Há menos de um mês, conversamos com Gustavo Narciso, diretor executivo do Instituto C&A – braço social da C&A Brasil há 30 anos com o propósito de fortalecer comunidades brasileiras por meio da moda. O diretor executivo do Instituto C&A analisa que na moda, assim como em outros segmentos, é preciso repensar a lógica de consumo e mesmo de produção, “tendo em mente que a sustentabilidade precisa ser parte intrínseca ao negócio, que também é uma oportunidade para promover transformação”. Ele pontuou que o empreendedor da moda deve se atentar aos novos modelos de produção. A reutilização de materiais, por exemplo, é uma tendência que tem ganhado cada vez mais espaço. “Empreendedores que, desde o início, preocupam-se com o impacto socioambiental de suas produções são um modelo que deve crescer nos próximos anos. Investir na promoção de ambientes mais democráticos e diversos também faz parte de práticas sustentáveis”, frisou.
Pois o diretor-executivo do Instituto C&A esteve no DFB Festival, multiplataforma da sinergia entre moda, cultura, capacitação, empreendedorismo e música, realizado entre os dias 25 e 28, no Aterro da Praia de Iracema, na capital cearense, para uma palestra partindo da discussão pública voltada à sustentabilidade em companhia de Verônica Couto, analista do Sebrae Nacional: “Nossa meta é apresentar questões propositivas para fazer da moda brasileira sustentável”, deu início ao bate-papo Verônica.
Inicialmente proposta como uma consulta pública, aberta para a sociedade civil pontuar e validar o pensamento, Verônica Couto e Gustavo Narciso juntaram-se com mais de uma centena de lideranças da cadeia produtiva da moda, ainda em 2017, e iniciaram a proposição da plataforma “Colabora Moda Sustentável”, que objetiva promover um olhar coletivo sobre os desafios pelos quais todo o segmento moda passaria a fim de se estruturar para uma produção sustentável.
Gustavo já tinha sinalizado ao site Heloisa Tolipan que muito tem sido feito no varejo de moda brasileiro nos últimos anos. A mudança do propósito do Instituto C&A, em 2015, para olhar para a transformação da indústria foi um destes acenos, seguido do surgimento e fortalecimento de outras organizações. Neste sentido, o esforço do Instituto C&A desenvolve, investe e tem conectado a C&A Brasil a projetos, pessoas e iniciativas que tem, mesmo que em menor escala, respondido a estas recomendações, almejando escalá-las pelo negócio.
Os principais atores do Colabora foram selecionados a partir de iniciativas que culminaram, em 2020, numa consultoria onde vários players do mercado da moda foram opinativos. Essas opiniões segmentaram o “Colabora Moda” em cinco macrotemas, que se subdividem em 17 recomendações que visam destravar e propor resoluções de questões sociais, econômicas e ambientais complexas na moda.
Como a meta é atingir todas as esferas, de maneira integral, tanto as grandes marcas como o micro empresário, houve também a discussão acerca da linguagem mais adequada, de modo que não ficasse demasiadamente hermética ou erudita para o pequeno produtor, um dos alvos principais do projeto: “Essa discussão está chegando de forma compreensível para quem precisa compreender?”, questionou Verônica Couto.
Em um dos dados trazidos por Verônica, ela aponta que a cadeia de pequenos negócios foi fortemente impactada pela pandemia, com perdas de 90% de capital, o que quase inviabilizou algumas empresas. Desta feita, a crise sanitária trazida pela Covid originou também uma crise econômica, que potencializou e fortaleceu a necessidade da discussão de políticas economicamente sustentáveis e ecologicamente viáveis. Gustavo relata que nestes últimos dois anos, diante do quadro de incertezas nas quais a moda e a economia se inseriram diante do coronavírus, era necessário haver uma discussão sob vários âmbitos – cultural, social, ambiental e econômico, já que há a necessidade de que o pequeno produtor possa subsistir, enquanto dedica sua produção à lógica da sustentabilidade.
Diante disso, a plataforma “Colabora” dividiu a análise desse problema em segmentos que perpassam por várias óticas, desde práticas que ajudem a reduzir a informalidade na cadeia produtiva – já que a diminuição do poder de compra não está equivalente a necessidade de consumo, de modo que o baixo poder de compra exige a aquisição de produtos mais baratos, o que implica tanto na desvalorização da mão de obra, que costuma margear a escravidão, como na escolha de matérias-primas menos nobres.
O ideário também se propõe a discutir saídas sustentáveis que dialoguem com a identidade e a diversidade do Brasil, quer sejam étnica, ou voltada a públicos específicos como o das plus size, de pessoas portadoras de deficiência ou trans. Trata-se do entendimento de sustentabilidade que também transita pelo princípio da inclusão. Gustavo declara: “Recentemente a gente teve oportunidade de realizar um evento chamado ‘Primeira formação antirracista’. (…) E como eu venho desse mercado, eu falo com tranquilidade que as grandes empresas brasileiras ainda têm um desafio gigantesco para tratar da temática racial de uma forma efetiva”.
Outra proposta incluída, é a de valorização do saber regional e a estimulação financeira para alguns elementos específicos. Verônica cita as crocheteiras nordestinas e comenta: “É legal ver esse tipo de ação onde se passa o conhecimento adiante. Quando esse saber não é devidamente remunerado ele pode vir a morrer”. A gestora destacou as iniciativas do Sebrae na manutenção e estímulo a estas formas locais e de confecção manufaturadas.
O tema “geração e disseminação do conhecimento” é o que mais dialoga com Narciso: “(Minha intenção é) parar de falar para a bolha e trazer outras pessoas para o debate de forma descomplicada e deselitizada, e, de fato, poder avançar em todas as recomendações (de implantação de políticas sustentáveis) (…)”. Para o diretor, é importante haver a criação de um espaço onde essas propostas sejam mais acessíveis: “Nosso objetivo é buscar as melhores práticas de sustentabilidade e transparência, já que a informação está muito pulverizada. Como favorecer o acesso, através da criação de um grande banco de dados que seja acessível para a adesão (das pessoas)”, propõe.
Nos últimos anos a C&A passou por mudanças na composição de seu negócio e o Brasil manteve o Instituto C&A. O Instituto atua como o pilar social da C&A Brasil e tem promovido impacto social há 30 anos nos territórios em que a empresa está presente. Ao longo dessas três décadas de compromisso com a sociedade civil, desde 2015, a empresa tem atuado fortemente de forma mais integrada e articulada às realidades sociais, econômicas e ambientais em que está inserida e o instituto acessa mais plataformas e recursos, ampliando o investimento social privado e a produção de bens públicos.
Outro campo que o projeto visa atender é o de uma mediação entre as esferas pública e privada, diante da atração de capital e ampliação de linhas de financiamento e disposição de recursos mais sustentáveis. Afinal, o mercado tende a ser mais conservador na oferta de linhas de crédito para negócios que sejam mais inovadores. O fortalecimento do ecossistema e de suas organizações e atores visa ampliar conhecimentos e habilidades complementares para o estabelecimento de uma agenda mutua e construtora entre os atores diversos. Além destas questões, o projeto visa fazer com que a moda ecologicamente correta seja, sobretudo, vendável e estética.
“A vestimenta sustentável deve ser um produto que tenha informação de moda para que ela seja competitiva”, afirma Verônica, de modo que a valorização do meio ambiente não pode estar em dissonância com a beleza do vestuário.
Outro ponto que os palestrantes sugerem é de que haja uma mudança curricular nas universidades, que poderiam discutir em suas cadeiras o tema da sustentabilidade, que acaba transversalizado por outras temáticas como o próprio design. Couto propõe: “Queremos que a Academia entre nesse debate (ecológico) e o impulsione”.
Diante da possibilidade de criação de uma moda brasileira sustentável, tanto Gustavo como Verônica sugerem que as políticas públicas podem ser alternativas interessantes na promoção desse formato e no favorecimento de implantação desta filosofia: “Inserir a visão de políticas parece algo etéreo, mas, na verdade, objetiva chamar o Governo para a discussão de saídas e não só na formatação de políticas. A gente leva um pouco do insumo teórico mas sugere a ação também, que é o que mais importa (…). A dificuldade é aterrar, trazer para a ação (e entender) como a gente faz parte e diferença neste sistema”, pontua.
A divulgação das ideias propostas pela “Colabora Moda” se dará sob a forma de Caravanas que irão circular por todos os estados brasileiros. O start foi dado no Inspiramais, em Porto Alegre, em 2021, e passou por cidades como Balneário Camboriú e esteve presente no DFB de Fortaleza no último fim de semana.
Num evento que discute fortemente a moda autoral, o grande barato foi sugerir uma collab com o meio ambiente, a partir de uma mudança na forma de conceber e consumir.
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