Daqui há exatamente uma semana os olhos dos apaixonados por moda estarão voltados para um só lugar: a capital paulista. A próxima edição da São Paulo Fashion Week, que acontece entre os dias 25 e 29 de abril no Pavilhão da Bienal do Ibirapuera, não será pautada por estações – refletindo, assim, o novo momento do mercado fashion. “Essa é a edição N41 e isso é uma das grandes mudanças que estamos trazendo. Não vamos mais colocar nome de estação, porque agora caberá ao estilista ou grife nominar suas próprias coleções”, explicou Paulo Borges, fundador e diretor criativo do evento, que foi além: “Tem mais de 10 anos que eu tenho dito que a questão de temperatura não influencia mais a construção de uma coleção no sentido do desejo de criação. Com a velocidade de tudo, aquilo não tem mais um sentido prioritário. Até porque hoje o mundo é global, nós já convivemos com coleções de estações diferentes na mesma loja. Além disso, as coleções já trazem tecnologia têxtil que introduz leveza no que seria inverno e matérias primas tecnologicamente desenvolvidas. A questão da matéria prima aliada à tecnologia e à velocidade faz tudo mudar muito rapidamente”, analisou hoje por meio de uma transmissão online para todo o mundo.
De fato, logo que se começou a discussão para se aproximar as semanas de moda do varejo e o conceito de “see now, buy now”, a São Paulo Fashion Week foi uma das pioneiras: anunciou uma mudança de calendário a partir de 2017. “A verdade é que já tem muito tempo que os estilistas não fazem duas coleções por ano. São várias que vão sendo introduzidas, aos poucos, no mercado. A moda ganhou velocidade, que é a velocidade do consumidor. Ele é fator determinante de todo o processo”, disse. O evento, que sempre teve como principal objetivo ser uma plataforma convergente de moda e design que incluísse mercado, processo e pessoas, nasceu assim. “Os desfiles eram apresentados em meados de janeiro e meados de junho e, durante 17 anos, o SPFW era estilo ‘veja agora, compre daqui a pouquinho’. Mas isso não era uma questão estratégica”, explicou. E o que mudou? “Com a abertura de mercado e estabilização da moeda tudo mudou no processo. Apresentar coleções em janeiro e junho era possível pela estrutura do mercado e isso durou 17 anos. Mas quisemos seguir o global. Lançar as coleções simultaneamente ao showroom e, a partir disso tirar pedidos de lojas, atacados, multimarcas e franquias para se começar produzir. Essa semana de moda ainda está nesse sistema, de o mercado olhar a coleção, tirar o pedido e ser entregue nos próximos seis meses”, explicou.
Se, por um lado, aproximar a semana de moda ao varejo é um passo positivo, por outro, Paulo Borges acredita que também pode se tratar de um “calcanhar de Aquiles”. “A moda sempre mostrou desejo de se ampliar no sentido de relevância, abrangência e alcance. Claro que se aproximar do consumidor final é um benefício, porque podemos passar a criação na mesma hora para os lugares. Só que é, também, um ‘calcanhar de Aquiles’, porque a informação chega rápido demais e o produto nem tanto”, explicou. De qualquer forma, trata-se de uma questão autêntica e a São Paulo Fashion Week tem experiência em lidar com isso. “Nosso evento é uma plataforma em construção. No meio da nossa história, várias questões foram muito inovadoras a SPFW. Por exemplo, desde 2001 somos pioneiros em transmissões de desfiles ao vivo na internet. Até pouco tempo atrás isso era uma heresia para as semanas de moda internacionais. Além disso, antes mesmo do fenômeno das blogueiras, entendendo que a internet iria por esse caminho, nós disponibilizávamos computadores conectados ao nosso portal para que qualquer pessoa no evento sentasse ali e fizesse sua própria cobertura, um experimento do que viria a ser a blogueira. Nós prevemos isso de alguma forma”, declarou Paulo Borges, emendando que “a São Paulo Fashion Week não é um evento, é uma plataforma de conhecimento, interatividade e inovação. A cada edição nós nos transformamos para entregar experiências, sempre”, garantiu.
E o pioneirismo da semana de moda paulista vai além. Ela foi, por exemplo, a primeira a levantar a discussão de sustentabilidade e dos valores de origem de produção, que chegou a ser tema de uma edição em 2007. “A SPFW foi a primeira e é a única semana de moda que pensa na questão do consumo consciente e sustentabilidade. Fomos a primeira a fazer compensações na questão de CO² e isso passou a ser decreto municipal. Qualquer evento realizado tem que fazer a compensação na emissão de carbono. Sempre falo que moda é comportamento, capacidade de se colocar a vanguarda do que está acontecendo”, ressaltou. Por essas e outras que, mesmo em tempos de crise, a SPFW pôde anunciar um número recorde de empresas patrocinadoras. “Quando chegou dezembro, eu já percebia que seríamos bem sucedidos mesmo nesse momento difícil que vivemos. Em 20 anos de história, a São Paulo Fashion Week sempre entregou o que se comprometeu diante dos parceiros. Temos uma edição com número recorde de patrocinadores, são 19 marcas. Eu construo parceiros, relações e há diálogo e negociação. Todo mundo precisa negociar nesse momento. Fico muito feliz de a SPFW ser escolhida por essas 19 empresas”, declarou.
Aliás, falando em crise, Paulo Borges é otimista, apesar de acreditar que o processo político brasileiro se esgotou. “Ontem, era deprimente ver aquela Câmara dos Deputados. Vimos uma sociedade egoísta e generalizada onde a primeira coisa que cada um pensava era em si mesmo, agradecia sua família, filho, curral. Que política é essa? Mas acho que tudo faz parte do mesmo processo e a cultura – incluo a moda – reflete isso”, analisou ele, que crê na capacidade dos brasileiros. “Somos resilientes. Já passamos por várias crises. Espero que não encontremos outra dessas adiante, mas os brasileiros sempre sabem se reinventar. Sou crente nisso”, afirmou ele, sem deixar de comemorar: “Em um ano tão difícil para o país em todos os sentidos, nós estarmos fazendo a 41ª edição do SPFW é de tirar o chapéu”.
E que edição, aliás. Com a temática “Mãos que valem Ouro”, Paulo Borges pretende trazer à tona a discussão sobre a importância de colocar a mão na massa e evidenciar processos artesanais. Já a referência ao ouro, claro, vem da participação nas Olimpíadas. Além de o Brasil ser sede dos jogos, a moda tem trabalhado roupas das cerimônias de abertura e encerramento tanto das Olimpíadas como das Paraolimpíadas. “Com esse tema, nós discutimos a riqueza do fazer que pode enriquecer o pensar. ‘Mãos que valem ouro’ também tem a ver com o espírito olímpico, é importante valorizar isso. Nós nos organizamos junto com o Comitê Olímpico Brasileiro e a Lenny (Niemeyer, estilista expert em beachwear), por exemplo, está fazendo os uniformes para os atletas olímpicos e a Reserva para os atletas paraolímpicos. O ouro também faz alusão a tudo que é precioso e valioso. Temos uma história ligada ao ouro desde o descobrimento do nosso país, depois a colonização. Tudo faz parte do que é o Brasil hoje. O fazer das mãos que valem ouro adquiriu um significado maior que inspiração. É um momento único no país em que se vive uma crise, perde-se emprego, se tem dúvidas para que lado as coisas vão. É a hora de fazer revolução com as mãos, não com a cabeça. É dominar o processo”, disse.
Destacando que “na SPFW se celebra novos movimentos e correntes”, Paulo Borges falou também das estreias no evento. “São sete marcas estreantes. Uma delas é uma participação especial que vem de um projeto de consultoria, quase uma start-up, que investe por um ano e meio em possíveis talentos pré-selecionados pela equipe do Sebrae e da In-Mod. A partir daí, são trabalhados processos de desenvolvimento até se chegar a coroação, que é o desfile. Nesse caso vai ser a marca Amabilis, que estreia no evento a partir desse processo que é um projeto de aceleração para pequenas empresas”, explicou. Além disso, outras marcas conhecidas também farão seu début na passarela pauista. “Tem a Vix, uma marca de moda praia que é muito conhecida internacionalmente, a A Brand, de prêt-à-porter, com quem viemos conversando nos últimos dois anos; a À La Garçonne, do Fábio Souza, casado com o Alexandre Herchcovitch. Essa marca tem conceito de moda sustentável e começou como um brechó, depois passou para a parte do design que hoje é preponderante. Já era um desejo antigo do Fábio ter uma coleção desenvolvida para a marca e, agora, teremos a estreia da À La Garçonne, com direção criativa de Herchcovitch”, adiantou.
Além disso, duas estreias masculinas prometem mexer com os fashionistas: “Murilo Lomas está introduzindo seu conceito e lifestyle no mercado há dois anos e vai estrear com uma coleção belíssima e estruturada. Além de talentoso, ele é super bem relacionado no mercado. Além dele, tem o Cotton Project, que já vem se apresentando e é muito esperado. É uma marca inovadora enquanto conceito de moda. Também tem a estreia do Amir Slama, da marca de praia dele. O estilista não está estreando, mas a marca própria sim. Vai ser uma semana espetacular”, disse.
Falando em marcas masculinas, o que será que o fundador da São Paulo Fashion Week acha da exaltação do “agender”? “Eu tenho falado que não tem mais tendência, nem estação e também não tem mais gênero. Cada vez mais a ideia vai servir a pessoas. Óbvio que têm extremidades e essas pontas continuarão tendo gêneros, mas, quando começa a aproximar as linhas o meio vai se misturar, se harmonizar. Veremos roupas consumidas por homens e mulheres e ideias específicas para isso. É uma realidade. A moda não inventa nada que não esteja na cabeça das pessoas. É reflexo da sociedade, fotografia do momento que vivemos. A gente vem discutindo a questão de igualdade de gêneros há bastante tempo, então é natural que isso comece a aparecer na roupa. Não é que tudo vai virar agender, mas é mais uma possibilidade de criação”, opinou ele, emendando que “nós estamos vivendo em um mundo onde as possibilidades se somam. Não só na moda, em tudo. Vivemos um momento antropofágico de novas misturas”.
Finalmente, em 41 edições qual é, afinal, o segredo da São Paulo Fashion Week? “É que a crença, o processo, a legitimidade, os valores e a alma são os mesmos desde o Morumbi Fashion. Eu sempre falo na alma porque é, de fato, o que está presente. A moda é imagem, não precisa dizer nada. Ela mostra”, declarou. E nós ficamos ansiosos para ver. Falta pouco.
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