi um trabalho coletivo que quebrou estereótipos. “Durante nossa imersão, nós encontramos uma mão de obra linda e tradicional. Foi a inspiração para um novo olhar. E o resultado traz novas possibilidades para toda a cadeia de moda e, consequentemente, para os artesãos locais também. Nós decodificamos, diversificamos e aplicamos o que conhecemos a uma nova realidade”, contou. Como objetivo central do projeto Iconografia Local, a transformação das referências em inspiração para a moda é algo prazeroso de se observar. Só para vocês recordarem, na edição anterior, no Inspiramais 2019_II, a designer Paola Fabris desembarcou na região da Farroupilha, no Sul do país, para registrar com seu olhar as flores, folhas, frutos, esculturas, texturas, cores e que se transformaram em referência no processo de criação de estilistas, estudantes, designers e artistas que sempre estão em busca de novidades.
A pesquisa deste ano, no Nordeste da Bahia, trouxe revelações para o designer Lucas, que mora em São Paulo e nasceu em Minas Gerais. “Já é realidade pararmos de olhar para fora do Brasil e perceber de verdade nosso país. Quando recebi o convite para participar do projeto, pensei: ‘eu sou mineiro, moro em São Paulo, e provavelmente devo encontrar no percurso dos estudos uma cartela de cores predominantemente em marrom e laranja. Me enganei demais com esse pensamento! É uma região plural! Nós partimos de Salvador, passamos pela Chapada Diamantina, parando nas cidades para conhecer. O nosso ponto final foi Conceição do Coité e Ipirá. A ideia era estudar profundamente as duas cidades, que são polos industriais e têm produtos super legais, mas pouco conhecidos e divulgados”, relatou Lucas. E acrescentou: “Eu entendi ainda mais a importância de trabalhar com os mais diversos materiais e referências brasileiras, trazendo novo ponto de vista e a visão particular que adquirimos. Tudo que eu vi e coletei de informação utilizei no meu trabalho com tricô”, contou Lucas.
A equipe de estudo em campo preparou uma apresentação de cartela de cores, protótipos e vídeos, depois de percorrer o roteiro, passando por Morro do Chapéu (Vila do Ventura, Gruta dos Brejões e Buraco do Possidônio), Ipirá (visitas à ateliês de selaria e trabalho em couro, tradição dos vaqueiros da região) e Conceição do Coité (visitas ao cultivo e tratamento de sisal bem como à manufatura e artesanato). Para o coordenador, a experiência foi impressionante: “No caminho, a vegetação e a geografia que eu encontrei foram impactantes. Nós entramos na Gruta dos Brejões. Eu nunca tinha visto algo tão magnífico. Em toda a região, o clima é super quente. Tem épocas do ano que a escassez de água é total. A mutação é constante por causa da água. Então, cada ano que você voltar ali, vai encontrar uma formação rochosa com aspecto diferente. E, por conta disso também, você encontra em uma mesma pedra formação de musgos com cinco ou seis cores. É impressionante! Muita textura, muita cor, muita natureza. Os nossos olhos brilhavam! As pinturas rupestres também são fascinantes e a prova viva do nosso passado. Foi uma experiência muito forte. Com todas essas riquezas e depois, com as imagens que coletamos, fizemos o vídeo. Vai ser fabuloso como inspiração para quem quer fazer moda”.
Além do vídeo, os protótipos de Lucas em tricô fizeram os olhos dos visitantes brilharem com tamanho trabalho artístico e representativo, que nos leva diretamente para o universo proposto. Cada peça foi baseada em algum elemento, segundo o designer. “Eu fiz um trabalho inspirado nas pinturas rupestres que encontrei na região. A partir dos desenhos nas pedras, eu criei as tramas, que foram depois tecidas. Então, vemos essa mistura na cartela de cores com o terroso, por exemplo. E nessas peças você identifica a história. Como eu vou fazer uma pintura em pedra virar um tricô? Foi nisso que eu trabalhei”, disse.
Além das pinturas, as pedras e os musgos foram essenciais para inspiração. “Eu desenhei uma blusa cropped com duas texturas, porque era algo que tinha muito nas pedras. Como se a água fosse até a metade dela e, na outra, só tivesse o contato com o sol. Então, uma parte tem esses furos, que era da ação do sol e na outra os arranhados, que vinham da água que descia em fios. Nós fizemos com a tecnologia do tricô que permite usar uma fotografia para montar de forma computadorizada o que vai ser tecido. Eu fiz o tratamento de uma foto, apliquei no programa e foi tecido. E eu sobrepus com silk screen, uma técnica que eu sempre usei, mas nunca antes em cima do tricô. Foi uma texturização que usei para reproduzir os musgos”, comentou Lucas.
Além da descoberta dos musgos, a variedade das cores também foi representada em suas peças. “Eu fiz, também, um suéter oversized, todo com fios mescla, que tem tons terrosos e de rosa mais claro que são comuns no local, fazendo um processo de listra também. Desenhei também casaco inspirado nas cores do musgo e blusa de manga longa ombro a ombro inspirada na textura das pedras”, exemplificou. As técnicas em couro também surpreenderam a equipe. “Os elementos em couro são de Ipirá, de um local chamado Malhador, que eu fui conhecer. Então temos selas, chapéus, as franjas. E tudo é feito à mão. Já em Conceição do Coité, o foco é no sisal, onde eu conheci a técnica. A planta entra no processo de fiar e me remeteu muito ao tricô. As cartelas de cores com tingimento natural que eles conseguem fazer em cima disso é impressionante. Eu acredito que essa fibra ainda pode criar muita coisa boa para o nosso mercado de moda”, revelou. E Lucas concluiu a nossa conversa com a seguinte frase: “É preciso resistir e é preciso ser humano”.
O Inspiramais é promovido pela Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) e Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Tem patrocínio da Cipatex, Altero, Bertex, York, Advance Têxtil, Sappi Dinaco, Wolfstore, Caimi & Liason, Brisa, Intexco, Tecnoblu, Britânnia Têxtil, Cofrag, Colorgraf, Endutex, Componarte, Branyl, Berlan, Suntex e Aunde Brasil e conta com o apoio da ABEST, ABICAV, Abicalçados, IBGM, Instituto By Brasil (IBB), In-Mod, ABVTEX, Ápice, Abimóvel e Guia JeansWear by Style WF e Francal.
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