Fashion Rio fecha o inverno com Matisse surfando na R.Groove e o futurismo asséptico da Auslander


Quarto e último dia do Fashion Rio também marcou pela excelência de Andrea Marques, a casinha esperta da Espaço Fashion e as Filhas de Gaia saindo do casulo para borboletear a moda

Este último dia da maratona de Fashion Rio começou com os cinco designers escolhidos para concorrer ao Prêmio Rio Moda Hype. Em seguida, Andrea Marques mostrou novamente porque é uma das melhores criadoras do eixo de desfiles do Rio-Minas-São Paulo. Com shapes longilíneos e soltos, completamente inseridos dentro da cartilha minimalista da atualidade – a estilista não tem nenhuma dificuldade em transitar neste universo – ela fez uma das melhores composições de rosa escuro com bordô, um hit nesta temporada, que já havia sido belamente apresentada no desfile da 2nd Floor no dia anterior. E as estampas corridas e localizadas, de rostos femininos estilizados, podem ser consideradas, desde já, um dos grandes acertos da estamparia nesta temporada. Andrea foi feliz tanto na escolha do tipo de traço quanto nas brincadeiras de figura e fundo, em pegada surrealista, como no look em que os rostos, localizados nos ombros e colo, definem uma silhueta de um cardigãzinho curto sobreposto, quase um trompe l’oeil, já que as cores descem pelas mangas. Cool.

Em seguida, foi vez de uma mutação na passarela. Explica-se: as Filhas de Gaia, a dupla criativa composta por Renata Salles e Marcela Calmon, soube usar este assunto com duplo sentido e em proveito próprio. Além de ser o tema da coleção, com direito a estampinhas de borboletas e formas-casulo (tão em voga), serviu para elas evoluírem – como uma lagarta que se transforma em crisálida, para depois virar borboleta –, mostrando crescimento, já que na temporada anterior elas deixaram a desejar no quesito modelagem. Desta vez, a coisa fluiu e conseguiram conciliar sua necessidade de exibir looks exuberantes (apesar da cartela de cores sóbria desta coleção) com estampas bacanas, contemporaneidade (com certo aroma retrô) e bom resultado nos shapes. Destaque para os tricôs volumosos, já que, como grife associada ao grupo Maria Filó, as meninas têm acesso aos fornecedores de matérias-primas que são habituês na história de rede. Como sempre, bonitos os calçados do desfile, uma parceria longeva com Jorge Bischoff.

O bem-estar doméstico foi o ponto de partida para a Espaço Fashion criar sua coleção. Mas se engana quem pensou no aconchego do lar, com aquela interpretação óbvia, meio comercial da Molico de “estar de bem com a vida”, cheia de texturas quentinhas e muitas cores clarinhas, que indicam uma harmonia exterior-interior. As tonalidades leves, como branco, gelo e verde-maçã, até estavam lá, mas junto de preto, ocre, índigo e mertiolate, já que a levada do desfile foi a construção do lar como um espaço para se sentir bem. Daí, um conjunto de peças geométricas que reproduzem os rabiscos das plantas arquitetônicas e prints de tomadas, interruptores, chaves, grades sanfonadas de janelas e a parafernália de elementos usados na construção das casas. Tudo com a levada moderna da marca, restando agora uma curiosidade: saber como a grife vai transportar este conceito para as peças comerciais que pipocarão nas vitrines e araras daqui a quatro meses.

Rique Groove tem se revelado um ótimo criador de moda masculina, sabendo juntar no mesmo balaio itens conceituais com outros de apelo comercial, sportswear hypado e boa alfaiataria. Melhor até mesmo do que outras marcas maiores, com investidores e cadeia de lojas, que começaram bem no Fashion Rio, no quesito design, e hoje se rendem às agruras do mercado, mantendo boa imagem, mas pasteurizando o sortimento. Agora, a R.Groove trouxe seu streetwear  para o balanço do jazz e ainda inseriu elementos de Henri Matisse nas estampas praianas. Boa sacada, já que a marca sabe fundir o estilo urbano com o surfe e o pintor francês costumava trazer em seu repertório aquelas viagens idílicas por praias tropicais, com quadros repletos de coqueiros, conchas e siris estilizados. Com uma coleção que soube espertamente brincar com o colorido náutico bleu-blanc-rouge de forma divertida, Rique aponta sua bússola para as vendas certeiras nessa cartela de cores, mas foge da mesmice. Nos pés dos meninos, a Converse fez bonito. E os couros tinham uma parceria com a fera Patricia Viera. Valeu!

Fechando a noite e o evento mais uma vez, Ricardo Bräutigam investiu em um futurismo menos óbvio do que seria de se esperar de uma marca que aposta na modernidade. Mas, claro, estamos falando de uma época na qual os anos 1990 regem a orquestra e os exageros oitentistas de figurinista de ‘Star Wars’ não combinam muito com a releitura sci-fi da grife, sendo preferível investir na babel multicultural urbana de ‘Blade Runner’ ou na síntese minimalista de ‘Star Trek’. A Auslander veio nessa pegada mais seca, com muito preto & branco (uma influência que tem predominado nos últimos desfiles da marca), apelando para um (ótimo) recurso que lhe é tão caro: a trilha sonora ao vivo, desta vez a cargo da ruivinha sueca Beatriz Eli, prova contundente de que os países nórdicos têm muito mais a oferecer do que design de móveis, avanço nas questões sociais, louras peitudas e o bacalhau. A marca mostrou amadurecimento no estilo e já foi o tempo em que a gente ouvia o povo brincando, dizendo que os desfiles da grife eram de camisetas e calças jeans valorizados por truques de styling. Felizmente, esse tempo passou. E, se o design da marca viaja para um futuro incerto, menos rocker e mais limpo, está aberto espaço para Carla Biriba carregar mais na maquiagem conceitual. O resultado foi um show!

Fotos: Agência Fotosite