Dragão Fashion Brasil 2015 #day 2: a moda brasileira em intercâmbio internacional, a homenagem de Lindebergue e a poesia de MelkZ-da


O segundo dia de desfiles contou ainda com a descoberta de um novo talento da moda e os desfiles de Paulo Marttins, Lenita Negrão, Bikini Society e Wagner Kallieno

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O segundo dia de desfiles do Dragão Fashion Brasil 2015 teve início com uma grande notícia para a moda do Brasil. Cláudio Silveira, idealizador e diretor do evento, reuniu a imprensa nacional e internacional que acompanha a maior semana de moda autoral do Nordeste para anunciar, ao lado do produtor cultural Paulo Vitor Feitosa, o mega projeto batizado Mano a mano, de difusão internacional da moda made in Brasil. O intuito é envolver profissionais do Brasil e da América Latina em um grande intercâmbio de moda autoral e com a chancela do mais criativo handmade. Mais um passo para a nossa moda, para o artesanato de luxo que tanto agrada o mercado internacional e para a troca de experiência com quem sabe fazer no exterior.

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Cláudio Silveira e Paulo Vitor (Foto: Henrique Fonseca)

Nas passarelas, houve o concurso para decidir o novo talento do design de moda cearense, no qual fui jurada. As coleções apresentaram mais uma rodada impecável dos nossos estilistas-artesãos, que souberam como revitalizar as tradicionais técnicas do país: bordados, crochês e tricôs receberam tratamento atual através de estruturas ousadas e materiais inusitados. As inspirações vieram desde um apanhador de sonhos, como foi o caso de Paulo Marttins, à Costa Europeia, como mostrou Paula Pinto Villas-Boas, mesclando muito bem a sofisticação do hemisfério norte com a sensualidade brasileira na coleção da Bikini Society. Lindebergue Fernandes fez história ao homenagear o amigo João Sobarr, levando a irreverência e o bom humor das drags para seu desfile, repleto de patchworks e crochês. Em suma, este foi mais um dia em que a moda autoral teve seu espaço consagrado com força e originalidade.

– Comunidade: Moda

Foi um prazer para uma jornalista com 30 anos de experiência no mercado como eu integrar o júri (composto também por Cláudio Silveira, o todo-poderoso do DFB 2015, o conselheiro e consultor editorial da Vogue, da GQ e da Marie Claire Giovanni Frasson, a diretora executiva da TV Cidade, afiliada da Record, no Ceará, Gaída Dias, e o top blogueiro Kadu Dantas) que votou na descoberta do novo talento da moda cearense e que certamente vai dar muito o que falar. Participei de um interessante reality show promovido pelo Dragão Fashion Brasil e criado em 2014, exibido pela TV Cidade, que revela talentos do Design de Moda em comunidades da periferia de Fortaleza. Com programas de 30 minutos de duração, o Comunidade Moda traz, no último episódio, a apresentação dos jovens participantes em desfile realizado durante o próprio DFB.  Os detalhes do reality podem ser vistos em sua página oficial. O júri conferiu, em primeiro lugar, a criação batizada A dama do bosque, de Emanuel Oliveira. Segundo ele, em meio aos mistérios que rodeiam as florestas brasileiras, o folclore nacional muda conforme cada região. No Nordeste, a caipora é uma figura feminina de forma sombria e espantosa, sempre à procura de fumo, seguindo os caçadores que se aventuram nas matas à procura de presas. Essa figura das florestas brasileiras foi o ponto de partida para a criação do look. Além disso, a histeria das bruxas, mostrada pela série de TV “Salem”, que você já ouviu falar aqui, inspirou formas e silhuetas com ênfase na indumentária barroca e renascentista do século XVIII. Vimos mangas bufantes, cintura alta e corpete com palhas extremamente criativos. As formas longas e pontiagudas nos ombros, segundo o designer, remetem ao mistério das matas e a sua dama da floresta usava aplicações de guipir. Interessantíssima também a utilização da palha da carnaúba, elemento bem típico do Nordeste na composição da roupa.

A segunda a apresentar sua criação foi Sulamita, (Sula Smonts) com um retrato que fez um mix entre as mulheres da África, do Norte e Nordeste do Brasil, das índias, pescadoras e artesãs. Essa representação de mulheres de diferentes países, origens e culturas foi desenhada na passarela com a utilização de produtos naturais, como sementes, palhas e conchas, em síntese de uma figura feminina guerreira e forte.

A terceira candidata foi Tamila Aguiar, com uma pegada moderna, cuja inspiração partiu da música “Pretty Hurts”, by Beyoncé, que aborda a questão da mulher atual na busca desenfreada pelo corpo perfeito. As formas estruturadas foram inspiradas a partir das cirurgias mais procuradas, como rinoplastia, aumento dos lábios, implantes de silicone nos seios, lipoaspiração e aumento do bumbum. Com a pegada do hadmade, chancela do Dragão Fashion Brasil, ela lançou mão de patchwork e crochê. A cartela de cores teve vermelho, azul e preto, simbolizando, respectivamente, o sangue e a idealização da perfeição e da perda de identidade. Nós, jurados, chegamos ao consenso de que Emanuel deveria ser o vencedor e foi lindo e emocionante ver a reação de um jovem que vai, a partir de agora, mergulhar na engrenagem que gira o mundo da moda no nosso Brasil. Palmas para ele!

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– Paulo Marttins

“Estilo próprio. Se você o tem bem definido, nunca vai estar fora de moda”. A frase contundente é de um rapaz de 19 anos que mostrou a que veio no mundo fashion. Vencedor do Comunidade Moda de 2014, Paulo Marttins nos foi apresentado por Cláudio Silveira e teve como premiação ser incluído line up do Dragão Fashion Brasil 2015. Apostando no preto e branco, ele apresentou a coleção batizada Ojibwe  e inspirada no “filtro dos sonhos ou dream catchers”, aquele objeto que é colocado perto da cama com a intenção de canalizar energias positivas através das penas e deixar as negativas presas em suas teias, que foram tecidas por uma aranha muito inteligente, segundo a lenda da tribo norte-americana Ojibwe. Na passarela, tops combinados com hot-pants, calças e blazer desconstruídos, tubinhos, macaquinhos e vestidos maxigodê foram misturados a um trabalho artesanal de bom gosto. A referência ao filtro dos sonhos apareceu tanto de forma literal, em bordados feitos à mão e redes que se espalhavam pelas mangas de camisas e comprimentos de saias, como de maneira mais discreta, através de pontos pretos nos vestidos, golas e calças.  As peças foram trabalhadas nas aplicações de crochê, argolas de ferro, bolinhas de plástico e muitas penas. “Vários desses materiais vieram de amigos meus, que têm o estilo hippie, e os tecidos que usei para elaborar as peças foram sarja e neoprene”, conta Paulo, que teve uma intenção ao apresentar este trabalho: imprimir a chancela de um recado bem dado e com boas vibrações.

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– Lenita Negrão

Foi a estreia da marca no DFB 2015. À frente da grife estão as empresárias Lenita e Maria Lúcia Negrão (mãe e filha, respectivamente). E elas estão antenadas com a questão de, hoje, o público desejar que as roupas apresentadas em desfiles cheguem mais rápido ao mercado consumidor. Digamos que Lenita e Maria Lúcia apostem no fast-fashion de qualidade, com preço convidativo. A dupla adotou o sistema de “moda rápida” como outro carro-chefe da marca e há troca semanal de peças que inovam em suas texturas, formas e estampas. Na passarela, uma ode à Costa Européia com suas praias de águas azuis. Muita renda e guipure invadiram camisas, batas, vestidos com pegada 70’s e macacões, alternando-se entre o über sexy e o elegante, com modelagem que valoriza o corpo curvilíneo da mulher brasileira. As cores? Preto, azul marinho, azul jeans, off-white e branco. Destaque para a estampa blue leopard, que uniu as duas vertentes da coleção, aparecendo em peças fluídas e longas à la Cavalli.

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– Bikiny Society

Paula Pinto Villas-Boas criou sua marca no o verão de 2011 em Geneve, na Suíça. Sim, acreditem. A estilista que estudou moda na Universidade Federal do Ceará e na Universite de la Mode de Lyon, na França, conquistou os europeus com sua moda-praia e só no ano passado ela abriu a primeira loja no Brasil, na capital Fortaleza. Hoje, Paula vive entre a Europa e o seu país, e a Bikiny Society tem como objetivo mesclar o bom gosto europeu com a bossa do Brasil. Mas foi pensando na mulher que frequenta desde a praia de Jericoacoara, no Ceará, passando pelo Tahiti, St. Tropez, St Barths, Capri e Bali que ela montou a coleção desfilada no DFB 2015. Paula diz que apostou no conceito casual-chic, fazendo a releitura de clássico com o novo artesanato de luxo tão falado aqui por mim. “A moda que faço não se limita a uma tendência e ao comum. Gosto do que não passa de moda, atemporal, procuro o novo e o eterno ao mesmo tempo. Gosto de reinventar o clássico, de sofisticar o artesanal e de levar o natural-chic ao ponto máximo”. Dá-lhe, Paula. Na passarela a estilista mostrou perfeitamente a junção entre esses dois litorais em uma moda-praia arrojada, com biquínis, maiôs e saídas de praia que alternam as estampas costeiras com rendas e franjas. Mas, não se deixe enganar pela elegância: a brasileira que procura aquele conjunto de comprimento mínimo também sai satisfeita com a coleção. Afinal, quando o assunto é beachwear, não há mulher que não valorize uma boa marquinha.

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– Lindebergue Fernandes

Acompanho o trabalho deste estilista cearense há anos. Na realidade, esta é a décima terceira vez que Lindebergue Fernandes apresenta suas criações no DFB repletas de inspirações em memórias afetivas. Adorei seu desfile na edição passada com comprimentos midi, poás vazados, cores luminosas contrastando com o preto e branco, estampas gráficas, macacões, aplicações, monocromias e assimetrias. Nós batizamos a apresentação de baile perfumado de Lindebergue, em função de tantos anos de estrada. Mas, o que ele fez com a gente, na noite de ontem, foi emoção pura. E vai entrar para a história do Dragão Fashion Brasil. Eu mesma comentei isso com o estilista em um papo pós-desfile. Lindebergue homenageou o amigo e grande estilista João Sobarr, falecido em outubro de 2014, e que a gente também conhecia bem o trabalho. Lindebergue foi um dos maiores apoiadores do trabalho de João Sobarr, que, segundo ele, tinha uma grande alegria de viver e uma conexão com a noite repleta de euforia. Pensando nisso, ele convidou o elenco da peça “Quem tem medo de travesti”, composto pelo coletivo “As travestidas”, para desfilar maxi t-shirts com inscrições do pajubá, o dialeto das drag queens. Com uma trilha sonora divertidíssima, as meninas fizeram performances mil na passarela, enquanto expressões como “Neca”, “Confie no Cafuçu” e “Pro mundo ficar Odara” estampavam as camisetas semi-transparentes (as peças serão vendidas com renda revertida para o Grupo de Apoio Asa Branca, que acolhe pacientes soropositivos em Fortaleza).

Mas, vamos falar também da moda apresentada pelo estilista. E que coleção!!! “Resolvemos reprocessar alguns hits da minha história, desconstruindo e remontando, como um quebra-cabeça composto por peças que se encaixam, mas, que, ao mesmo tempo, não formam nenhuma imagem definida”, comenta. Apostando nos 70’s, Lindebergue fez bonito com seu artesanato de luxo. Crochê desenvolvido pelo ateliê Setemarias e pelo estilista David Lee tiveram sua vez tanto nas peças masculinas quanto femininas. Para eles, camisetas multi-coloridas e combinadas com jeans e chinelos de dedo. Para elas, bermudas, vestidos e maiôs. Destaque para um longo que pesa 9 quilos, todo (des)construído em um tear manual, a partir de tramas de fios sintéticos e naturais. Nos pés, gladiadoras feitas por couro e palha de buriti do Maranhão. A renda também teve seu lugar: paras as mulheres, em leggings e saias; para os rapazes, em macacões compridos ou jardineiras sem mangas, em uma espécie de sportswear artesanal. Essa, por sinal, foi uma das marcas mais fortes do desfile: a inserção da moda autoral, com ênfase nas tradições nordestinas, mas ainda assim apresentando apelo ao consumidor. Foi de babar, Lindebergue. E quanta sensibilidade e sentido de união e saber estender a mão no mundo da moda tão hermético e repleto de egos.

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– Wagner Kallieno

Vencedor do Rio Moda Hype em 2010, o estilista Wagner Kallieno apresentou na capital cearense várias peças que integraram o seu desfile na recente edição da São Paulo Fashion Week. Foi a sua primeira incursão em uma semana de moda autoral realizada em Fortaleza. Como nós comentamos aqui no site, uma coleção onde mesclava os anos 1970 – através de franjas, calças flare, botas de cano alto e vestidos de tricô – com as pinturas abstratas de Joan Mirò, mas desenvolvendo uma coleção de peças com boa cartela cromática e enfoque nas candy colours. Ele agora investe também no jeans, desenvolvido em parceria com a Dimy – e acerta a mão –, deixando para o final uma sequência ótima que poderia render um desfile inteiro. Vestidos-chemise brancos com amarrações e repuxados que são lindos de doer! No mais, bonitos os maxi colares da designer curitibana Maria Dolores.

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– Melk Z-da

“Tenho um interesse especial por tudo o que é feito à mão. O Brasil é manual! O handmade sempre fez parte de minha vida e, claro, é o ponto forte do meu trabalho. Gosto muito do design de superfície, refaço os tecidos artesanalmente, acrescentando novas cores e texturas. O tecido modificado e o uso de novos materiais, às vezes inusitados, são as características do meu trabalho”, afirma o estilista Melk Z-da. Palmas pra ele! Experimentalismo sempre foi sua tônica e o estilista que já desfilou no Fashion Rio busca referências nas artes plásticas, literatura, folclore, cinema, lugares, pessoas e na própria moda. Aliás, que moda linda ele está fazendo para noivas! Uma obra de arte. São pedidos mil para o seu ateliê no Recife. Nesta edição do Dragão, o estilista preparou uma “coleção inspirada nas flores regionais, que explora técnicas dos bordados do Brasil e texturas. A ideia foi traduzir a beleza das flores nacionais e suas peculiaridades, cores e formas em peças sofisticadas e contemporâneas”. Foi suavidade e leveza na passarela. Lindo de se ver. A coleção foi batizada “O cofo, o lenço e a flor” . “Sobre uma mesa forrada com um lenço de renda repousa um cofo, feito com tramas de palmeira seca, decorado por flores de maracujá e seus frutos, com folhagens que se enroscam suavemente”, analisa o estilista. O cofo, para quem não sabe, é o nome dado no Maranhão a um tipo de cestaria de natureza utilitária, confeccionado manualmente com folhas de palmeira nativas. O estilista brincou e bordou com organza de seda, crepe georgette, linho, tules e cetim. Nos tons da palha seca, azul orvalho e rosado clarinho, clarinho, vê-se a delicadeza das peças e do trabalho de Melk que, contrário ao fast-fashion, acredita que a moda precisa de tempo para ser apreciada e construída. Faz bem: suas modelos, quase ninfas de uma floresta tropical do Nordeste, esbanjam delicadeza e personalidade através dos looks. O estilista nos explica que os experimentos para a temporada quente ficam por conta das tramas artesanais com as mesmas técnicas de cestaria usadas para fazer os cofos e pelo estudo das flores do maracujá.

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