O último dia da edição 2015 do Dragão Fashion Brasil trouxe o romantismo e o protesto como base das coleções, além de decidir o vencedor do Concurso dos Novos, no qual tive o prazer de ser a jurada este ano. Enquanto Ronaldo Silvestre se inspirou em poema de Carlos Drummond de Andrade para mostrar a beleza em meio ao caos, Gisela Franck incorporou o surrealismo delicado da pintura “Flor Daline”, de Salvador Dalí. Houve também o desfile profano de Riccardo San Martini, batizado “Sacrilégio”, que desafiou a Igreja com moda e o uso de simbolismos católicos de forma inusitada. Isso tudo e mais, você confere abaixo:
– Concurso dos Novos | UDC | UEL | UFC | UNAMA
O grande vencedor foi o time da Universidade Estadual de Londrina. A inspiração foi o Fandango Caiçara com looks idealizados em materiais sintéticos, envernizados e trançados em tiras de meio centímetro através do couro ecológico e da organza bordada com sutache. Gostei muito da cartela de cores, do acabamento e da interpretação do tema históriaXfuturo. Os paranaenses do Centro Universitário Dinâmico das Cataratas apresentaram looks inspirados na arquitetura da hidroelétrica de Itaipu e na diversidade cultural da região de Foz do Iguaçu. Muito couro, patchwork de crochê e os metais e cerâmicas inspiraram as silhuetas sequinhas. A plateia cearense foi ao delírio com o desfile dos alunos da Universidade Federal do Ceará. Muito tafetá, xantungue e sarja, tecidos planos fundamentais para a elaborada modelagem dos looks. Mas dentro deste shape estruturado e tecnológico, o passado e a expertise cearense em fazer artesanato foram cruciais no processo de releitura do tema com bordados e entrelaçamento por viés da palha, assim como nas pregas das suntuosas maxicapas. Já a Universidade da Amazônia, no Pará, se inspirou na arte da cestaria e nos brinquedos feitos a partir da fibra do miriti, com raízes indígenas. Os alunos usaram ainda linho, cetim de algodão e seda.
– Ronaldo Silvestre
Adoro os desfiles de Ronaldo Silvestre no DFB. Sua moda tem uma pegada sustentável. Em suas peças, há sempre a preocupação de envolver questões atuais vivenciadas pela sociedade, como sustentabilidade, eco designer e a preocupação sócio-econômica-ambiental dentro da economia criativa. No DFB 2015, a coleção foi batizada “Flores da Guerra” e inspirada no poema “A Flor e A Náusea”, de Carlos Drummond de Andrade. O resultado foi um desfile atemporal, composto por refugos de jeans, camuflados, chitas e seda artesanal que definem formas e recortes dos looks tendo como inspiração os contornos e silhuetas das árvores.
Os versos do poeta mineiro descrevem uma flor que, mesmo feia, nasce em meio ao crime, à solidão e ao desespero das cidades grandes. Na passarela, tal flor se transforma em renda, chita e bordado, que ajudam a dar forma às golas e aos comprimentos dos vestidos. A paleta de cores também surge lentamente: as primeiras peças vêm trabalhadas em preto e azul-petróleo quando, em seguida, surge o vermelho de rosas bordadas e, perto do fim, estampas florais que mostram: ainda há esperança. Um militarismo reinventado aparece tanto nas roupas femininas quanto masculinas, que também dividem entre si as transparências nas camisas. Para elas, a beleza em meio ao caos se transforma em saias-lápis e vestidos românticos; para eles, através de uma alfaiataria de linho, cheia de detalhes nos joelhos e nas mangas. A criatividade com o jeans, uma das marcas do estilista, dessa vez é aplicá-lo por cima da seda, criando um novo tecido, com textura instigante e maleável. Ronaldo, com a ajuda de Drummond, encontrou uma maneira poética para as flores da estação.
– Riccardo San Martini
Com 18 anos no mercado de moda, Riccardo San Martini já desenvolveu 14 coleções para sua marca própria e diversas coleções para outras grifes no Brasil e principalmente no exterior. Nesta edição do DFB, trouxe a coleção “Sacrilégio” para o Verão 2016, mas pensada também para comemorar o retorno ao maior evento de moda do Nordeste. Ao todo, 20 looks carregados de sentimento e muita arte inspirados nas vivências de San Martini.
As formas de questionar os dogmas da Igreja e também reverenciá-la são as mais inusitadas na passarela de Riccardo. Modelos masculinos desfilando peças com sungas micro dão um tom político. Uma saia-lápis com estampa de homem nu vem na mesma modelo que desfila com o rosto encoberto por um véu. Outros looks fazem referências levemente mais sutis à instituição, mas ainda assim claramente cutucando a Igreja: um manto negro, um vestido estampado com um vitral do nascimento de Jesus e até um look justo e rendado faz alusão aos hábitos vestidos por freiras. Cruzes, pinturas de santos e cenas bíblicas, além de estampas com pessoas segurando um terço também aparecem com ar desafiador.
– Gisela Franck
Cearense inserida no mercado na moda desde 2003, Gisela é formada pela Faculdade Católica do Ceará e fez seu Mestrado em Fashion Design durante um ano no conceituado Istituto Marangoni em Milão. Atualmente, divide o tempo entre a marca de moda praia Água de Coco por Liana Thomaz e sua marca homônima. O DNA da estilista são suas texturas criando tecidos numa linha minimalista e de alfaiataria.
Se Ronaldo virou-se para a poesia de Drummond em busca de inspirações florais, Gisela foi para outro mestre, mas da pintura: Salvador Dalí e o surrealismo de seu quadro “Flor Dalinae” dão a tônica da coleção, que trouxe uma das impressões mais fortes do trabalho da estilista no uso do branco como cor exclusiva das peças. A delicadeza do pintor catalão é também marca do desfile apresentado, que trouxe tops cropped de organza e crepe, saias e camisas/vestidos de um ombro só, cujas formas remetem às curvas das pétalas – evidenciadas pela aplicação de flores -, além de uma alfaiataria clássica que usa bastante o linho. Destaque para o cropped de palha, ultra sexy.
– Jeferson Ribeiro
Criada em 2013, a marca tem em seu repertório a experiência do designer baiano em direção criativa e posicionamento de mercado. Jeferson arrasa muito! As coleções são pensadas para mulheres elegantes e discretas, tendo a seda como a base para roupas de corte reto e caimento perfeito. Se na última coleção apresentada no DFB, Jeferson assumiu tom politizado, agora o mote de sua coleção é romântico, com cartela de cores que traz a dualidade do azul anil contra o vermelho em tom de vinho e o branco x preto. Camisas e saias de crochê ajudam em um desfile que tem como objetivo valorizar o corpo curvilíneo, com cintura marcada e caimento que deixa o quadril e o busto soltos em tecidos fluidos como a organza. O estilista comemorou seus 10 anos de carreira e batizou a coleção de Estro, inspirada no pensamento da psicóloga jungiana Clarissa Pinkola Estes e também na coragem da artista plástica Lygia Clark em “questionar a domesticação dos sentimentos e ações da mulher moderna que se divide nos diversos papeis sociais”, como explica Jeferson. O estilista acrescenta que olhou para o íntimo da mulher contemporânea, sem medos e desejos mais primitivos. Jeferson conta ainda que apostou em uma imagem forte para falar do arquétipo da mulher-selvagem proposto por Clarissa em seu livro Mulheres que correm como lobos e tentou levar para a passarela “a simplicidade e elegância de um corpo que transita nas arquiteturas das grandes cidades, como um animal num ato de deriva, ora camuflado à paisagem ora revelado à espreita da caça”, afirma.
E o desfile da Riachuelo fecha esta edição do Dragão fashion Brasil 2015. Até 2016 com muitas novidades!!!
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