“A pandemia nos levou à quase desistência, mas, para depois, nos sacudir rumo ao novo. A inércia desse período transformou-se em combustível para um processo de reinvenção do nosso caminho”. A afirmação é de Marina Bitu, fundadora da marca homônima, que, ao lado da sócia Cecília Baima, estará pela primeira vez, oficialmente com a grife, na passarela do DFB Festival, o maior encontro da moda autoral da América Latina, realizado entre os dias 25 e 28, no Aterro da Praia de Iracema, na capital cearense. “Nesse contexto de entendimento sobre os rumos do mundo, descobrimos o frescor de uma nova geração. A partir disso, desvendamos também uma nova Marina Bitu: mais jovem, mas sem perder suas raízes. Trabalhamos em um pequeno rebrand, pois acreditamos que a renovação pode ser um novo atrativo para a aceitação dos antigos e novos clientes”, reitera Marina sobre a marca que tem como principal valor o respeito à natureza e, como premissa, o comprometimento com o desenvolvimento sustentável.
Nascida no Ceará, Marina herdou das avós o gosto e a habilidade pelo fazer manual. E tendo esse legado afetuoso como inspiração, ela se especializou em design de moda e também em gestão de negócios do setor para, depois de adquirir experiência nas equipes de estilos de outras marcas, em 2017 fundar a sua própria. Na trajetória solo, a designer desfilou em 2019 no DFB, e no mesmo ano, a marca iniciou um novo momento: Marina Bitu tornou-se sócia da amiga Cecília Baima, cirurgiã dentista apaixonada por moda, arte e música. “A partir da prática do slow fashion, a produção das peças acontece em baixa escala utilizando matérias-primas naturais e reutilizáveis, além de mão de obra local, em uma relação justa e aberta entre produtores e consumidores”, diz.
Marina também nos contextualiza com relato sensível e potente sobre a inspiração da nova coleção. “Ela nasceu a partir de um processo de autoanálise meu como criadora, e também como marca. Migramos de um formato sob encomenda para pronta entrega em 2019, e prevíamos um 2020 otimista. E veio a pandemia, que trouxe não só dificuldades financeiras, mas também bloqueios criativos. Neste tempo, a marca esteve um tanto sumida, sem recursos e novas criações. Há um tempo, eu tenho trabalhado neste resgate da minha autoestima e da minha capacidade enquanto criadora, assim como tenho reunido esforços para tornar a marca vivíssima. Revisitei trabalhos antigos e elementos que compõem meu repertório imagético. Confirmei que o mar é minha principal inspiração e onde busco minha paz, meus referenciais. Nesse processo de autoanálise me reconheci na figura de um polvo: hipersensível, com muitos braços, acumulando muitas funções”, desabafa.
“Sempre estive envolvida em muitos outros projetos para poder sustentar a marca autoral: tinha um emprego fixo, alguns trabalhos em paralelo e outros bicos. A narrativa da coleção tem o ponto de partida sob a perspectiva de alguém que está no fundo do mar e é resgatada, voltando a respirar. No caminho de volta à superfície, o olho capta animais bioluminescentes, representados na passarela por peças com técnica de serigrafia que brilha no escuro. Franjas feitas em chiffon retratam as águas vivas. Algumas peças recebem aplicações manuais com resíduos recolhidos das praias pela Associação dos Catadores de Lixo do Pirambu, bairro litorâneo da cidade de Fortaleza. Foi no Pirambu que fiz minhas primeiras aulas de surfe, experiência importante no processo de resgate à vida. A sequência do desfile apresenta peças plissadas, características da marca, em formas de conchas e corais. Paetês opacos retratam escamas de peixes e tecidos acetinados fazem referência às superfícies molhadas”, detalha.
A designer exalta ainda a contribuição do DFB no que diz respeito ao incentivo a novos talentos. “A minha trajetória na moda sempre teve o evento por perto: mais jovem, enquanto era estudante e trabalhei em camarim. Ou quando submetia projetos ao concurso de Novos Talentos. Em 2019, assinei meu primeiro desfile em uma colaboração com a Jangadeiro Têxtil, e, em 2020, participei como Marina Bitu na edição virtual. Essa será a primeira vez oficial da marca na passarela. Acredito que a produção do DFB, comandada por Claudio e Helena Silveira, reflete muito do nosso povo nordestino: nos entregamos, fazemos com amor, driblamos as dificuldades e desafios. No fim o resultado é sempre transformador, comovente e potente. Me sinto privilegiada por poder fazer parte dessa história. Que venham mais 22, 40, 100 anos de DFB!”.
Marina Bitu observa a representatividade da moda autoral em sua força motriz. “Estamos vivendo um momento mais otimista para as pequenas marcas. Graças a movimentos globais de slow fashion e questionamentos ao sistema de moda, muitos consumidores têm preferido investir seu dinheiro em produtos fabricados em menor escala, com qualidade, e que carregam histórias de designers, grupos de costureiros e artesãos. Além disso, percebo os veículos abrindo mais as portas para nós, nos inserindo em pautas e campanhas, e nos concedendo o reconhecimento que tanto esperamos”, aponta.
E menciona a indispensável consciência socioambiental nas boas práticas da label: “Sempre que possível optamos por trabalhar com matérias-primas de reuso e com tecidos fabricados nacionalmente. Já trabalhamos com alguns materiais mais inusitados em nossas peças, como a palha de milho, que seria descartada após a colheita. Além disso, uma das premissas do nosso trabalho é promover o desenvolvimento socioeconômico da nossa rede produtiva. Pagamos às nossas oficinas valores 50% a 100% mais altos que o mercado normalmente pratica. É algo que não abrimos mão, e informamos isso aos nossos clientes. Nossos produtos são costurados por profissionais que estão sendo pagas justamente, e muito acima da média de mercado. Não faz parte dos nossos ideais lucrar isoladamente enquanto sacrificamos a margem do outro”.
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