Se a autoria é feita de traços da identidade, aquilo que nos faz ser exatamente quem somos, de forma única e inigualável, rever a trajetória de vida de Edina Moreira com sua label Hand Lace, na passarela da 22ª edição do DFB Festival, vai nos transportar para uma viagem guiada pela estilista em suas vivências da infância em Recanto, distrito do município de Irapuã Pinheiro, localizado no Sertão Central do Ceará, entrecortadas às lembranças da juventude na capital, Fortaleza, e a vida na ponte aérea entre o Ceará e São Paulo, em uma coleção repleta de memórias afetivas. Em ‘Pé no Chão‘, Edina refaz a trajetória pessoal até ver criações assinadas por ela no corpo de estrelas como Anitta e Juliana Paes. “A principal inspiração para o desfile vem da minha infância. Ao observar as coleções da Hand Lace, percebi uma ligação muito forte entre as minhas referências para algumas técnicas de texturas, por exemplo, e toda minha origem. Revendo fotos do jarro com cheiro verde cultivado pela minha mãe, lembrei de uma coleção em que usei rolotês, por exemplo. A coleção conta um pouco da minha história e da minha irmã, Erica Moreira. Da minha vivência com minha bisavó, Davina, que costurava no interior. Fala sobre a nossa alegria em períodos de cultivo e colheita de algodão e arroz. Da rede de pesca do açude no interior. E como todo o universo do sertão se mantém presente no meu trabalho. O desfile é também uma declaração ao meu marido, Luis Morais (fotógrafo de moda) e meu filho, Bernardo“, revela, acrescentando: “Remixo highlights de várias coleções da marca, a partir da memória afetiva da infância no Sertão do Ceará”.
Filha de agricultor e empregada doméstica, Edina, sempre com a irmã Erica – hoje diretora da Hand Lace -, trabalhou na plantação e colheita de algodão, oiticica e arroz. E também na produção de tijolos de barro. Essas memórias se transformaram em referências, se observarmos os tons de ocre, marrons e avermelhados da paisagem do sertão que permeiam a cartela de cores das suas criações, e as simulações de texturas como a ranhura de vaso de barro trincado. Edina cursou moda na Escola de Belas Artes de São Paulo, e trabalhou em oficinas de costura de confecções e grifes de Fortaleza, antes de fundar a própria marca em 2013. “Trabalhei em diferentes funções na moda até me tornar estilista, e sempre observei a importância dos desfiles do DFB Festival não apenas para a empresa, mas todos os profissionais envolvidos no trabalho. A longevidade do DFB espelha a bravura, criatividade e força da moda cearense em muito representada no trabalho de Cláudio Silveira e todos que fazem o evento. O DFB expressa bem uma indústria que movimenta a economia do Ceará e tem fundamental importância para melhoria da vida do cearense. É uma honra fazer parte dessa história, agora como estilista pela segunda vez”, diz a estilista de peças demi couture.
Para a designer, que tem conquistado reconhecimento contínuo, a moda autoral do país espelha a pluralidade e diversidade do Brasil: “A Hand Lace sempre teve atenção ao manual e afetividade na moda. O nosso trabalho de autor tem a afabilidade como essência. Creio que afabilidade é um desejo do ser humano, e em especial da consumidora que veste a marca. Hoje tenho ateliê no bairro de Moema, em São Paulo, e temos a loja, em Fortaleza. E tenho acompanhando feliz o crescente interesse por tudo de autoral que perpassa pelas criações da marca”.
E conclui: “A moda brasileira tem uma linguagem única. Estamos prontos para um diálogo efetivamente novo. De uma moda impregnada de vida, verdade, respeito ao meio ambiente e ao próximo. O estilista brasileiro é grande autor da moda no novo milênio”.
Na passarela, o feminino e masculino estão presentes na lembrança do Padre Napoleão, que tinha por hábito levar as irmãs Edina e Erika para missas, rezas e festas de casamento. “Certa vez, a gente se surpreendeu ao ver o padre cantar Homem H”, diverte-se a estilista , lembrando da imagem do religioso cantando o clássico de Ney Matogrosso. Na gramática da Hand Lace, recortes anatômicos, formas rígidas dos casacos e a camisaria dialogam com saias fluídas. As texturas, marca registrada do trabalho da estilista, remontam ao saber manual ensinado pela bisavó Davina: o tressé de retalhos. Todo desenvolvimento da Hand Lace segue o princípio de zero resíduo, nada vai para o lixo, assim como Edina aprendeu com sua bisavó. A sustentabilidade é uma urgência do design. “A consumidora da Hand Lace sabe do nosso cuidado com o desenvolvimento inteligente das peças”, sinaliza a designer.
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