Exclusivo! Paulo Borges cobra um Plano de Estado para a moda brasileira e dispara: “O governo federal não ajuda, não ouve e os impostos são aviltantes”


Durante a abertura da 20ª edição da São Paulo Fashion Week, Paulo, mente pensante e atuante por trás do evento, entregou ainda para HT seu novo projeto na área musical: um espetáculo de Carlinhos Brown que estreia no dia 15 de novembro, em Salvador (BA): “Será uma ópera em pleno sarau que ele faz no Verão. Vai até o carnaval, um domingo sim e, outro, não”

“O grande problema da moda há anos é a falta de visão de um plano de governo”. A frase é de Paulo Borges, idealizador, diretor criativo e todo-poderoso da São Paulo Fashion Week. Há 20 anos comandando a maior semana de moda da América Latina, ele, que foi responsável pela criação de um Calendário Fashion de todo o país, abriu um tempo em sua agenda durante a semana mais atribulada de seu ano, para uma conversa franca, emocionada e exclusiva com HT durante o start da 20ª edição da SPFW, no Edifício Matarazzo, atual sede da Prefeitura de São Paulo, no Centro histórico, que teve o desfile de Alexandre Herchcovitch. Para começo de conversa, quisemos saber de Paulo quais são os reflexos que a recessão econômica está causando na indústria fashion brasileira. Segundo ele, “a questão econômica não é a única dificuldade”. E explica o por quê. “A economia, com cenário de retração, é só mais um obstáculo. No Brasil, a moda tem de ter, a longo prazo, um Plano de Estado que pense em inovação, conhecimento, produção e mão de obra”, avaliou, quase que como uma mensagem com destino correto: o Planalto Central.

SPFW

Apesar de encarar a crise como “momentânea”, Paulo nos disse que tem plena ciência de que o “grande programa é a falta de visão” dos responsáveis pelo executivo nacional. “O governo federal não ajuda, não ouve e os impostos são aviltantes. Essa recessão é, novamente, pontual e econômica. A grande crise da moda está sendo discutida há três décadas. O Brasil tem sérios problemas e a moda só catalisa uma série deles: falta de valorização de mão de obra, de cultura, de educação”, enumerou.

Apesar de avaliar esse cenário aparentemente pessimista, Paulo Borges garantiu: “Eu não sou uma pessoa catastrófica”. Por isso, ele continua convocando 29 grifes na atual temporada de Inverno e coleciona números invejáveis: em 40 edições, ajudou a girar investimentos que superam R$ 1 bilhão, fez circular mais de três milhões de pessoas ao longo de tantas edições e já alcançou, só por meio de conteúdos pela TV e internet, um bilhão de pessoas em mais de 100 países. E não só: a mídia espontânea gerada pelo que acontece na São Paulo Fashion Week gera um resultado de R$ 1,5 bilhão no território nacional e mais de US$ 80 milhões internacionalmente. “Isso é reflexo de resiliência total. São poucas as pessoas que tem coragem de dizer: ‘Vamos fazer!’. E eu não sou uma pessoa catastrófica. Tenho uma visão muito em mutação. Vou fazendo, me reorganizando, me adaptando aos cenários e fazendo com que as coisas aconteçam”, explicou.

Comportamento de quem já extinguiu a zona de conforto há anos, como bem falava com HT desde 2012: “A verdadeira mão que transforma é a do estilista que cria uma nova imagem, da empresa que busca novas maneiras de distribuição e acredita que a sustentabilidade já é irreversível”. Agora, em 2015, ele continua com a mesma opinião, mas sabe que é preciso uma postura das autoridades. “A indústria de criação precisa ter um ambiente onde educação, cultura, conhecimento e produção façam parte de um Plano de Estado. O Brasil têm muita indústria e, por isso, vai andando. Mesmo com o governo não fazendo nada, o país vai, aos trancos e barrancos, seguindo em frente. Mas tem hora que é impossível. A gente já poderia estar num patamar da indústria da moda muito acima do que já alcançamos. Mas os impostos são altíssimos, a estrutura é precária, e isso é como uma corrente pesada que prende as pernas dessa indústria. No entanto, os empresários da moda não desistem. Eles se reinventam a cada dia”, analisou.

Nada que, no entanto, faça Paulo Borges perder o brilhos nos olhos. Tanto que o tema desse Inverno 2016 é “Do princípio ao fim”, no qual o evento faz uma ode aos processos e as singularidades do fazer a mão. Com a moda cada vez mais humanizada e antropológica, o poder do ser está no fazer, nos elos que se constroem a partir destas relações. Para Paulo, a melhor forma de projetar novos olhares e emitir essas reflexões é com “resiliência total”. Ainda mais no momento em que vivemos. “Estamos falando de processos. Do princípio ao início pressupõe um ciclo. Ao longo destes 20 anos sempre trabalhamos com a ideia de compromisso, planejamento e longo prazo. Sempre apontando para o futuro, que é o papel inovador da moda. Nada se constrói sem essas premissas e é nesta perspectiva de tempo e perseverança que as coisas acontecem”, explicou ele, que fez questão de deixar claro: “Nosso papel é e continuará sendo instigar e provocar esta liberdade de criação com foco em mercado e inovação”.

Crises à parte, Paulo deixou transparecer em nossa conversa uma aura de forte emoção. Ao assistir o desfile de Alexandre Herchcovitch abrindo a 20ª edição de Inverno 2016; por exemplo, qualquer desses problemas supracitados são pontos a motivarem as pessoas a arregaças as mangas. “Essa energia, da hora que acende a luz, e que você vê encantamento, disposição criativa, insistência no fazer, proporciona perseverança. Cada um, nesse quebra-cabeça da moda, tem uma função: o do jornalista é de difundir,o meu é de fazer acontecer, o de outro é de criar, produzir”, disse. E se o espetáculo o leva a sorrir, a família faz os olhos marejarem. Se o assunto for o filho, Henrique Borges, então…”Ser pai mudou tudo na minha vida. Muda a sua paciência, o seu tom de voz e as prioridades. Amor de pai não tem tamanho. O Henrique é, completamente, a minha vida”, declarou emocionado durante a conversa. Tamanha paixão será traduzida em um livro que conta sua história sobre o seu encontro com o menino. “Eu quero falar o que é adoção, porque as pessoas pensam que você quer escolher um produto, que é o filho ideal. E não é assim. O Henrique já estava predestinado a ser meu filho, eu não o escolhi, escolheram ele para mim. Adoção é você se permitir acolher”, ensinou.

E, Paulo, ao se dar essa permissão, já passou a pensar lá na frente, fazendo aquela tradicional pergunta: “Que futuro eu quero para meu filho?”. “Cada um constrói o seu mundo. Estou dando autonomia a ele. Não quero esse mundo em que estamos vivendo hoje. Aliás, ninguém quer. E não falo de Brasil, e, sim, no geral”, lamentou. Um dos fatores para esse questionamento da realidade social? A comissão especial que discute o Estatuto da Família na Câmara dos Deputados ter aprovado um texto que define família como a união entre homem e mulher. “Eu acho uma hipocrisia a imprensa não dizer que aquilo não vale nada, é balela, palanque político desses deputados e senadores fazendo plateia para seus currais de eleição. Não adianta eles votarem nada ali, porque o Supremo Tribunal Federal decidiu outra coisa e está na constituição. A lei não é aquilo. Já está decidido que o que vale é encontro de dois seres humanos. E isso eles não vão mudar. O resto é bobagem”, afirmou.

Paulo Borges

Enquanto luta e idealiza um mundo melhor, Paulo Borges continua expandido suas áreas profissionais. Depois de organizar a comemoração pela quatro décadas de carreira de Fafá de Belém, e ter sido uma das mentes pensantes por trás do show “Rainha dos Raios”, de Alice Caymmi; ele agora se prepara para aportar na Bahia de Todos os Santos. Em pleno Museu do Ritmo, em Salvador, ele está à frente do novo espetáculo de Carlinhos Brown, que estreia no dia 15 de novembro. “Será uma ópera em pleno sarau que ele faz no verão. Vai até o carnaval, um domingo sim e, outro, não”, adiantou ao HT. Acha que é só? O projeto de um livro de fotografias abordando a beleza da raça negra também está na pauta de Paulo, só aguardando os próximos passos após aprovação de captação de recursos pela Lei Rouanet, do Ministério da Cultura.

Papo vai, papo vem, Paulo Borges ainda tem uma semana de moda inteira para cuidar até a madrugada do dia 23. Mas, boa conversa que se preze, não termina sem uma história daquilo que, como aqui contamos, o faz ter força. “É engraçada essa molecagem de hoje, que fala umas coisas de adulto. Ontem à noite, o Henrique, meu filho, estava jogando um game ‘The Walking Dead’ e me perguntou o que era bomba, aquela que fica forte? Eu disse que bomba é química, que faz mal para o organismo. E falei: “Não pense nisso, você nunca vai tomar um negócio desses. Isso mata!. Então é uma conversa de adulto com uma criança de 10 anos”, recordou. É… essa é a síntese do Paulo múltiplo que HT conhece há mais de 20 anos.