“A moda artesanal sempre vai ter seu espaço. Cada vez mais vai ser valorizada, paralelamente à utilização de tecnologia. Fazemos o que chamo de arte-móvel. A pintura das roupas à mão livre é um dos nossos diferenciais”. Em entrevista exclusiva, uma das designers mais importantes da cena autoral da moda, Denise Faertes e à frente da marca Fruto do Conde, integrou o line up dos desfiles da 25ª edição do DFB Festival – multiplataforma da sinergia entre moda autoral, cultura, incluindo capacitação, empreendedorismo, música, gastronomia, realizado em Fortaleza (CE), Cidade Criativa do Design, título concedido pela Unesco em 2019.
Mestre em design de moda pela Raffles Milano, para onde ganhou uma bolsa de estudos em 2020, e PhD em engenharia pela Universidade de Sheffield, na Inglaterra, ela idealiza seus lindos modelos em família, com o marido, o designer de produto com Mestrado em Design (ESDI), Gil Haguenauer, cenógrafo de telenovelas e comerciais de televisão, projetista de mobiliário, estandes e espaços corporativos, premiado pela Associação Paulista de Críticos Arte pelo design de produção de “Kananga do Japão” (TV Manchete, 1990) e a filha, Rebecca Faertes, ilustradora e artista visual formada em Desenho Animado pela Central Saint Martins (Londres, UK) e em Artes Plásticas pela Concordia University (Montreal, Canadá). Denise pontua ainda: “Eu quero que as pessoas que usam as nossas peças sintam-se confortáveis e tenham uma sensação de pertencimento, de que é uma marca exclusiva, reconhecível, autoral. E que façam uma declaração identitária. Nossos clientes, em geral, são pessoas de bom gosto, sem gênero, atemporais, não têm idade. E tudo é feito com muito carinho e cuidado”, pontua.
Somos uma marca de slow fashion. Queremos algo identitário, algo de que as clientes gostem, que se sintam bem vestindo nossas roupas. Gosto de ateliê, pois as minhas peças são customizadas e cada uma delas é única. Além disso, acreditamos em um trabalho justo, feito com materiais sustentáveis. Também valorizamos muito a qualidade e a durabilidade – Denise Faertes
Quem ouve a estilista tem aguçada a curiosidade de conferir sua moda artsy e a grandiosidade das peças feitas à mão, que deixaram a plateia do DFB Festival maravilhada. As cores, a riqueza de detalhes, os acessórios, as texturas, o design, os muitos símbolos, a autoralidade – tudo contribuiu para a perfeição exibida na passarela. “A coleção foi batizada ‘Do Kabuki ao Cangaço’. Sempre que criamos, escolhemos um conceito. Gostamos de contar uma história, então selecionamos um tema e pesquisamos a fundo sobre ele. Fizemos uma pesquisa extensiva sobre o kabuki, que é aquela belíssima manifestação popular japonesa, muito colorida, com muitos significados e cheia de símbolos, que adoramos. E sobre o cangaço, que também tem apelo no folclore, no imaginário popular”, explica Denise Faertes.
O resultado é uma alquimia entre o sertão nordestino, o japonismo e as manualidades em uma produção slow fashion. Misturamos isso tudo e criamos uma coleção repleta de símbolos, colorida, que mistura aspectos sociais e culturais do tema com o nosso repertório imaginativo, referencial” – Denise Faertes
A criatividade de Denise, do marido, o cenógrafo e designer de produto Gil Haguenauer, e a filha, a designer gráfica e artista visual Rebecca Faertes alinhada à perfeição no acabamento nos proporciona em um mergulho em um universo criativo inigualável: “Tenho que agradecer por trabalhar com uma família formada por profissionais de diferentes segmentos dentro do design. Nossas visões são semelhantes, pois temos afinidade estética. Somos pessoas totalmente diferentes que conseguem ter essa harmonia na criação – quase nos falamos por telepatia. O olhar crítico deles é fundamental enquanto estou criando”.
O referencial nordestino da estilista vem de longa data. “Fui criada visitando o Nordeste muitas vezes por ano. Tracunhaém, Olinda, Recife, esses lugares estão totalmente incorporados à minha vida. O trabalho artesanal de lá é maravilhoso, tinha que ser valorizado como Dior e todas as grandes marcas. É um tesouro que nós temos. Precisamos aprender a lidar com isso e gerar emprego, renda e riqueza para o Brasil. O artesanato nordestino é fundamental e fonte de inspiração para nós”, ressalta Denise.
A intenção é que as peças se transfigurem em arte móvel que, por sua vez, se desdobra em afirmações identitárias, absorvendo o que puderem do hibridismo cultural. Aproprição é balela, já que não existe cultura pura, provou Stuart Hall – Denise Faertes
O Manto Sagrado, trabalho realizado para o mestrado que recebeu nota máxima, exemplifica bem essa mélange cultural de que fala a designer. Mística, ela tem um profundo interesse pela questão religiosa: “O manto, que oferece proteção a quem o veste, foi criado a partir de uma pesquisa que venho realizando há muito tempo sobre o misticismo afro-brasileiro e a cultura judaica. Sou judia e cresci em um lar com espiritualidade hebraica. Estudo a Cabala (ciência oculta judaica) há anos”. A coleção Arte Sacra, de moda medieval contemporânea, realizada há alguns anos, incorporou a linguagem da Cabala nas roupas junto com símbolos da fé católica.
Para seu primeiro desfile no DFB Festival, a Fruto do Conde “aposta em um exercício conceitual alegórico que oferece a mélange de técnicas handmade que caracterizam a produção slow fashion do ateliê Fruto do Conde. “Vamos entrar em setembro com um coleção comercial, ao lado de exposição institucional, na multimarcas Dona Coisa, no Rio. Então, escolhemos mostrar de uma forma divertida a autoralidade aqui em Fortaleza”, entrega a estilista.
A sustentabilidade é ponto pacífico na Fruto do Conde: “Sustentabilidade, para nós, envolve vários aspectos, inclusive a questão do socialmente justo. A durabilidade da nossa marca já é uma maneira de incorporá-la. As roupas do desfile foram feitas com vários retalhos de tecidos. Fizemos também acessórios de rolha, madeiras e metais, todos reaproveitados. Estamos tentando incorporar esses processos na Fruto do Conde. Cada vez mais vamos buscar essas práticas em toda a cadeia, porque você pode, bem no meio, ter um ‘elefante’ que destrói o processo sustentável. Tive aulas na Itália com várias pessoas que têm certificados europeus de sustentabilidade e estou trazendo coisas novas para incorporar”, avisa a artista.
Em 2017, Denise fundou a grife. Três anos depois, foi para a Itália após ganhar bolsa para um curso de fashion designer no Raffles Istituto, em Milão. Devido à pandemia, retornou ao Brasil e passou dois anos trabalhando como figurinista para a Globo onde, entre outros trabalhos, fez 20 figurinos para as duas temporadas da série de terror “Desalma“, do Globoplay. Em 2023, concluiu seu mestrado com chave de ouro em Milão: “Foi muito além das minhas expectativas. O mestrado me ensinou muita coisa. E tive uma experiência humana incrível”.
Novamente de volta ao país, formou-se em design pelo IED. A Fruto do Conde realizou exposições no Inspiramais, no MAC (durante o ID-Rio Festival deste ano), no Design Petrópolis e no Centro Cultural dos Correios. Além disso, colaborou com ONGs como a Associação Culturas Gerais e a Pipa Social, e criou looks para artistas em shows. Em 2022, foi selecionada para participar do projeto São Paulo Fashion Week Regeneração + Fluxonomia 4D, focado na economia criativa.
Neste âmbito, segundo Denise, “pinturas manuais viram patches a decorarem bases, criando efeitos de estampas corridas únicas que se coordenam com as joias em aço e prata 950. Aviamentos são dispostos de forma a se transformarem em tecidos, como a costura de fitas e galões coloridos que reinterpreta o efeito dos materiais usados em almofadas e tapetes por povos nômades do Ásia Central. Sobras e retalhos de tecidos descartados viram detalhes e restos de metal, madeira e rolhas de cortiça são aproveitados na confecção de roupas e acessórios. Aliás, na coleção – das peças de roupa às bijoux, calçados e bolsas –, tudo é confeccionado manualmente com o uso de diversos materiais, em especial o algodão 100% – ideal para a pintura artesanal, característica da Fruto do Conde”.
Falando sobre participar do DFB, ela é só gentileza: “Fazer parte do evento é uma honra. O DFB é o maior acontecimento de moda brasileira atual. Só tenho a agradecer ao Claudio Silveira e à Helena Silveira. Ele me conheceu quando eu fiz uma exposição no Centro Cultural Correios com roupa fitness, a convite de uma curadora de arte. O Claudio adorou e me chamou para o ID:Rio Festival. Durante a pandemia, acho que em 2022, ele me convidou para fazer uma palestra no Dragão. Estou muito honrada em estar no DFB, essa participação vai alavancar o sucesso da nossa marca”.
O DFB Festival 2024 é apresentado pelo Governo do Estado do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura. Com apoio cultural da ENEL (enelbrasil), realização da Associação Artesanias do Ceará e Empório Lokar. Apoio institucional da Secretaria de Turismo do Estado do Ceará e Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE) , nos termos da Lei 13.811, de 16 de agosto de 2006.
Artigos relacionados