Respirar é preciso! Que os dois últimos anos foram talvez os mais desafiadores até aqui, todo mundo sabe. Após atravessar tempos pandêmicos, abrir a janela, deixar o sol entrar, atualizar a arte dos encontros, nos abastece e aquece o coração. E é neste mood, que a passarela do DFB Festival, realizado entre os dias 25 e 28, no Aterro da Praia de Iracema, na capital cearense, é iluminada quando a grife Sherida Livas estrear no evento, que é um verdadeiro exemplo do pensamento coletivo do setor da moda autoral, que precisa, mais do que nunca, unir potências em prol do fortalecimento e crescimento. Um viva aos dias melhores que certamente estão por vir! “Quando resolvi desenhar a coleção ‘Terra Luz‘, pensei em recomeços, e sobretudo em celebração. A ideia de voltar a reunir amigos em um dia de domingo ensolarado à beira mar ecoa como uma memória afetiva e, ao mesmo tempo, nos convida para viver mais a cidade. Esse cenário e o jogo de palavras terra e luz, fala também de uma terra iluminada, futurista e à frente do seu tempo. Esse misto de sensações é projetado”, diz a estilista.
“A coleção é totalmente estampada e se mescla com flores feitas manualmente com bordado rechelieu. Essas flores fazem parte de um estudo pessoal de trazer as artesanias regionais com uma roupagem mais contemporânea em superfícies e formas. ‘Terra Luz’ tem uma conexão com o mar, e alguns shapes da coleção brincam com a estética surf mesclada com alfaiataria. Tem maxi volumes que lembram ondas do mar, flores e estampas psicodélicas”
“A cartela vai de tons suaves aos cítricos, que estão presentes nesse cenário. Assim como as superfícies da coleção, que brinca com tipologias regionais, como o bordado de richelieu, sobreposto em estampas digitais, que também foram desenhadas por mim em parceria com a Attualitá Têxtil, e que representam todo o universo da coleção da cabeça aos pés”.
Fortalezense ‘raiz’, daquelas bem conectadas ao mar, aos 29 anos, a estilista conta que a moda corre na veia. “Meus pais tinham um pequeno negócio popular quando eu era criança. Então, cresci dentro do chão de fábrica. Amava ver as costureiras trabalhando, e já brincava de fazer roupinhas com os retalhos que achava no caminho. Foi algo muito natural para falar a verdade. Até hoje vejo moda como algo familiar. Minha mãe, Lidelba Livas, é a responsável pela modelagem das minhas peças e parte fundamental da minha história como criadora”.
Ela conta que o nome, Sherida, significa selvagem. “É meu nome mesmo (risos). Minha família é de origem grega, e aqui em casa todos temos nomes bem diferentes”. Na expectativa para ver a grife, criada há dois anos, no maior evento de moda autoral da América Latina, ela recorda o trajeto até aqui: “Começou como algo experimental, um estudo de texturas, possibilidades de reuso de materiais e uma busca pela a minha linguagem. A ideia do nome homônimo se fortaleceu pelo seu significado, que repercute em toda a linha criativa. Não obedecendo regras, minha estética brinca com sportwear e a alfaiataria, mesclando com superfícies artesanais regionais e modelagens criativas”.
Provando que a máxima “cuidado com o que deseja” pode ser bem próspera, Sherida celebra o momento: “Estou realizando um sonho de garota! Acompanho o DFB desde a minha adolescência, e sempre sonhei em ver meu design na passarela. Assisti diversos desfiles durante todos esses anos, assim como shows, e também fiz alguns cursos com profissionais incríveis. O evento, além de ser palco para estilistas, também é um universo rico projetado para além da moda. E a forma como você se sente inserido me encanta. Tenho muito orgulho de estar presente e de também de influenciar futuros estilistas e criadores a participarem do DFB. Vida longa!”.
Antenada com os novos tempos, ela aponta ainda como a inovação se traduz no atual cenário. “Acredito que nessa retomada depois de um período difícil com a pandemia, nós ficamos mais ansiosos por experiências que se aproximem de reais. Queremos ver e sentir que fazemos parte do que acreditamos. Isso reflete como consumimos e como queremos agregar muito mais que a simples compra de um produto”, opina.
“Inovar muitas vezes é corrigir o caminho da rota e também estreitar o espaço entre a marca e o consumidor. Busco construir boas relações com meus clientes e entender o que eles desejam consumir, alinhando toda essa informação com a criação. Não é a tarefa mais fácil do mundo, mas amo a emoção de criar algo que se transforma em desejo. Usando diversas linguagens visuais que inovem a forma de como eles recebem esse produto, seja usando realidade aumentada, em fashion filmes inusitados ou em pequenos eventos”, acrescenta.
E exalta o poder da autoralidade na indústria da moda: “Estamos caminhando para a liberdade criativa. Feita por independentes que têm compromissos com a sustentabilidade e criatividade. Não é de hoje que a moda brasileira já entendeu que consegue produzir e conquistar o mundo pelo seu design original, sem a necessidade de seguir tendências gringas para se manter atual. Nosso design é de uma riqueza incomparável, assim como os criadores independentes que tiram leite de pedra. Fomos moldados assim, a construir tudo com mais garra e criatividade”.
A estilista acredita que os tempos anunciam uma nova era da relação com o consumo. “Trabalhar com moda é um caso de amor verdadeiro. É uma área que demanda muito do nosso lado criativo e humano. E que não foi projetada para acompanhar esse ritmo frenético de consumo. Estamos vivendo a ‘Era de roupas baratas com uma vida útil muito menor’. A interferência desses produtos no mercado faz com que a moda nacional perca muito o seu brilho. Por isso a importância de produzir algo autoral e único como forma subversiva a esse cenário”, opina.
E completa, comprometida ao slow fashion: “Um dos pilares da minha criação é a sustentabilidade. Não uso nada de origem animal, e também utilizo boa parte das sobras de corte, criando superfícies bordadas e acessórios. É um trabalho que demanda tempo, mas vale a pena pelo resultado final, e também pelo aproveitamento considerável desses resíduos. A marca também não possui estoque, e só produzo sob encomenda ou pré-venda, com um número de peças limitadas e numeradas por modelo. Nossa produção abraça mais a qualidade que a quantidade. Meus clientes amam saber dos processos que compartilho no perfil da marca no formato de um diário de produção. Os erros e acertos de muitas ideias. Assim entendem que o fator da sustentabilidade e manejo influencia muito no valor emocional das peças”.
Artigos relacionados