O pulsar da sinergia entre moda + arte, ressaltando a criatividade feita com o coração. Foi o que conferi em um dos dos pontos altos da terceira edição do Festival ID:Rio – multiplataforma com o tema “Multiversos Sustentáveis“ e que impulsiona a identidade/energia criativa da moda e empreendedorismo do Estado do Rio de Janeiro: a exposição no Museu de Arte Contemporânea de Niterói das criações de Denise Faertes, uma das designers mais importantes da cena autoral da moda e à frente da marca Fruto do Conde. Denise une design com sensibilidade e um senso estético apurado que faz com que suas peças alcancem o status de obras de arte. Mestre em design de moda pela Raffles Milano, para onde ganhou uma bolsa de estudos em 2020, e PhD em engenharia pela Universidade de Sheffield, na Inglaterra, ela idealiza seus lindos modelos em família, com o marido, o designer de produto e cenógrafo Gil Haguenauer, e a filha, a designer gráfica e artista visual Rebecca Faertes.
O segmento autoral da moda vem crescendo a cada ano. Nele, agregam-se alguns conceitos do tripé da sustentabilidade – econômico, social e ambiental -, reciclagem, cadeia produtiva ética e limpa, utilização de produtos e mão de obra local, valorização da economia criativa e respeito aos direitos humanos. Os movimentos de quem faz a moda são fundamentais para as transformações urgentes que precisamos ver em toda a cadeia produtiva. E não podemos esquecer que os consumidores são peças-chave nas mudanças para uma moda mais sustentável. Essa conexão faz toda a diferença para um resultado efetivo das ações.
Podemos dizer que o resultado dessa parceria de Denise, Gil e Rebecca é moda-arte. É artsy. As criações já foram parar na TV (na novela “Rock Story“, da Globo, e na série de terror “Desalma“, do Globoplay, para a qual criou mais de 20 looks da primeira e da segunda temporadas) e em shows do Rock in Rio (como o Anjo Afrofuturista criado para o músico e compositor de jazz Jonathan Ferr em 2019) e do Prêmio Multishow, quando Ferr usou o manto sagrado Corpo Fechado, projeto final do mestrado todo pintado à mão que foi exibido na exposição do MAC. A estilista, aliás, já está criando um novo figurino para o músico.
“A pintura das roupas à mão livre é um dos nossos diferenciais. E tenho que agradecer por trabalhar com uma família formada por profissionais de diferentes segmentos dentro do design. Temos afinidade estética. Somos pessoas totalmente diferentes que conseguem ter essa harmonia na criação – quase nos falamos por telepatia. O olhar crítico deles é fundamental enquanto estou criando”, observa Denise, frisando que o fundamento da Fruto do Conde é trazer arte para as roupas.
Ela faz o que chama de arte-móvel. “Se não for assim, não tem por que fazer. Muitas vezes mando um esboço do que quero fazer para a Rebecca dar sua opinião com seu olhar apurado. Já teve coleção que fizemos juntas, inclusive”. Para criar, Denise sempre parte de uma ideia definida por ela.
Sou bastante exigente comigo mesma. Toda coleção tem um conceito, gostamos de contar uma história. Por isso fazemos uma pesquisa grande sobre o tema escolhido, que constituirá a base do desenvolvimento do novo trabalho. Fazemos tudo com amor e dedicação, quase devoção. Fico muito feliz ao ter cada coleção finalizada. A moda, para mim, é paixão – Denise Faertes
A paixão foi parar em um filme – no caso, o curta-metragem “Esperando o Quê?“, codirigido neste ano por sua filha e Davi Sanches Antunes. Com baixo orçamento, mas muita inovação, o curta contou com Denise assinando o figurino do curta, trabalho de final de curso na ABCine. “É um filme acadêmico. Fiz uma roupa bastante alegórica e Rebecca fez a paleta de cores”, conta.
Mas, afinal, o que uma engenheira muito bem-sucedida, com 35 anos de trabalho na Petrobras e como professora, tem a ver com moda? Tudo: “Somos o produto do que vivenciamos. Mastigamos o que percebemos, absorvemos e expressamos isso de alguma forma, preferencialmente de maneira bela. Como engenheira, cursei muitas disciplinas de desenho técnico e isso favoreceu na percepção das formas e de outros aspectos. Além disso, tive a oportunidade de viajar bastante pelo mundo, o que me trouxe novas referências, o refinamento do olhar e o aprimoramento como ser humano”.
Um aprimoramento que vem, também, de seu trabalho com pessoas carentes. “Antes de me formar em designer de moda pelo IED RJ (Istituto Europeu di Design), trabalhei como voluntária na ONG Pipa Social, fundada pela querida amiga Helena Rocha. Trata-se de um projeto incrível em Botafogo que gera emprego e renda para pessoas em estado de vulnerabilidade social e as capacita profissionalmente. Amo trabalhar com eles. Estamos sempre fazendo novas parcerias”, relata.
O projeto idealizado por Helena Rocha tem como objetivo proporcionar visibilidade a talentosas artesãs que moram em áreas de vulnerabilidade social, no Rio de Janeiro, para que elas possam viver da própria arte. Ao longo de quase 11 anos, o Pipa Social desenvolve o trabalho em 55 comunidades investindo em um Banco de Talentos de empreendedores sociais que trabalham com arte, artesanato e moda, para promover a qualificação profissional com geração de trabalho e renda, acesso à informação com consultorias exclusivas, e formalização nos negócios, cujos produtos começam a ser exportados.
Como eu já escrevi sobre o Pipa Social, diferentemente de muitos outros projetos que treinam, capacitam, dão um outro norte para aquelas pessoas, mas sem um acompanhamento posterior para que consigam viver da própria arte, o Pipa Social traz, em si, uma ligação com a longevidade, com o apoio à futura empreendedora. Afinal, é preciso sustentar o negócio até chegar à formalização. Pensando em como essas pessoas poderiam ter seu sonho realizado, Helena Rocha criou uma metodologia social baseada em geração de trabalho e renda, no acesso à informação de qualidade e a formalização dos negócios.
Filha de imigrantes, a designer Denise Faertes conta que seus pais tinham receio de ela não conseguir viver da pintura, como era seu desejo. Mística, é profundamente interessada na questão religiosa: “O manto sagrado, que serve de proteção para quem o vestir, recebeu a nota máxima no mestrado. Foi criado a partir de uma pesquisa que tenho feito há muito tempo sobre o misticismo afro-brasileiro e a cultura judaica. Sou judia e cresci em um lar com espiritualidade hebraica. Além disso, estudo a Cabala há tempos”. A coleção Arte Sacra, de moda medieval contemporânea, realizada há alguns anos, levou a evocação da linguagem da cabala para o vestuário junto com símbolos da fé católica.
Quando foi estudar em Milão, Denise participou de diversos eventos para entender como roupas autorais e conceituais como as suas sobreviviam ao mercado. Na época, a pandemia de Covid estava no auge na Itália, onde os profissionais de saúde precisavam escolher quem viveria ou não entre os idosos. “Eram escolhas tristes, foi uma grande tragédia. Nós voltamos para o Brasil e suspendi o curso por dois anos”, conta.
No entanto, a designer resolveu não deixar seu sonho para trás, retornando para a Itália no ano passado e encerrando os estudos com chave de ouro: “Foi muito além das minhas expectativas. O mestrado me ensinou muita coisa. E tive uma experiência humana incrível”.
Somos uma marca de slow fashion. Queremos algo identitário, algo de que as clientes gostem, que se sintam bem vestindo nossas roupas. Gosto de ateliê, pois as minhas peças são customizadas e cada uma delas é única. Além disso, acreditamos em um trabalho justo, feito com materiais sustentáveis. Também valorizamos muito a qualidade e a durabilidade – Denise Faertes
Em 2022, a convite da Secretaria de Cultura Municipal de Cabedelo, na Paraíba, Denise participou do projeto Cabedelo + Criativa, em que duas estilistas convidadas (além dela, Ludimila Heringer) fizeram uma imersão para criar looks e acessórios inspirados pela cultura local. A ideia era valorizar a identidade, a diversidade cultural, a inovação e o trabalho colaborativo: “Através do projeto SPFW Regeneração + Fluxonomia, do qual participei, fui indicada como fashion designer para fazer parte do projeto social coordenado pela Miriam Rocha, da empresa ACG Turística, e pela Secretaria de Cultura e Turismo do município para produzir peças com os artesãos e artesãs locais que pudessem ser feitas e vendidas por eles. Produzimos, em conjunto, almofadas, bolsas, blusas, foi incrível. Cabedelo foi uma experiência maravilhosa, adoro trabalhar com comunidades. E aprendi muito”.
Falando sobre o ID:Rio Festival, Denise falou sobre sua consideração e gratidão por Claudio Silveira, idealizador do evento. A história dos dois começa no encanto e na admiração de Silveira pelas peças únicas e bem trabalhadas da Fruto do Conde. “Considero o Claudio o maior incentivador de moda do Brasil”, elogia.
O ID:Rio Festival, evento multiplataforma de moda, cultura, capacitação e empreendedorismo que acontece em Niterói, é apresentado por Enel Brasil, com patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro e da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Apoio da Prefeitura de Niterói e da Prefeitura de Petrópolis, com realização da Equipe de Produção.
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