A moda incorpora e passeia pelas expressões do passado, presente e futuro, não necessariamente nesta ordem. Aliás, pouco importa a ordem, já que para criar, o pressuposto é a liberdade. Ainda mais quando falamos de moda autoral. E o DFB Festival, mega evento que vem desde 1999 evidenciando a potência e a energia inovadora da moda autoral, acaba por passear também pelas trajetórias individuais dos talentos que embarcam na aventura deliciosa que é esta multiplataforma de moda e cultura na capital do Ceará, Fortaleza, escolhida como Cidade Criativa em Design pela Unesco.
Junto da importância direta para o setor, já que contribui para fazer a roda da economia girar em nosso país, o DFB reúne jornadas inspiradoras, como a do estilista cearense Manuel Bessa. Aos 46 anos, e trabalhando com moda há 22, ele revela ao site que a coleção lançada no DFB será inesquecível, com gosto de reestreia no line-up, já que ficou longe de suas passarelas durante 15 anos. “Minha principal inspiração para essa coleção ‘Guardiões‘, se deu através de um filme, que conta a aventura de redenção de um anjo, chamado Gabriel, que tem a missão de descer à Terra com sua legião para salvar o mundo do Apocalipse. Depois de assistir, lembrei de um projeto que gostaria que virasse uma coleção, tendo como referência os ‘anjos caídos’. Acabei partindo do filme para dar continuidade a um projeto do passado. As peças têm pegada dos anos 1960, com vestidos trapézio, tubinhos, mesclando com tendências dos anos 2000, remetidas em lavagens especiais, com brilhos e cinturas mais baixas. Uso como matéria-prima o índigo e denim, que são atemporais, me desafiando a manuseá-los de forma multifacetada, transformando-os também com pigmentações em efeitos metalizados”, traduz.
Como pontua Claudio Silveira, que conduz com maestria seu DFB Festival, “o Ceará é um estado privilegiado. No século XIX, nós chegamos a ser o maior fornecedor de algodão para a Inglaterra! Aqui, nós condensamos toda a cadeia produtiva: do plantio ao descarte e reuso de insumos da indústria do algodão – e do jeans, por tabela. Nosso jeans já foi sinônimo de irreverência, de criatividade. A muito custo, nos posicionamos entre os players de maior qualidade. No entanto, sempre tivemos grandes desafios para os setores de maior valor agregado. Atualmente, nosso maior diferencial é o fator econômico, o custo-benefício. O que eu proponho é trabalhar o jeans 100% cearense também como artigo qualificado, premium”.
“Também utilizo aviamentos e acessórios como os aspirais e botões feitos à base de índigo. Junto ao jeans, trabalho com um artesanato de decoração, chamado ponto capitonê, que são usados para fazer colchas, almofadas. Acho que esse ponto, junto ao ponto folha, conversa com o meu tema. Queria que algumas peças tivessem um shape de armadura. E compus outros modelos com flores de índigo artesanais, aplicadas nas peças e acessórios”, acrescenta.
Bessa fala sobre sua ausência do evento nos últimos anos. “Meu afastamento do DFB se deu em 2007, basicamente por falta de patrocinadores. Isso acabou acarretando na minha desistência naquele ano. E, no seguinte, acabei não tentando apoio, e fui em busca de um sonho antigo, que era estudar modelagem, em todos os segmentos, não só em jeanswear, que é a minha praia. Fui me aprofundar e isso leva tempo, porque depois do estudo, vem a necessidade da prática, das experimentações. Acabei direcionando o meu trabalho para essa parte da criação, e fui adiando trabalhar uma coleção para o evento. Quando resolvi voltar, veio a pandemia. Mas, aqui estou eu, de volta em 2022”, celebra.
“Esta coleção tem a minha experiência em modelagem, que é uma paixão. Acho fantástico construir a roupa do zero, capturar os insights e viajar. Depois, pesquisar e criar, livremente. É incrível ser você, como criador, a modelar, cortar. Esse desfile está sendo verdadeiramente especial para mim, já que fiz tudo, com exceção da costura, porque não dava tempo (risos). Mas a parte de modelagem é uma das que mais me dá prazer de fazer na vida”.
Exultante com o retorno ao maior encontro de moda autoral da América Latina, Manuel Bessa destaca a resistência do DFB como plataforma para se pensar coletivamente a moda, e espaço em prol da criatividade, mas aproveita para chamar à atenção para a falta de incentivo ainda existente deste lado da cadeia produtiva: “As maiores dificuldades ainda são a falta de apoio, parcerias, reconhecimento, sobrecarga de trabalho, e equipes reduzidas. Por outro lado, a satisfação em ver seu trabalho concretizado, bem realizado, com a sensação do dever cumprido, e a retribuição de quem o recebe, é o estímulo maior para continuar no caminho e ter inspiração”.
E aproveita para fazer uma ode à moda do Nordeste. “Nossa potência vai desde seus criadores, passando pelas indústrias têxteis, até as artesanias diversas que temos. Além disso, confecções, indústrias, e escolas de moda são facilitadoras para gerar a mão de obra qualificada, bem como dar visibilidade à uma grande quantidade de criadores, todos esses aspectos têm contribuído para potencializar o nordeste e o país”.
Para ver mais da passarela de Manuel Bessa:
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