Lembro como hoje, durante uma entrevista com Bruno Olly, uma reflexão importantíssima que o designer fez sobre seu trabalho autoral: “Faço as minhas coleções pensando que todos devemos ser quem somos e queremos ser, por isso não tenho limites para o meu trabalho. Venho de um estado aonde os homens não podem chorar, precisam brincar de carrinho e não podem demonstrar fraqueza. No meu trabalho, tento provar que isto não é o limite, existem novas silhuetas”, criticou Bruno, que ganhou o terceiro lugar do Concurso dos Novos em 2014.
Cria do DFB Festival, ele ressignifica com maestria o street style em conexão com o feito à mão. Através da marca Attofavo por Bruno Olly, evidencia como dar brasilidade às grandes tendências do setor, investindo em matérias-primas, técnicas e desenhos tipicamente nordestinos. E, na passarela do evento multiplataforma, o maior encontro da moda autoral da América Latina, o designer apresenta a coleção, ‘Não existe Paraíso’, na qual faz uma espécie de manifesto pelo direito de ser exatamente quem se é. “Sempre levo as minhas experiências de vida enquanto homem, negro, gay e nordestino como inspiração para as minhas coleções, e é nesse cenário pandêmico que trago uma frase como tema para o projeto que reflete muito sobre as minhas insatisfações: não existe paraíso! No atual momento, a palavra de ordem é ‘ressignificar’ para transformar tudo em combustível e se tornar sempre a melhor versão. Nessa coleção, eu trago tecidos como jacquard e brins com a representação desse universo rígido e cheio de padrões que vivemos. Além dos moletons e dos canelados para demonstrar a nossa luta em passar o tempo tentando se adequar a esses padrões; e crepes que simbolizam a liberdade e a pureza do nosso eu interior”, detalha.
No line-up do DFB: Bruno Olly apresenta coleção batizada ‘Não existe Paraíso’, na qual faz um manifesto pelo direito de ser exatamente quem se é (Foto: Hugo Digenário)
“Já basta viver em um mundo com medo do que os outros farão contra a sua existência. Ser preto, gay, mulher, afeminado ou ser algo que os padrões da sociedade não aceitam, ainda é complicado em 2022. A masculinidade ainda torna o nosso mundo tóxico. É fácil não vivenciar e falar que vivemos no paraíso sem preconceito! Mas muitos sofrem na pele o que é ser gay e não poder demonstrar carinhos a quem ama. Por ser gay e não poder ser afeminado, ser mulher e ser julgada pelo que veste, ser preto e ser confundido com bandido. Estou cansado de tanto desrespeito e desejo uma moda sem julgamentos maldosos, onde homens podem vestir saias e serem afeminados ou não, mulheres podem ser o que quiser e vestir o que desejarem”, aponta Bruno, dono de um mood moderno, que flerta com sportswear e com a alfaiataria.
“Sempre levo as minhas experiências de vida enquanto homem, negro, gay e nordestino como inspiração para as minhas coleções” (Divulgação)
Aos 35 anos, contabilizando oito da grife autoral, o estilista natural da Parnaíba, Piauí, mora em Fortaleza desde 2012, e conta que o dom da costura é herança de família: Bruno de aperfeiçoou ao longo do tempo observando a mãe e a avó criando roupas. “Eu ficava fascinado. Fui tomando coragem, e transformava as minhas ideias em looks incríveis para as amigas drag queen’s da cidade”, recorda.
Bruno Olly rompe, através da sua moda autoral, com padrões de uma sociedade patriarcal e repleta de preconceitos (Divulgação)
“Logo depois me mudei sozinho para o Ceará, pois a sede de conhecimento era enorme. Participei do concurso Moda Contemporânea, em 2013, e do Concurso dos Novos Talentos no Dragão Fashion, em 2014. No mesmo ano, curioso que sou, aprendi a trabalhar com a modelagem masculina e comecei a fazer moda autoral para a minha marca, com o apoio de uma grande amiga, a Virgínia Dourado. Em 2018, voltei às passarelas. Desde então, venho fazendo a moda para homens contemporâneos mergulhados no streetwear, reforçando a minha identidade. Levo sempre comigo a força negra e LGBTQIA+ nos projetos, mostrando historicamente a minha verdade em cada criação. Sem medo de ousar, desenho, modelo, corto e costuro cada peça para que todas as coleções sejam especiais e únicas”.
A label de Bruno Olly desfila o streetwear e representatividade no DFB Festival (Divulgação)
Bruno também exalta os 22 anos do DFB Festival: “Tenho orgulho de fazer parte desse line-up, ao lado de artistas tão incríveis. O evento representa o amor por tudo o que tenho lutado para chegar até aqui, desde que saí do Piauí e escolhi o Ceará para ser a minha casa. Hoje saber que a minha voz está sendo ouvida, que a minha arte, e toda a representatividade que ela carrega, vai ser propagada por todos os lugares, é surreal”.
A label de Bruno Olly desfila o streetwear e representatividade no DFB Festival (Divulgação)
Para o designer, a exposição do impacto ambiental na internet que a cultura do fast fashion criou sobre uma geração, fez a moda autoral ganhar fôlego. “Ela traz para o mercado a ressignificação para os consumidores que dão destaque aos pequenos empreendedores que resgatam esses valores perdidos”.
Sem separar a atividade autoral do pensamento sustentável, ele revela como a label conversa isso diretamente com seu consumidor. “Sempre priorizei usar matérias-primas sustentáveis e mão-de-obra de qualidade, a fim de que cada cliente tenha produtos versáteis e com vida útil maior. Os resíduos resultantes do corte das peças são doados e transformados em tapetes com o propósito de ter o desperdício mínimo. os produtos que seriam descartados, como calças jeans, são transformados em produtos novos. Na minha coleção de 2019 levei esse trabalho para a passarela”, compartilha.
“Os resíduos resultantes do corte das peças são doados e transformados em tapetes com o propósito de ter o desperdício mínimo” (Divulgação)
“Na terceirização de alguns processos como lavanderia industrial de jeans, a parceria é feita e firmada com empresas que se comprometem e respeitam a sustentabilidade, se utilizando de processos que causam um menor desperdício de água, causando assim menor impacto ambiental. Amo fazer com o que os meus clientes façam parte dos processos de confecção de seus produtos, explicando cada processo e o tempo que se leva para ser concluído”.
A label de Bruno Olly desfila o streetwear e representatividade no DFB Festival (Divulgação)
Simpatizante da liberdade de ser cada vez mais forte em seus posicionamentos diante da sociedade, como em um movimento de verdadeira revolução, bem como percebe muito do seu público, Bruno Olly reforça a paixão pelo ofício: “Muitas vezes me deparo com alguma peça que criei e me pergunto: “nossa, fui eu que fiz?”. É essa emoção que faz alimentar esse amor que sinto, que também é nostálgico, porque é de família. Me lembro de ver minha avó costurando para alimentar a família, e minha mãe depois fazendo o mesmo. Nunca tinha tempo de me ensinar, e eu ficava olhando de longe, tentando aprender”.
E aprendeu, não é mesmo Bruno? De onde vem essa potência? “Vem de valorizar a cultura nordestina em todas as nossas vertentes, seja no bordado, na música, nas literaturas de cordel e acima de tudo, em nossa gente”.
A label de Bruno Olly desfila o streetwear e representatividade no DFB Festival (Divulgação)
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