Uma reflexão sobre o cenário que estamos vivendo há algum tempo e que a cada dia percebemos que precisamos sair do lugar, sair da inércia, que não temos mais as mesmas certezas. Verdades absolutas já não nos servem tanto quanto serviam e os processos que aplicávamos devem ser atualizados com um upgrade para seguirmos competitivos frente a novos desafios. Ciclos que se encerram e se renovam reproduzindo resultados inovadores. Sob este prisma foi escolhido o tema central “Impermanência” para o Relatório de Macrotendência Outono/Inverno 25, fruto de uma grande pesquisa realizada pelos consultores do projeto Inova Moda Digital (IMD), uma parceria entre o SENAI CETIQT e o Sebrae Nacional. A equipe técnica fez uma imersão nos cenários que vêm sendo desenhados nos âmbitos sociais, econômicos, tecnológicos e relacionados ao meio ambiente, decodificando realidades e lançando luz ao futuro no que diz respeito aos desafios da moda e consumo. “Essa movimentação, essa saída de lugar de não ter nada completamente fixo ou certo, nos faz abrir um campo de possibilidades que vem num olhar de melhoria contínua e de novas relações, de outras fontes de inspirações”, pontua Angelica Coelho, consultora técnica do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção do SENAI CETIQT e head de Moda Circular do Inova Moda Digital.
E acrescenta: “É preciso trazer para esse inverno alguns tópicos para se antecipar, para se preparar, para começar a pensar não só nos riscos iminentes e imediatos, mas em como se pode crescer através da inovação, através de olhares para pontos que não levávamos tanto em consideração. Em vez de apenas apagar incêndio, precisamos nos preparar para ter melhores reflexões, saídas e oportunidades a partir de cada um desses desafios. Fazemos uma provocação sob uma ótica holística, sistêmica, para que a gente faça essa gestão num âmbito mais globalizado enquanto olhamos para o negócio, enquanto olhamos para as nossas atividades. E isso reflete em saídas. Uma dessas saídas é a biopotência. A gente está falando aqui das oportunidades de trabalhar na natureza e com a natureza e como isso vem potencializando saídas, principalmente para alguns desses desafios que enfrentamos ao longo desses últimos anos”.
O projeto Inova Moda Digital (IMD) tem como principal objetivo produzir, disponibilizar e democratizar conhecimento teórico, tecnológico e mercadológico, promovendo o acesso às mais recentes pesquisas de tendências, ferramentas e metodologias de design estratégico e soluções para processos em geral, que promovam o desenvolvimento e a competitividade de negócios. O SENAI possui equipe multidisciplinar formada por designers e engenheiros, com ampla experiência industrial. Os profissionais atuam nas empresas da cadeia de moda, têxtil e de confecção de forma transversal, com foco no aumento da competitividade e melhoria do desempenho dos profissionais e negócios do setor moda, a partir das conexões entre os atores da cadeia produtiva.
O resultado do Relatório de Macrotendências foi apresentado por Angelica Coelho, Rafael Lemos, consultor de Fashion Design do Instituto Senai de Tecnologia Têxtil e de Confecção da Paraíba e integrante da equipe de pesquisa do IMD e Cléber Lima, do SENAI Pernambuco, consultor em design de moda e especialista em pesquisa de tendências e responsável pela Inteligência de Produtos do IMD.
CONTEXTUALIZAÇÃO DO CENÁRIO
De acordo com Angelica Coelho, o contexto em que parece que estamos sempre correndo, que não temos um tempo mínimo para dar uma respirada, é chamado de policrise e tem sido usado cada vez com mais ênfase, com algumas variações desse termo, como permacrise. Mas o que ele vem trazendo é o que temos vivido nos últimos meses e anos, principalmente depois do cenário pandêmico, que deu uma grande mexida na dinâmica social e empresarial. A gente começou a acrescentar esses impactos e os reflexos percebidos logo depois que foi se recuperando dessa primeira crise a uma somatória de outras, tanto econômicas quanto geopolíticas, sociais e ambientais.
E diante desse cenário, como se dá a conexão com o consumidor? “Nós trazemos uma reflexão de voltar os olhos para a marca e trabalhar a confiabilidade que o consumidor vem buscando através da identidade, do cerne e de algumas influências que temos enquanto negócio, enquanto histórico, enquanto perfil de negócio”, comenta Angelica Coelho.
A macrotendência “Impermanência” é subdividida em três conceitos e hoje proponho um mergulho no Conceito 1. Vem comigo:
CONCEITO 1 – EXTREMOS
Tudo que vem acontecendo ultimamente tem um teor muito mais intensificado, muito mais potencializado e faz com que olhemos para o que a gente está fazendo num momento tentar mitigar esses impactos. Angelica Coelho frisa: “E aqui a gente traz um insight de reavaliar os processos. Para mitigar, mas também se preparar para períodos que estão tendo ciclos cada vez mais curtos, sempre um atrás do outro, muito próximos. É necessário um olhar mais resiliente para que se possa ser flexível e, através de um pensamento mais criativo, imaginar potenciais futuros – ou seja, antecipar acontecimentos por mais improváveis que eles possam parecer no nosso dia a dia: É olhar para a reavaliação de processos como negócio para entender como a minha empresa vai funcionar. Se a minha visão de futuro do negócio daqui a cinco, dez anos tem um caminho já delimitado sobre onde eu quero chegar, do que quero estar fazendo, como quero estar posicionado, essa sua visão tem um monte de impactos sobre o futuro de todo mundo. Então, quando pensamos sobre isso, trazemos, como cerne dessa questão, um olhar mais inventivo e imaginativo”.
LANÇAR OLHAR PARA OS SEGUINTES TÓPICOS:
CRIATIVIDADE COMO ESTRATÉGIA – Aborda a incerteza para trazer soluções para o presente e futuros. “Olhar para o que fazemos pensando em novas potencialidades, em novos caminhos, em olhar aquilo que já fazemos todos os dias, não só no âmbito do negócio mas em todos os pontos de contato que ele tenha, para abordarmos cenários de incerteza como tivemos agora, quando vimos um reflexo da emergência climática no Rio Grande do Sul”, analisa Angelica.
IMAGINAÇÃO RADICAL/RESSONÂNCIA/INVISÍVEL/TECNOLOGIA INTENCIONAL
Quando começamos a prever isso com um pouco mais de antecedência, a pensar num cenário de muito mais incerteza em que não sabemos o que vai acontecer, precisamos de planos B, C e D para olhar com mais atenção para o que ainda não temos completamente mapeado. “Invisível é uma das palavras-chave junto com Ressonância, que é aquilo que vem mas impacta e reverbera como uma pedrinha no lago que vai causando ondas e vai impactando outros cenários”, diz Angelica.
Em seguida, ela aborda a Imaginação Radical. “Abrimos mesmo o ponto para discutir novos caminhos, novas trilhas para levar o negócio, os processos e os produtos, tecnologia intencional pontuada diretamente para melhoria, para processos com baixo impacto que sejam mais amigáveis para o planeta e as pessoas”.
NOVO INCOMUM/MODELOS ALTERNATIVOS/ALFA E ÔMEGA
“A gente falou muito, na época da pandemia, sobre o ‘novo normal’, e agora a gente traz um olhar sobre o ‘novo incomum’ num cenário em que nada está muito palpável. Esse incomum é o atual modus operandi das nossas vidas. Para isso, pensar em modelos alternativos que não sejam exatamente o que já fazíamos no passado e funcionava, mas como eles podem se adaptar a essas incertezas, a esse incomum, a esse invisível. E pensar no alfa e no ômega, pensar no início e no fim dos ciclos para tomar decisões mais direcionadas.”, pontua Angelica Coelho.
CASES DE EXTREMOS
A palestrante traz o case da 35ª Bienal de São Paulo para dar um exemplo de revisão e a avaliação para aplicar novos processos e ferramentas para cenários complexos. Lançada em 2023, a mostra veio com a temática “Coreografias do Impossível” e promoveu, através da arte, a proposta de imaginar diálogos, até então considerados inviáveis, em busca de oportunizar resultados diferentes através de vozes, territórios, pensamentos e movimentos que nos impactam diariamente. Isso acontece para qualquer exposição e podemos retornar a esse assunto quando estivermos fazendo algum evento de ativação de marca ou algum desfile em que pensamos em cada detalhe não só na hora em que as modelos entram para apresentar as peças. Mas olhar para a equipe que está ali e entender os processos necessários para colocar aquilo de pé foi o que a 35ª Bienal de São Paulo teve como desafio. Houve uma configuração como uma equipe multidisciplinar de curadores (não houve um curador chefe) para repensar processos e viabilizar outros caminhos de acesso à arte.
“Vão levar todas as peças para outros estados, tem uma logística, pensar em infraestrutura, equipes de outros estados e custos que precisaram ser desenhados a partir do que já conhecíamos, do que já era feito. Olhar para outras possibilidades e desafiar isso. Daí a brincadeira do nome Coreografias, ou seja, elaborar essa dança, esses processos, essas atividades do impossível, do que seria inviável”, explica Angelica Coelho.
“Então, passamos para o lado da imaginação radical. Como sempre, trazemos uma metodologia e, dessa vez, estamos propondo várias provocações para essa temporada Outono-Inverno 25, que é um olhar do design para uma metodologia que chamamos de Design Especulativo. Ela é uma abordagem supercriativa que vai explorar a construção de cenários para o futuro, sempre alternativos e desafiando os limites do que já sabemos ou praticamos para, aí sim, falar de inovação e olhar como isso está sendo desdobrado a partir do que fazemos no presente. Ela vem muito sobre a expressão: “E se acontecesse isso?”, comenta Angelica.
“Se pensarmos sob a ótica do que aconteceu no Rio Grande do Sul – e se acontecer isso, como fica a nossa cadeia de abastecimento? E se acontecer em nova proporção em uma outra localidade? Como vamos abrir o nosso comércio? E se a gente pensar que a inflação vai subir, como vai ficar a nossa disposição e o nosso ajuste para vendas e precificação junto aos consumidores? Este ‘E se?’ vai mapeando cenários para que a gente comece a construir estratégias e reavaliar os processos para já estarmos preparados ou, pelo menos, mapeando esses cenários”, dispara a consultora técnica do Instituto SENAI de Tecnologia Têxtil e de Confecção. “Precisamos entender que, para todo futuro que almejamos, outras propostas de futuro ficarão para trás. Podemos beber dessa fonte, tanto o futuro que eu desejo para a minha empresa quanto entendendo que pertenço a um futuro maior que está sendo construído a várias mãos”.
Dados do Fórum Econômico Mundial apontam que 75% das empresas globais não estão preparadas para o ritmo das mudanças da indústria. “E a gente está falando só das mudanças da indústria, não estamos falando de todos esses outros fatores. As mudanças dentro dos negócios estão mais lentas do que deveriam, do que precisariam estar para responder a todos esses desafios que estão sendo impostos. Aplicar uma metodologia de mapear cenários ou de construir alternativas para o futuro vai trazer respostas para questões complexas tanto de polarização quanto de alguma política pública que venha a ser aprovada sobre sustentabilidade em todos os seus âmbitos, tecnologia, adoção (por que caminho vamos aderir, que tipo de tecnologia usar, qual o investimento) pensando em desafios no que a gente entende por prática ou verdade ou certeza para fazer entendendo qual reflexão precisamos fazer para termos mais resiliência e flexibilidade para lidar com esses possíveis pontos”.
De acordo com a consultora é fundamental preparar a equipe para tentar prever eventos quase imprevisíveis. “Você já começa a sair na frente e a organizar uma empresa mais resiliente. Prestar atenção em mudanças, em cenários tanto internos quanto externos. Lembra da Análise SWOT? Ameaças, Oportunidades, Forças e Fraquezas. Entender o cenário interno e entender o cenário externo como um todo. Pensar em como a conjuntura política, econômica, social, tecnológica, ecológica, industrial está se desdobrando para que tenhamos esses dados como ponto de partida para alimentar a equipe que vai te apoiar na gestão desses desafios e mapear esses riscos”, aconselha Angelica Coelho.
Um bom exemplo de mapeamento de riscos com design especulativo vem de uma oficina aplicada pela Goodyear, a fabricante de pneus. A empresa reuniu uma equipe multidisciplinar e jogou alguns fatos. A ideia era mapear cenários futuros e preparar o negócio para novos desafios, principalmente olhando para tecnologia, futuro dos automóveis, futuro da mobilidade. Apresentaram um fato fictício para pensar futuros: e se o carro voasse? Esse carro precisaria de pneu? Esses cenários que interrompem e deixam não tão funcional o que entregamos nos fazem elaborar outras perspectivas e outras saídas para os processos e os negócios. “A ideia é estudar com a sua equipe e ter essa equipe para debater caminhos não tão previsíveis e começar a construir planos de ação para estar preparado para utilizar nem que seja parte deles, mas já com resiliência para lidar com essas questões mais à frente”, diz Angelica Coelho.
Tem um exemplo de posicionamento singular da Dover Street Market, que lançou há pouquíssimo tempo, no bairro do Marais, em Paris, um espaço que veio para trazer convivência. Conta com um espaço de arte e um café. É possível almoçar, lanchar, passear por ali. E ainda tem o showroom. No espaço de compra, encontram-se Balenciaga e outras maisons conhecidas, mas os corners não tem a logos.
Para a head de Moda Circular do IMD, “o bacana dessa curadoria é que parte dela ou a maior parte dela é de designers novos de moda autoral que têm a mesma qualidade… Só que eles estão muito no início ainda e não têm a mesma exposição e o mesmo investimento de marketing das grandes maisons. Misturar isso para um público que também foi pensado para consumir essas marcas em conjunto, deixar que experimente, que explore, é uma abordagem bem diferenciada, bem ousada quando a gente fala de showroom ou quando a gente fala em atacado ou promoção de marca. Toda a construção do local foi para promover esse espaço de arte, de design para que você possa interagir de diversas formas, até na compra de produtos de moda”.
CARTELA DE CORES – EXTREMOS
Para falar sobre cartela de cores, o responsável pela Inteligência de Produtos do IMD, Cléber Lima ressalta que ela é construída como referência não só para a criação de produto, mas para pensar todos os componentes de uma coleção. O conteúdo do IMD é inspiracional. “O que importa agora é entender como esse tema pode se materializar em ideias, produtos e roupas”.
“No tema Extremos, a gente tem uma representação muito explícita desses tons que lembram essa natureza invernal, noturna, quase ameaçadora. Só que eles, esses tons, servem como uma representação de força e de resiliência pensando em produtos que atendem a uma necessidade de sobreviver aos desafios do dia a dia de uma forma muito acurada. Essa cartela é pensada para ser sutil e densa justamente para colorir produtos muito sóbrios na construção, mas inteligentes na performance. São roupas e cores pensadas para representar o dilema de como nós, pessoas, reagimos e agimos frente a todos esses desafios”, diz Cléber Lima. “Se formos pensar em estética, o mercado internacional, há uns dois anos, e o mercado nacional, ao longo deste ano que estamos vivendo, aceitaram muito bem essa imersão em tons de ocre, de marrom. Os terrosos saíram do lugar da roupa funcional para uma cartela de roupa de moda. A cartela do Inverno 25 celebra essa aceitação e promove uma outra abordagem para essa mesma paleta”.
Cléber denominou o primeiro subtema como Invólucro, noção de proteção, casulo, envolvimento. “Camadas muito macias que envolvem o corpo de uma maneira orgânica. Pensem na necessidade de ter uma roupa que protege você do frio, do vento, e que o próprio movimento do vento no seu corpo modela essa roupa. Eu trago um pouco dessa natureza que movimenta o tecido para pensar a modelagem de uma maneira menos geométrica. Quando o vento passa, mexe com as coisas. A ideia é brincar com a simetria dessas formas. É um tema que fala sobre vento, assimetria, organicidade”.
Camadas envolvem o corpo em um movimento orgânico, sereno e inconstante
O Conforto pressupõe modelagens muito amplas que valorizam justamente o aspecto têxtil. “Esses revestimentos podem não só serem elegantes, mas também uma exaltação da tecnologia têxtil que a gente tem hoje no mercado. Observem e atentem para a paleta de tons de mel, de marrom que continua sendo uma força, só que, agora, um pouco mais escura que a gente está vendo hoje no inverno nacional. Observem e atentem para a paleta de tons de mel, de marrom, que continua sendo uma força, só que, agora, um pouco mais escura que estamos vendo no inverno nacional”.
Longos trechos de tecido revestem e embelezam enquanto protegem e acariciam o corpo
Proteção com Twist. “Eu tenho aqui uma roupa que deixa o meu corpo muito coberto mas que tem alguma coisa errada. Algo aconteceu que tirou isso de ordem. Em paralelo a essa desordem, tenho uma cartela muito minimalista de tons de cinza. Se eu tivesse que resumir o Extremos em poucas ideias, é um tema que fala de uma roupa muito sóbria, muito aparentemente simples, mas é aquele tipo de peça que permite que o consumidor interaja com ela, seja porque tem um volume diferente ou porque permite que você vista esse item de diferentes formas”, ressalta Cléber Lima.
Gestos minimalistas de modelagem percorrem novas linhas e redesenham uma noção de sofisticação
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