* Com André Vagon
Mais um carnaval e, como sempre, as escolas de samba do Grupo Especial brilharam na Sapucaí, deixando o público de queixo caído. Nem a chuva que desabou em determinados momentos atrapalhou as agremiações, que desfilaram com garra, apesar do aguacéu que fez as plumas ficarem pesadas e os tecidos mais encorpados. Aliás, nesse campo a crise econômica dos últimos tempos também fez eco na avenida, pois, com os preços inflados dessa matéria-prima, muitas agremiações reduziram drasticamente o seu uso, mantendo-o pontual nos destaques, rainhas da bateria, mestres-salas e porta-bandeiras, e apelando para a criatividade de outros materiais no grosso das alas. A pintura de arte nos carros nunca esteve tão em alta, e os efeitos de sombreado sobre esculturas forradas com tecidos paetizados foi tendência. Deu certíssimo, embora alguns desfiles tenham pecado pelo exagero do acetato metalizado moldado em vacuum forming, deixando as sequências de alas com certo sabor retrô. A fila anda, o tempo passa e o carnaval evolui por si só, com alguns recursos que pareciam bacanas no passado hoje se mostrando obsoletos. Por outro lado, o uso de efeitos de iluminação nos carros e fantasias parece ter ganho o seu ápice, com muitos LEDs para contar a história. Teve até prótese dentária com efeito de luz nos bailarinos da comissão de frente da Grande Rio. HT lista os destaques desse ano, analisando o resultado a partir da constante dança das cadeiras dos profissionais do samba. Confira!
1) Salgueiro: a escola veio absurda, com muita garra e colorido impecável dentro samba-enredo “Do fundo do quintal, saberes e sabores da Sapucaí”, concebido com criatividade pela dupla Márcia e Renato Lage partir do livro “História da Arte da Comida Mineira”, de Dona Lucinha. Um primor, luxuosa e forte candidata a campeã, com carros e adereços lindos de se ver, sobretudo a parte que combinava tons de vermelho com roxo e uva. Renato, que concedeu à Mocidade Independente a vitória em três campeonatos (1990, 1991 e 1996), prova que é que nem vinho: quanto mais o tempo passa, amadurece!
2) Volta de Fábio de Mello ao carnaval: Não, HT não está falando do homônimo que é padre e lança CDs, mas do coreógrafo que inovou as comissões de frente nos anos 1990 e 2000, imprimindo enorme sentido de espetáculo a essa categoria e fazendo dupla com a carnavalesca Rosa Magalhães na Imperatriz Leopoldinense. Foi graças a ele, várias vezes vencedor do Estandarte de Ouro – e agora mais uma vez em 2015 – que hoje se tem trabalhos elaboradíssimos nessa área. Profissional que vem do balé e da ópera, Fábio tem pegada firme na direção de cena e andou ausente da Sapucaí nos últimos anos, com o troca-troca de carnavalescos nas escolas e, também, pelo seu temperamento passional. Apesar de ser considerado irascível, um talento que merece sempre ser conferido na avenida.
3) Comissões de frente lúdicas: algumas escolas primaram por abre-alas divertidos, com comissões de frente alegres, beirando o humor. Foi o caso da Grande Rio, que trouxe personagens de Alice, Rainha de Copas, Chapeleiro e Coelho Branco e um divertidíssimo efeito de personagens que eram guilhotinadas, desfilando pela metade, tudo a cargo da dupla Priscilla Mota e Rodrigo Negri. Ou da União da Ilha, que teve Branca de Neve negra interpretada por Cacau Protásio ao lado dos anões e bichos da floresta, sob o comando de Patrick Carvalho em um enredo, “Beleza Pura?”, que brincava com os conceitos da moda e vaidade descabida. E, ainda, a espetacular comissão de frente criada por Alex Neoral para a Unidos da Tijuca, com personagens saídos dos livros que Clóvis Bornay (1961-2005), homenageado da escola, lia quando criança. Uma delícia a sensação de conferir que a parte traseira das fantasias dos bailarinos se tornava parte do próprio cenário no carro abre-alas.
4) Renascimento da Mocidade: a escola, que nos últimos anos vinha mais fraquinha, demonstra querer recuperar o brilho dos 1980/1990, agora com a presença do carnavalesco Paulo Barros, que fez novamente a escola se destacar. A única questão é que Paulo Barros tem cara de… Paulo Barros! Explica-se: o artista, sem dúvida, inovou o carnaval carioca com uma série de efeitos visuais que até então não existiam na Sapucaí, entrando para o hall o fame dos grandes no setor. De certa forma, Fernando Pamplona, Fernando Pinto, Joaozinho Trinta, Rosa Magalhães e Paulo se sucedem na folia da mesma forma que Coco Chanel, Christian Dior, Yves-Saint Laurent, Jean-Paul Gaultier e John Galliano são a evolução do talento na moda. Mas o trabalho de Paulo Barros é tão impressionante – e exuberante! – que sempre corre o risco de engolir a própria escola que o chancela!
5) Busca pela essência da Unidos da Tijuca: última escola a desfilar na segunda-feira, fechando a edição 2015 do carnaval, a escola veio firme e impressionante, com um time de carnavalescos assinando a apresentação: Mauro Quintaes, Annik Salmon, Hélcio Palm, Marcus Paulo e Carlos Carvalho. Ao que tudo indica, o presidente Fernando Horta quis resgatar as origens da agremiação, que ganhou o carnaval de 1936 e teve seus outros três títulos (2010, 2012, 2014, todos recentes!) já sob a tutela de Paulo Barros. Agora, a escola veio imponente, poderosa, mas sem os arroubos criativos de Paulo, como que para mostrar que sobrevive perfeitamente sem o carnavalesco que lhe rendeu três campeonatos.
6) Maquiagens artísticas: aumentou drasticamente o uso do make up de caracterização para marcar personagens. Seja nas comissões de frente, carros coreografados ou mesmo em alas inteiras, o uso desse artifício se intensificou, procurando integrar as expressões faciais com as fantasias. Exemplo disso são inúmeros Chaplins em criativo carro alegórico na Unidos da Tijuca, com marcação coreográfica de Carlos Leça. A fantasia até era simples, mas deu a tônica a marcante representação do vagabundo Carlitos aliada à beleza do carro e à afinação do mise-en-scène.
7) Homenagem a Fernando Pamplona por Rosa Magalhães: depois de muitos anos à frente da Imperatriz Leopoldinense – onde imprimiu um estilo imbatível que conciliava exuberância absoluta, luxo desmedido e precisão suíça – e, depois, em outras escolas por onde passou com menos brilho, a artista confere à São Clemente seu primeiro grande desfile, mostrando que o carnavalesco pode fazer toda a diferença. E, logo de cara, traz como tema Pamplona (1926-2013), considerado o grande revolucionário do carnaval carioca nos anos 1960, de quem foi pupila. Quem disse que o Brasil não tem memória?
8) Mama África: as belezuras do continente africano continuam rendendo inesgotável fonte de inspiração para as escolas de samba. Na São Clemente, Rosa Magalhães pintou e bordou, já que seu homenageado Fernando Pamplona foi o primeiro carnavalesco a trazer como tema um herói negro (Zumbi dos Palmares, 1960). E a Beija-Flor, que ganhou patrocínio da Guiné Equatorial – uma raridade em tempos de crise global –, arrebatou o público mais uma vez com o tema que já lhe rendeu dois campeonatos (1978 e 2007) . Dessa vez, a África contemporânea deu as caras no asfalto, com toda a graça e imponência possíveis.
9) Monique Evans: Okay, o tempo passou, ela envelheceu, já não é mais capaz de despertar a inspiração de músicos como aconteceu com Lobão nos anos 1980 (“Décadence avec élégance”). Mas sua avassaladora presença na Sapucaí nos 1980/1990 sintetiza uma era, representada sobretudo pelo carnaval de 1985, que conferiu à Mocidade a vitória com “Ziriguidum 2001 – Carnaval nas estrelas”, o enredo futurista de Fernando Pinto que marcou época junto com a própria musa. E, se hoje em dia existe o termo ‘Rainha da Bateria”, que todas as que vieram depois agradeçam a ela, inclusive Luma de Oliveira, diva maior de todos os tempos nessa categoria. Portanto, ver Monique brilhar de novo, mesmo em cima de um carro alegórico, é homenagem justa e emocionante.
10) Sabrina Sato na Vila Isabel: a escola até veio fraquinha e o trabalho de Max Lopes dessa vez não fez jus ao seu nome, mas a irradiante figura de Sabrina parece substituir devidamente aquelas estrelas que já brilharam avenida: Monique, Luma, Luiza Brunet, Nana Gouveia, Enoli Lara, Viviane Araújo, todas gente que fez história no carnaval. Entre todas as atuais rainhas da bateria, é louvável ver Sabrina ocupando pouco a pouco o espaço que já foi desse mitos, ainda mais levando em conta seu carisma e simpatia. E, se considerarmos o percurso da moça (BBB-Pânico-carnaval paulista-sambódromo carioca), vê-la se tornar a número 1 na avenida é notável!
* André Vagon é coreógrafo pós-graduado em psico-motricidade, diretor de cena em shows e eventos corporativos, estudioso e professor de dança, tendo atuado por mais 20 anos como bailarino profissional, inclusive na Sapucaí, como bailarino nas comissões de frente. Crítico de dança e espetáculos do HT, para ele a vida é puro movimento
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