Fashion Business Rio traz o fôlego necessário à moda carioca, enquanto dá oportunidade a grandes marcas e visibilidade a novas grifes


Sob o tema “Tempo, tempo, tempo”, o evento organizado por Eloysa Simão ocupa o Píer Mauá até amanhã e reúne 40 marcas. HT deu um giro pelo local na sua tarde de estreia e descobriu como a indústria do Rio de Janeiro tem encontrado maneiras alternativas de driblar a crise, ao mesmo tempo em que tenta se erguer sem um calendário oficial de lançamentos

Com 40 marcas distribuídas pelo Armazém 2 do Píer Mauá, a nova edição do Fashion Business Rio, organizado por Eloysa Simão (leia aqui uma entrevista exclusiva com ela), oferece o primeiro passo para a retomada da moda carioca como grande vitrine de tendências no mercado nacional. O evento conta com uma extensa programação além do salão de negócios, que inclui ainda uma exposição de novos fotógrafos, batizada “AgoraSempre”, com curadoria de Bel Lobo, um desfile de cinco jovens estilistas e palestras voltadas para a gestão e o empreendedorismo em tempos de crise, através do Festival Bossa Nova. HT deu um giro pela Zona Portuária durante a estreia do FB, na tarde de terça-feira (dia 27), e pode conferir que, mesmo em tempos de recessão econômica e falta de um calendário oficial da moda carioca, pequenos e grandes empresários têm encontrado maneiras alternativas de sair ganhando, provando a força da indústria criativa para o panorama geral.

Não por acaso, o tema desta edição do Fashion Business é “Tempo, tempo tempo”, uma forma de questionar não apenas para os problemas contemporâneos, mas também vislumbrar as mudanças iminentes que permeiam todas as esferas sociais, das relações interpessoais à forma como o mercado tem se reinventado. Como a própria Eloysa declarou ao HT: “Estamos em um período semelhante ao que antecedeu a Revolução Industrial e sentimos que tudo vai mudar: a velocidade da informação, a forma como as pessoas vivem, a forma como elas se vestem e até como amam. A moda, por outro lado, está passando por esse processo com muito menos velocidade do que o resto”.

Fashion Business Rio reúne 40 marcas organizadas no Armazém 2 do Píer Mauá (Foto: Divulgação)

Fashion Business Rio reúne 40 marcas organizadas no Armazém 2 do Píer Mauá (Foto: Divulgação)

Durante a mesma conversa, Eloysa Simão ainda declarou que a prioridade da moda carioca, hoje, é vender. E, por onde se olha no Fashion Business, parece que o objetivo está sendo alcançado. No estande da Blue Man, por, exemplo, a diretora comercial, Priscila Lago, explica como o formato do Fashion Business favorece o contato com o comprador: “Conseguimos ficar mais próximos do cliente e apresentarmos a coleção dentro de uma ‘embalagem’, mostrando o diferencial da nossa marca como se estivéssemos em uma loja-conceito”. Uma das principais referências de moda-praia no Rio, a grife criou um Inverno 2016 inspirado em diferentes etnias do mundo, da África à Ásia, passando pela Oceania e Brasil, com referências às diversas culturas e, claro, sem esquecer a clássica arara em algumas peças, como explicou o analista comercial Felipe Teixeira.

Em números, a Blue Man ilustra o caso perfeito de como o cenário econômico atual anda frágil. “O beachwear começou o ano de 2015 um pouco tímido, mas, agora, as regiões onde o sol já está aparecendo, como o Sudeste e Centro-Oeste, estão fazendo seus pedidos. Não tem como ser diferente, até por que a nossa moeda de troca é o sol”, explica Priscila, que entre janeiro e outubro teve uma queda de 15% nas vendas, em comparação ao mesmo período de 2014. Para ela, há um grande empecilho no caminho da moda carioca: “Agora, acho importante nos unirmos e nos fortalecermos, juntos, para voltarmos a sermos o que éramos. Sinto que falta um pouco de união e companheirismo entre as marcas cariocas”.

Um dos principais nomes de referência da moda nacional e responsável por alguns dos desfiles mais elogiados ao longo do Fashion Rio, Victor Dzenk se mostra empolgado com a volta do Fashion Business, evento no qual ele participa desde a primeira edição: “Esse é um retorno importante para a indústria, porque o Rio é um pólo diversificado e essencial para a moda. Mesmo com o cunho comercial que o FB tem, acredito que, já na próxima edição, possam existir mais ações como os desfiles. E o objetivo é sempre crescer. A ausência de um calendário de moda oficial provoca uma falta inevitável para quem trabalha no setor. Mas acho que, aqui, com os pés fincados no Píer Mauá, a moda carioca começa a dar um passo para voltar a ser enaltecida como antes”, opina.

Apesar da crise, grifes têm encontrado maneiras alternativas de manter as vendas e se reinventarem no mercado (Foto: Divulgação)

Apesar da crise, grifes têm encontrado maneiras alternativas de manter as vendas e se reinventarem no mercado (Foto: Divulgação)

Responsável por uma das grifes mais conhecidas entre os cariocas e de grande projeção nacional, Carla Cavendish, fundadora da marca que leva seu sobrenome, comenta que a expectativa para o FB é grande, ao mesmo tempo em que sua grife consegue ir contra a maré da crise: “Ela nem passou na nossa empresa”, diz, satisfeita. Entretanto, ela sente que, sim, é importante para a capital carioca voltar a ter seu calendário oficial: “Assim os compradores podem se organizar, o mercado pode se ajustar às datas etc. O que não dá é para ficar nessa dúvida de ‘tem ou não tem?’. Não acredito que haja ‘a moda carioca’, porque isso depende do posicionamento de cada grife, o que nunca é o mesmo”, avalia.

Quem também conseguiu driblar a tal crise é Isio Feldman, um dos sócios responsáveis pela Afghan. “Hoje, a moda, principalmente a carioca, vive um momento difícil. Nós estamos nos esforçando para melhorar os preços e manter a qualidade, e os resultados têm sido muito satisfatórios. O FB, assim como qualquer outro evento que tenha o apoio do governo, é muito bem-vindo. Só agora, no primeiro dia, já consegui conquistar seis clientes novos. Acredito que o segredo seja fazer peças que encantam”, conta.

Também inserida na boa maré para os negócios está a Maria Filó, como conta Camila Rezende, gerente de multimarcas com 18 anos de experiência no mercado: “Em 2014 tivemos um ano muito difícil, se compararmos a 2013. Agora, já contamos com um crescimento de 9% nas multimarcas, em relação ao ano anterior. No nosso caso, a produção aumentou, investimos em novas bases tecnológicas e conseguimos apresentar um preço menor para o nosso cliente, que pôde aumentar a sua margem de lucro vendendo as peças pelos mesmos valores de antes. Não gostamos nem de ouvir a palavra ‘crise’, preferimos apostar no otimismo”, ri.

Um novo olhar:

Durante o Fashion Business Rio, cinco novos estilistas irão desfilar pela primeira vez na Praça Mauá (foto: Divulgação)

Durante o Fashion Business Rio, cinco novas grifes cariocas irão desfilar pela primeira vez na Praça Mauá (foto: Divulgação)

Além das grifes já firmadas no cenário da moda nacional, o Fashion Business desempenha o importante papel de abrir espaço para quem se insere no mercado, fomentando assim um setor que se baseia na renovação constante de todas as suas áreas. Mais ainda, ao promover o primeiro desfile de cinco grifes cariocas, o evento também oferece a vivência não só comercial, mas também criativa da indústria.

É o caso de Helena Pontes, uma das criadoras que irá estrear na passarela. “Estou animada para apresentar a moda autoral no Rio. Sinto que esse evento promove uma grande abertura para os jovens estilistas, é como um sopro de rejuvenescimento. Principalmente por estar aqui ao lado de marcas tão grandes, me faz acreditar que é possível viver de moda”, diz a estilista, que fundou sua própria grife homônima há cerca de três anos.

Sobre os empecilhos financeiros de 2015, Helena não deixa a peteca cair: “Não estou tão temerosa assim, acho que as pessoas criam um monstro muito maior do que a realidade. Acredito que basta apresentar algo diferente, novo e em que você acredite. A chave é sempre ter um trabalho com qualidade. Na minha marca, por exemplo, há uma continuidade ao longo das coleções”, explica a estilista, que para o Inverno 2016 se inspirou no coletivo londrino do século XX, “Working shops”, traduzido em estamparias e modelagens amplas.

Há cinco anos criando e há três inserido no mercado, Marcel Gonçalves, fundador da Cabron, conta como tem sido a preparação para o début da grife nas passarelas. “Estamos levando de forma bem natural. Temos a nossa própria identidade, e sempre trabalhamos com o p&b e as escalas de cinza, criando peças autorais e conceitos integrados. Nosso objetivo é usar essa plataforma do desfile como uma oportunidade de passarmos a nossa mensagem, tanto que decidimos não usar modelos e fazermos um casting de pessoas ‘normais’, como skatistas, artistas, músicos e arquitetos que já são envolvidos com o nosso universo”, explica.

Para ele, a participação no Fashion Business já é vista como um marco dentro da história da grife: “É uma vantagem estarmos inseridos em um evento desse porte, porque assim conseguimos praticar esse formato de ‘empresa’, o que já é um crescimento. O FB envolve um mercado de moda mais complexo e, ao mesmo tempo, não bloqueia os novos criadores, mas fomenta nosso trabalho. Por enquanto, continuamos mais preocupados com o conceito das peças, para quem estamos vendendo e o que estamos vendendo, mais do que em nos tornamos uma grande corporação”, conta, enquanto explica que suas coleções não têm estações definidas – palmas para o conceito de atemporalidade – e, para o desfile, ele irá apresentar as peças inspiradas no tema Caos.

Benta Studio ilustra case exemplar de empreendedorismo em tempos de crise (Foto: Divulgação)

Benta Studio ilustra case exemplar de empreendedorismo em tempos de crise (Foto: Divulgação)

Também presente no line-up de desfiles, a Benta Studio, das amigas Gabriela Garcia e Maitê Lacerda, comemora dois anos de atividade, após começar como uma iniciativa que criava estampas para lenços. Em um daqueles casos instigantes de empreendedorismo, as sócias começaram a despertar o interesse de amigas e, logo, passaram a imprimir as imagens em vestidos, até chegarem hoje à sua terceira coleção, que levará a inspiração da Índia para a passarela do FB. “Esse é o primeiro contato da grife com o atacado, então estamos sem muitas expectativas. Nosso objetivo é mostrar o DNA da marca e o talento das meninas, mais do que vender”, explica Fernanda Junqueira, consultora da grife.

Tendo uma experiência de mais de 10 anos no mercado da moda, Fernanda comenta que há três pontos principais para um novo empresário conseguir driblar a crise: “Criatividade, qualidade e preço de combate são itens essenciais. Acho triste e assustador não termos um calendário da moda carioca, mas acredito também que o momento é propício para nos reinventarmos”, avalia.

Com 11 pontos de venda espalhados por Rio, São Paulo e Chile, e apoiada no conceito de levar um beachwear que seja usável em diversas ocasiões ao longo do dia ou da noite, a Haight também integra o line-up oficial de desfiles do Fashion Business. Sua fundadora, Marcella Franklin, que já traz uma experiência prévia trabalhando para a Ausländer, conta para HT: “Todo mundo sabe que há dificuldades no mercado, mas elas são muito maiores do que todos desconfiam. É preciso querer muito, para conseguir que dê certo. No meu caso, trabalho apenas com uma assistente, então acabo cuidando do design, do marketing, da administração, do financeiro… É preciso trabalhar o triplo para fazer acontecer”, explica.

Para Marcella, a crise não chega a afetar tanto as novas marcas, que podem até se beneficiar do momento: “Acho que, por sermos novidade, acabamos atraindo mais os clientes, porque vale muito investir em uma marca nova. Estar nesse evento, por exemplo, é uma ótima oportunidade de ganhar mídia nacional, uma vez que o público brasileiro quer consumir o que se veste no Rio. A Haight atende um nicho mais globalizado, da mulher que presta atenção em outras culturas, mas sem perder essa essência carioca”. Em sua primeira experiência solo com as passarelas, ela não nega os desafios do projeto, mas também não deixa de agradecer o companheirismo dos colegas: “Olha, falando sinceramente, tudo dá errado!”, ri. “Tenho dormido cerca de três horas por noite, mas a gente se vira nos 30 e consegue que dê certo no final. Sinto que os empresários pequenos se fortificam entre si, se unindo e dividindo experiências, o que ajuda bastante a aguentar o tranco”.

Ali, no mesmo estande, a Handred, criada por André Namitala há três anos, também se preparava para subir pela primeira vez à passarela. “Já estou com a coleção pronta e já tinha desenvolvido algumas peças mais autorais para outros eventos, então o ritmo está tranquilo. Vou apresentar um desfile bem resumido, com apenas 10 looks, mas mostrando o que eu tenho a dizer sobre a moda masculinas e também sobre o unissex”, conta André, que aposta em peças atemporais, sem modismos e com tecidos naturais. Após participar de feiras no Rio, em São Paulo e em Paris, e de conseguir montar um showroom em Tóquio, o estilista fala um pouco sobre suas experiências internacionais: “O mercado europeu é muito fechado, mas esses eventos serviram para me dar um conhecimento maior da indústria no exterior, além de uma boa projeção”, conta.

Apesar de estar há pouco tempo no mercado com sua marca própria, André Namitala também carrega uma experiência prévia na Aüslander e comenta sobre a situação atual da moda carioca: “Estamos sim em crise, mas acredito que existam gaps a serem preenchidos. Não dá para fazer loucuras nas criações e é preciso diminuir os custos. Eu, por exemplo, tenho uma estrutura menor, apresento coleções enxutas e não desperdiço material”. Sobre o Fashion Business, ele declara: “Acredito que qualquer proposta de reerguer o mercado carioca seja válida, e enxergo isso como uma ‘ressurreição’. Estar aqui, ao lado de grifes já estabilizadas, é como se eu estivesse fazendo uma captação do mercado e das multimarcas. Não vendo para redes muito grandes, até porque eu tenho uma pegada mais cosmopolitana, mas também acho que seja bom começar em escala pequena para não me atropelar”, aponta.

Fomentando ainda mais a indústria criativa para além da capital, o estande “Rio Sem Fronteiras” reúne nove marcas inseridas fora do grande circuito carioca, em polos que vão de Teresópolis e Niterói a Barra do Piraí e Valença. Sob o comando e curadoria do estilista e visual merchandising Felipe Rocha, o objetivo do espaço é trazer novas propostas e vivências para o centro dos acontecimentos. “A ideia surgiu ainda em 2009, quando realizamos um circuito de palestras chamado ‘Núcleos Criativos’. Ficamos um tempo parados e, agora, voltamos ao FB. Essa inserção no mercado é essencial para que esses empresários possam ter uma experiência real do mercado e terem não só visibilidade, mas também a chance de crescerem”, explica a HT.

Além de fomentar a indústria com marcas estabilizadas, Fashion Business Rio também abre espaço para grifes cariocas iniciantes e outras fora do circuito central do RJ (Foto: Divulgação)

Além de fomentar a indústria com marcas estabilizadas, Fashion Business Rio também abre espaço para grifes cariocas iniciantes e outras fora do circuito central do RJ (Foto: Divulgação)

Participando do evento pela sexta vez, Cristina Daher, parte do “Rio sem fronteiras”, comenta: “Esse é um evento nacional e temos uma expectativa muito grande, ainda mais se considerarmos que a moda do Rio estava parada. O carioca atrai o olhar do mundo todo com a sua forma peculiar de se vestir”. Simone Galotto, que também expõe suas bijuterias no estande, faz eco às observações da colega: “No ano passado, a essa época, já estava acumulando pedidos de atacado. Agora, acredito que tenha sofrido uma queda de 60% nas vendas em comparação a 2014. O cenário está muito preocupante, mas o evento ajuda a reforçar o nosso trabalho. Tanto que já tive alguns pedidos de pronta-entrega no primeiro dia”, revela.

Enquanto isso, Alexandra Barros, que produz acessórios artesanais com materiais como palha e rami, ainda conta para HT que, apesar de estar inserida no mercado há apenas um ano, mantém o otimismo: “Acho que é na crise que os compradores começam a olhar para o empresário pequeno. Aqui, nessa experiência, sinto que tudo é muito novo, mas ao mesmo tempo sei que estou tendo uma projeção dentro da indústria”, aponta.

Fica claro para qualquer um que caminhe ao longo do Armazém 2 que, sim, a moda carioca consegue se estruturar em tempos de crise e que, para tal, a ajuda de eventos como o Fashion Business se torna imprescindível para que o mercado não caia na mesmice ou perca a sua criatividade par questões financeiras. Seja através da criatividade do sangue novo ou pela consolidação de grifes que ajudaram a criar a história da indústria fashion no Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa mostra mais do que o potencial e a capacidade, mas também a vontade de se manter como referência no Brasil e no mundo.