*Por João Ker
As aulas semanais de moda que Regina Guerreiro tem dado através do canal oficial da Cavalera com a websérie “Enjoy!” continuam um primor! Episódio após episódio, a jornalista, ex Vogue Brasil e ex Elle, embarca na viagem da história e comenta tudo o que dá na telha, sempre com a sua irreverência peculiar e pitadas ácidas capazes de liquefazer um limão galego. Afinal, com aqueles comentários irreverentes – fruto de um olhar arguto e percepção afiada – são ardidos como pimenta e a fizeram ser conhecida como “diaba”, justo pela má língua (ou ótima). Na série, a jornalista já destilou alfinetadas sobre a mania da selfie, revelou sua paixão por chapéus, dissertou a mudança dos padrões de beleza, a importância de Salvador Dalí e, agora, ela coloca suas dark shades para atacar a mesmice e o tédio em um episódio que HT mostra em primeiríssima mão.
Regina começa relembrando o choque que o mundo sofreu quando o artista performático Leigh Bowery surgiu, elevando o conceito de “transformista” para outro nível estelar. “Nascer e crescer feio, grande e gordo deve ser jogo duro. Pouquíssima gente tira de letra, e – ainda por cima – vira fashion e se torna objeto de arte. Como? Quem? Leigh Bowery, queridinhos e queridinhas. Palmas para ele!”, comenta a diva sobre o artista que influenciou gente que vai de John Lennon e David LaChapelle a Lady Gaga e Alexander McQueen. Claro que, tratando-se da jornalista, o assunto pende para a moda e ela relembra o design absurdamente fabuloso e as silhuetas amplamente disformes de Rei Kawakubo. Mas de onde surge tudo isso? “Deve ser por que adoro gente que ousa surpreender e vai que vai furando ondas, quebrando regras. Senão, credo!, a vida vira um tédio. Afinal, nada precisa ser como já é. Nada precisa ser como já tinha sido”, explica a própria.
E o que a gente acha sobre o discurso de Regina? Que ela está certíssima, of course. Essa onda do politicamente correto, da apatia social e da falta de individualismo já cansou e não é de hoje. O exército de robôs plastificados parece ter penetrado todas as esferas culturais, da moda e da música às ruas, baladas e redes sociais. Vez ou outra aparece alguém que quebra os moldes e tem força de assumir uma própria identidade. Na moda, Cara Delevingne e seu jeito tomboy são tão raros quanto a cintura de Kate Upton, em meio a uma horda de Barbies perfeitas e irretocáveis. Na música, o abuso do autotune com a nova onda do pop eletrônico tem transformado o som das rádios em verdadeiros hinos para autômatos que só sabem sair e dançar. E ai de quem ouse expressar desgosto com qualquer coisa: o alarme da patrulha começa a apitar e todos vêm correndo censurar aquilo que não lhes convém. Nem mesmo Luana Piovani teve paciência e acabou desativando sua conta no Twitter.
Talvez esteja até faltando aquele toque especial que Clodovil e Dercy Gonçalves conferiam à mídia. Ou a crítica cínica e divertida de gente como Cazuza ou Rita Lee. Ou os delírios desbocadamente eróticos, maldosos até, mas sinceros de gente da Velha Hollywood, como Mae West, W.C.Fields, ou Groucho Marx. Mais das loucuras e devaneios que Jum Nakao fazia na passarela. E menos, bem menos gente cinza que fica em cima do muro e se funde ao cimento como se fosse argamassa sem cor, tipo Cimento Irajazinho. Nesse episódio de Enjoy!, inteligentemente batizado “Mesmices Fazem Bocejar”, Regina lembra que o diferente e o surpreendente são sempre bem-vindos para ela. E para nós também, meu bem.
Coleção “A Costura do Invisível”, de Jum Nakao
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