Muita água ainda vai rolar nesta edição de inverno 2014 do Fashion Rio. Nos sentidos literal e figurado. Apesar da incessante chuva torrencial, amplificada pela enorme dificuldade de se chegar ao Píer Mauá, local (pessimamente) escolhido para o evento por conta da obra de demolição do Viaduto da Perimetral e a incapacidade da Prefeitura do Rio em lidar com soluções eficientes para resolver problemas de trânsito (engarrafamentos colossais dignos de Nova Délhi, agentes mal informados e perdidos que atrapalham o fluxo de veículos, guardas de rua possivelmente recrutados em circos – só faltam usar bola vermelha no nariz –, logísticas inoperantes com estratégias para inglês ver e ausência de taxistas, que se queixam das autoridades e ameaçam boicotes, além da inexistência de transporte público), os convidados, entre profissionais do meio, fashionistas e curiosos, arriscaram na peruca e, mesmo com o aguacéu, compareceram em massa para conferir as novidades apresentadas nos três desfiles desta quarta-feira, mas, também, os lançamentos do Salão Bossa Nova Moda e Negócios, que vai até sábado. Este, com cerca de 150 expositores reunidos nos Armazéns 2 e 3 do Píer, onde está concentrado (concentrado não, espalhado, tal o tamanho!), é a feira de business que fundiu os antigos salões Prêt-a-Porter e Fashion Business e impressiona pela dimensão.
São esperados 15 mil visitantes, e os expositores preparam o diabo para receber os compradores, com Carlos Miele oferecendo uma expô dos looks desfilados na Semana de Moda de Nova Iorque e a espanhola Desigual, destaque na última edição do evento, com um “túnel de pintura”, com dois designers espanhóis customizando camisetas, além de bar de frutas e espumantes. O artista plástico Derlon Almeida grafitou um imenso painel para a Vert no Armazém 3, inspirado na literatura de cordel e todo este rebuliço é positivo, pois revela os esforços dos participantes para atrair a atenção do público com happenings, aproximando o aspecto comercial do evento daquelas exposições universais que aconteciam em Paris na virada do século passado e que, depois, pipocaram pelo mundo afora. Comércio e arte, quando andam de mãos dadas, fomentam o business, não é mesmo? E, afinal, o Píer Mauá tem se consolidado como um local com vocação para arte, sediando eventos importantes como o Festival do Rio (de cinema) e o Art Rio (bolsa de negócios de galeristas). Pena mesmo somente o fato de a Prefeitura ter se revelado o quartel-general do Bozo e sua trupe, despreparada para lidar com grandes eventos durante o circo das obras de planejamento urbano da cidade.
Fora os transtornos na ida e na volta, o Fashion Rio apresentou, nesta noite, três grifes muito diferentes entre si, quase um microcosmo da diversidade de DNAs que caracteriza o line up dos desfiles. Patrícia Viera foi a primeira a entrar em cena, com uma coleção pesquisada em Santa Fé, na fronteira dos Estados Unidos com o México. Evidentemente, ela transformou em couro a estética tex mex, um clássico da moda, esbarrando de leve, ainda, na pegada com jeito de motoqueiro californiano, já que abusou de belas jaquetas em couro, prato cheio para a grife. Mas, no âmbito geral, a designer primou pelo étnico, trabalhando o couro em diversas técnicas diferentes, entre elas, prints e foils, procurando traduzir a cerâmica de povos ancestrais do Novo México, como os anasazi e os mogollon, alguns surgidos antes de Cristo e todos desaparecidos entre 1300 e 1450. No mais, os calçados desenvolvidos com a Schutz e as joias, com Carla Amorim, eram lindos, mas foram os bordados de cristais criados em parceria com a Vivaz que deixaram as ricas na plateia com os olhos tilintando.
Fotos: Agência Fotosite
Além disso, ela também usou como inspiração os belos florais da artista plástica Georgia O’Keeffe, um baluarte da pintura americana no Século XX que influenciou muito a rapaziada da contracultura. Em sua corridinha easy rider, Patrícia foi mais longe, fumou seu cachimbo da paz e, em uma epifania fashion, trouxe até referências da guru xamânica de O’Keeffe, a líder espiritual Chris Griscom. Deve ter dado certo, com a estilista e seu stylist, Felipe Veloso, alcançando rapidinho o nirvana, pois a coleção estava linda. Ao som de Mark Knopfler e seu Dire Straits, as modelos evoluíram em um chão de barro no balanço de ‘Sultans of Swing’, em uma sequência de coloridos bonitos com verdes, roxos, uvas, cobalto, fúcsia, ocre, mostarda, terracota e café, além do ouro que as clientes amam e o prata que sintetiza a volta aos anos noventa. Compareceram vestidos longos e longuetes, saias curtas e midi, mais jaquetas, camisas e calças com jeito de descendente de índio que foi morar em uma São Francisco descolada, com presença forte do mix de estampas tribais, zíppers aparentes e muitas franjas.
Em seguida, Alessa exibiu uma coleção baseada na arquitetura, no trabalho bacana de Paulo Mendes da Rocha, com menos prints do que de costume, apenas algumas belas estampas fotográficas que reproduzem pedaços de ambientes arquitetônicos. Tudo muito preto, branco, cinza, um pouco de carmim. Linhas simples, já que a simplicidade chique do arquiteto vai de encontro à limpeza que a estilista curte nas formas. Agora, ela brincou com geometrias amplas e misturou suas sedas estampadas com alfaiataria em neoprene, além de renda, outro forte seu. Mas a modelagem da peças com textura de tweed podia ter ficado mais caprichada e, apesar da riqueza da estampa, sentimos falta do colorido que já se tornou sua marca irreverente, assim como sua divertida entrée finalle, que não aconteceu porque ela está grávida de quatro meses de Antonia, precisando repousar seu lado serelepe.
Fotos: Agência Fotosite
Fechando a noite (aliás, quase madruga), Victor Dzenk voltou ao Fashion Rio, ausente desde 2010, motivo para dupla comemoração, pois também fez niver ontem. Victor, já havia desfilado há cerca de um mês atrás no Minas Trend, apresentando uma coleção marroquina que evoluiu para esta nova, feita em 22 dias. Mantendo ainda o start árabe, ele adicionou pitadas dos anos oitenta, homenageando, inclusive, Jean-Paul Gaultier com jaquetas negras vazadas. E, já que o estilista francês foi revisitado por Dzenk, foi coerente a linda presença de Letícia ‘blondie ambition’ Spiller, com cabelos na cor daqueles que Madonna usou na turnê na qual Gaultier desenhou os figurinos. Duplo revival na passarela e na platéia, não é? Além da global, Luciano Szafir, Sheron Menezes, Babi Xavier, Antonia Fontenelle, Liège Monteiro e Bethy Lagardère apimentaram a primeira fila. E, no palco, o gogó de Yann Hatch abriu e fechou o show, em um mash up eletrônico de Eurythimics com Britney Spears. Yann é filho da atriz Claudia Alencar e o conheço desde quando ele era criança e estudava no Eliezer Steinbarg Max Nordau. Bom ver ele bombando agora, ainda mais com um tipo de música que casou com uma das inspirações de Victor, o compositor Giorgio Moroder, um dos precursores da eletrônica há trinta anos atrás.
Fotos: Vinícius Pereira
Com a tops Renata Kuerten e Flávia Oliveira encabeçando um casting que podia estar mais caprichado (já que esperamos sempre muito do estilista), Victor enveredou pelo sportswear de luxo que está na moda, mas, ao invés de assumir o moletom cinza-mescla, foi direto no luxo do preto com aplicações em pedraria. Nesse souk marroquino do designer, há espaço para misturas exóticas: sobre o estilo étnico, ele inseriu o brilho dos anos oitenta, ilhoses punks e até referências déco, como borlas na barra dos vestidos ou, ainda, penduradas nos oito modelos de clutches, lindas! E mais: rolaram uma estampa de animal print com cashemere e outra com nuances de cobalto, que ele chamou de lázuli, para elas, enquanto, para eles, ele desenhou uma de serpente. Na edição de moda, claro, havia aqueles vestidos esvoaçantes, caftãs e variantes de túnicas que lhe são caros, além de boa alfaiataria, maiôs e sungas. Boas peças, valorizadas pelas maxi bijoux e viseiras em acrílico marmorizado, desenvolvidas em parceria com a Aramez. Depois do desfile, como a chuva não dava trégua, muitas convidadas assumiram essa inspiração árabe de Victor e, para proteger as madeixas na saída do Cais, incorporaram as muçulmanas, usando lenços e pashiminas como chador, enroladas na cabeça. Salam!
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