Com o tema “Mãos à obra, mãos à moda”, o Dragão Fashion Brasil, semana de moda em Fortaleza que mostra o melhor da criação autoral no setor fashion, deu início a mais uma edição de desfiles nessa quinta-feira (7/5), no Terminal Marítimo de Passageiros do Porto de Fortaleza. Reunindo as coleções de nomes como Lino Villaventura, Almerinda Maria e Aládio Marques, a ordem de arregaçar as mangas e mostrar o melhor que o país tem no handmade parece uma premissa que vem sendo seguida à risca por anos.
É preciso entender que, em uma indústria onde a velocidade se torna uma exigência maior a cada temporada, a criação artesanal de uma costureira ou de um estilista se torna cada vez mais valorizada no mercado internacional. Portanto, eventos que fomentem tal atividade tão tradicional no nosso país, seja através do tricô, do bordado, das rendas ou da aplicação de pedrarias, é mais do que bem vindo, é necessário. Logo, confira abaixo o que há de melhor nesse setor e como foram os desfiles do primeiro dia de DFB 2015:
– André Sampaio
O estilista cearense de 21 anos estreou no Dragão Fashion Brasil 2015 com uma coleção inspirada nas memórias afetivas da família Pontes Vieira. Finalista do concurso Ceará Moda Contemporânea 2014, promovido pelo Sinditêxtil-CE, ele bebeu na fonte dos registros narrados pelos integrantes do clã cearense que dá nome a uma das avenidas mais importantes do bairro Aldeota, em Fortaleza, e cuja história data de 1870. Focando nas mulheres dos anos 1930 e 1940, André mostra na passarela um militarismo desconstruído, presente pela paleta de cores com bastante bege, jeans destroyed e ombros de estrutura quadrada. Isso não impede o estilista de fazer um verão com pele à mostra, já que o mesmo flerta com croppeds, hot pants e comprimentos curtos e, mesmo quando os vestidos com aplicações aparecem abaixo do joelho, André dá um jeito de trespassá-los com recortes estratégicos.
– ASAP
A marca gaúcha é assinada por Sérgio Amaro, que busca com um olhar minimalista refletir sobre os movimentos do cotidiano. A sua coleção batizada Versus tem inspiração no paralelo entre o campo e a cidade grande. A interiorização do nosso país é simbolizada através do uso da palha de milho trançada, forma de artesanato típico dos índios da região Sul do Brasil. Sérgio corrobora com o macrotema do DFB 2015, “Mãos à obra, mãos à moda”, lançando mão do tricô manual. Nesse passeio pelo interior e urbe, há looks com acrílico – atenção especial às bolsas -, tecidos mais estruturados, silhuetas geométricas e estampas com reflexos dos carros, postes e prédios integrantes do cenário das grandes cidades. A dualidade que o estilista apresenta entre os dois estilos de vida se dá mais pela forma de simbiose: a palha do campo aparece em chapéus e camisas geométricas combinadas com calças de alfaiataria e hot pants, enquanto acessórios de acrílico se alternam na passarela. É como viver na cidade e passar o fim de semana no sítio – ou vice-versa – sem perder o estilo. Gostei do que ele escreveu: “O silêncio do vazio versus os ruídos das multidões. A grama suave versus o piso rígido, sentir o barulho do silêncio. A ternura do baralho: enxergar o barulho das buzinas, ver o céu através dos reflexos dos vidros”.
– Aládio Marques
A grife com base em Salvador (BA) foi lançada há três anos e Aládio Marques é cria do Concurso Novos Talentos 2012, realizado pelo Shopping Barra. O rapaz vem conquistando espaço com coleções femininas e masculinas e foi o responsável pelo figurino que Daniela Mercury riscou a Marquês de Sapucaí, pela Portela, em 2012, no enredo que homenageava a Bahia. O estilista tem como proposta de trabalho fazer um design exclusivo e autoral, embasado em pesquisas históricas e contemporâneas. “O resultado são peças conceituais, mas que transitam não apenas nas passarelas: são ideais para o dia a dia de quem quer se vestir com personalidade e tem a alta qualidade de tecidos e cortes como exigência”, afirma. Em paralelo, exercitando sua veia mais comercial, sem deixar de lado o “quê” de exclusividade de sua peças, criou a AL. Aládio Marques para desenvolver uma linha de camisaria masculina cool, com modelagem própria e estamparia diferenciada, voltada para padronagens lúdicas e irreverentes.
Depois de fazer uma ode ao Baobá, árvore africana cercada de misticismo e poesia com a coleção Efloresense desfilada na edição do DFB do ano passado, agora ele apresentou a coleção 90º, inspirada no concretismo e na forma da obra de Hércules Barsotti: o grande pintor e desenhista do século 20 se destacou no Movimento Concretista nacional pelo uso das figuras geométricas, especialmente as de formas triangulares que, na coleção de Aládio, aparecem tanto através das silhuetas de ampola quanto na forma como propõe o abotoamento de casacos e coletes oversized. A dualidade entre o esportivo e a alfaiataria se faz presente em toda a coleção: o uso das transparências de forma simultaneamente indecente e elegante, bem como tem aparecido em demasia pelos tapetes vermelhos, é feito com maestria. Aqui, o estilista preza por uma paleta de cores sóbria, com predominância do branco-pérola e do preto, com aparições pontuais de tons quentes como o amarelo e o laranja. A técnica de dublagem nas peças confere formas precisas, proporções tensas e o uso de tecidos como a organza de seda, tech texture de seda com metal, tressê de acrílico com viscose, cetim de seda e o Crepe Havier de acrílico com viscose dosam com perfeição a ponte entre o autoral e o comercial, resumindo o conceito base do evento.
– Christina Crawford
Graduada em Design de Moda pelo Istituto Europeo di Design, em Milão, e École Supérieure des Arts et Techniques de la Mode (ESMOD), em Paris, Christina Crowford tem Milão (Itália) como sede de sua marca e, para o Inverno 2015, encarou a dualidade intrínseca à mulher contemporânea como expressão máxima, mostrando que delicadeza e sensualidade podem sim andar lado a lado com força e seriedade. Os materiais e as formas garantem que o sexy não saia da passarela: saias-lápis com aplicações de pailettes, vestidos-envelope decotados e hot pants franjadas com blazers sobrepostos abusam do couro, enquanto vestidos longos, fluídos e transparente se revezam entre trench coats curtíssimos, como se Christina idealizasse uma espiã à la Angelina Jolie, vide a predominância de preto nas peças. Em suma, a estilista exerce seu feminismo através de um guardarroupa que se divide entre o sério sofisticados e o romântico audacioso. “Eu acredito que uma paridade foi alcançada pelas mulheres de hoje com os homens, mas ao mesmo tempo as mulheres parecem estar a tornar-se muito independentes, as vezes fazendo com que em si mesmas gere uma sensação de palpável frustração ao mesmo tempo”, diz a estilista. Mas, a coleção da estilista é inspirada na mulher de hoje que é forte e determinada, uma não conformista que vive a vida ao máximo, mas que também quer ser lembrada de que uma mulher ainda pode ser uma mulher. Às vezes delicada, sensual e vulnerável. Os materiais utilizados foram o couro, cachemere, pailettes e seda.
– Almerinda Maria
A alma feminina e seus 1001 mistérios também foram o mote principal para a coleção apresentada por Almerinda Maria, exemplo do artesanato de alto luxo brasileiro. Aqui, é possível ver como a estilista desdobra a tradição secular das rendas nas mais variadas vertentes, brincando com a artimanha: inspirações nos anos 1960 e 1970 rendem vestidos, calças de boca larga e camisas com ares boho, ao mesmo tempo em que sua pegada de alta costura pode ser vista em peças mais tradicionais e românticas, todas com acabamento impecável. Não se deixe enganar: apesar de a moda setentista estar em voga atualmente, Almerinda consegue dar seu toque brasileiro às tendências, como se Iemanjá encontrasse Brigitte Bardot na praia e as duas resolvessem tomar um café à beira-mar, sentimento provocado pela junção dos óculos Ferrovia com as silhuetas leves transbordando sentimentos renascentistas e bordados richelieu. Se o forte do Brasil é o artesanal, o handmade de Almerinda deve ser levado como exemplo. Adorei a pegada inovadora que ela fez do artesanato de luxo com um processo modernizado e incorporando o denim da Canatiba, uma das parcerias bem-sucedidas de Almerinda neste desfile.
Atualmente, ela fornece para a Daslu, fechou parceria com a estilista Adriana Barra, além de desenvolver peças para outras estilistas renomadas, como, Lilly Sarty e Raquel Mattar. “A renda remete a tudo que é escasso nesse mercado globalizado em que vivemos, porque ela é feita à mão; cada rendado é único; e no meu caso a utilização das rendas em peças de alfaiataria coloca em destaque o que é feito à mão em produto de luxo”, avaliou muito bem a empresária em entrevista ao site do evento.
– João Paulo Guedes
O cearense nascido em Quixeramobim, no Sertão Central foi para Toronto, no Canadá, onde estudou Design de Moda na George Brown College e depois passou três meses na Índia em um intercâmbio de moda. Em 2014, foi indicado para participar da Semana de Moda Masculina de Toronto e então condecorado como mais novo estilista da moda masculina daquela cidade. Desde então, passou a ser referência em revistas como a Vogue Itália e Forbes. No DFB 2015, o estilista que volta consagrado do mercado internacional apresentou sua coleção Outono-Inverno 2015.
Em seu desfile, João mostra que não é só a alma feminina que carrega dualidades no dia de hoje. As estampas que permeiam a maior parte de suas peças, da alfaiataria aos suéteres e leggings, vêm fortemente inspiradas nas catedrais renascentistas e suas pinturas, que compõem também o cenário. Ao mesmo tempo, os modelos aparecem com os olhos carregados de máscara e lápis, usando calças e bermudas de couro sintético, em uma espécie de romântico dark. Não se deixe enganar pelos sapatos e mocassins: o homem do Outono/Inverno 2015 de João Paulo Guedes está pronto para festejar depois da missa.
– Lino Villaventura
Um dos maiores nomes da moda autoral, do handmade e da valorização do nosso artesanato de luxo conhecido internacionalmente, Lino Villaventura fez um dos desfiles mais lindos da recente edição da São Paulo Fashion Week. Realizado no Museu Afro Brasil, o fashion show revisitou seus desfiles desde 1996. Mas, lá na década de 1980, ele já chamava atenção do mercado internacional por suas criações que primam pela mistura de materiais diversos como escamas de peixe desidratadas, borrachas, couro de cabra, palha de buriti, rendas, musselines e tafetá. Em 1989, já com pouco mais de dez anos de carreira e referência na moda brasileira, o paraense, então radicado no Ceará, foi convidado pelo Itamaraty para representar o Brasil em uma feira internacional em Osaka, no Japão, a “World Trade Fashion”. Lino mergulhou no seu acervo, garimpou peças de outras apresentações das quais nem se lembrava direito, como cabeças e lentes de contato usadas para arrematar o styling de várias de suas coleções, percebendo que, embora fossem itens de outrora, ainda tinham muita coisa a lhe dizer. Mas isso foi em São Paulo com o casual, vestidos com barras e golas assimétricas como suas pregas e um banho de sensualidade teatral para ninguém por defeito. Se o tema da edição “Mãos à obra, mãos à moda”, Lino Villaventura é a melhor e mais autoral referência dentro disso, algo que ele prova temporada após temporada. Para o público cearense que lotou a sala de desfiles com capacidade para mais de 1 mil pessoas, Lino mostrou seu Verão 2016 para eles e elas. Só tenho a frisar um ponto: o povo baba quando Lino desfila. E com aquela maestria que lhe é peculiar o estilista sente (e muito) a vibração da plateia com sua entrada triunfal para os agradecimentos finais. Conversei com ele antes do desfile e o estilista afirmou: “Revistei o meu passado como forma de homenagear os 20 anos da São Paulo Fashion Week e os meus anos de estrada junto ao evento. Aqui, em Fortaleza, vou brindar o público com algo pensado exclusivamente para o Dragão Fashion Brasil”. Lino, você arrasa muito!!! Avaliem as fotos e me digam se estou certa ou não? E mais: você confere aqui o nosso papo exclusivo com o designer que está prestes a estrear no teatro assinando o figurino de versão brasileira do musical “Nine”.
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