DFB Festival: A sustentabilidade ressignificando a produção de moda e com ênfase em ação colaborativa


Realizado entre os dias 25 e 28 de Maio, o DFB Festival trouxe como uma das pautas discutidas em seu ciclo de palestras, propostas que visam objetivar a realização de políticas de moda sustentável. Capitaneada por Verônica Couto, analista do Sebrae Nacional, e Gustavo Narciso, do Instituto C&A, e com a colaboração de Milena Prado do DIEESE, a palestra trouxe um olhar moderno e sistematizado para uma produção têxtil que dialogue com práticas ecologicamente viáveis e socialmente inclusivas, promovendo um “ciclo virtuoso” no mercado da moda

Há menos de um mês, conversamos com Gustavo Narciso, diretor executivo do Instituto C&A – braço social da C&A Brasil há 30 anos com o propósito de fortalecer comunidades brasileiras por meio da moda. O diretor executivo do Instituto C&A analisa que na moda, assim como em outros segmentos, é preciso repensar a lógica de consumo e mesmo de produção, “tendo em mente que a sustentabilidade precisa ser parte intrínseca ao negócio, que também é uma oportunidade para promover transformação”. Ele pontuou que o empreendedor da moda deve se atentar aos novos modelos de produção. A reutilização de materiais, por exemplo, é uma tendência que tem ganhado cada vez mais espaço. “Empreendedores que, desde o início, preocupam-se com o impacto socioambiental de suas produções são um modelo que deve crescer nos próximos anos. Investir na promoção de ambientes mais democráticos e diversos também faz parte de práticas sustentáveis”, frisou.

Pois o diretor-executivo do Instituto C&A esteve no DFB Festival, multiplataforma da sinergia entre moda, cultura, capacitação, empreendedorismo e música, realizado entre os dias 25 e 28, no Aterro da Praia de Iracema, na capital cearense, para uma palestra partindo da discussão pública voltada à sustentabilidade em companhia de Verônica Couto, analista do Sebrae Nacional: “Nossa meta é apresentar questões propositivas para fazer da moda brasileira sustentável”, deu início ao bate-papo Verônica.

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Inicialmente proposta como uma consulta pública, aberta para a sociedade civil pontuar e validar o pensamento, Verônica Couto e Gustavo Narciso juntaram-se com mais de uma centena de lideranças da cadeia produtiva da moda, ainda em 2017, e iniciaram a proposição da plataforma “Colabora Moda Sustentável”, que objetiva promover um olhar coletivo sobre os desafios pelos quais todo o segmento moda passaria a fim de se estruturar para uma produção sustentável.

Gustavo já tinha sinalizado ao site Heloisa Tolipan que muito tem sido feito no varejo de moda brasileiro nos últimos anos. A mudança do propósito do Instituto C&A, em 2015, para olhar para a transformação da indústria foi um destes acenos, seguido do surgimento e fortalecimento de outras organizações. Neste sentido, o esforço do Instituto C&A desenvolve, investe e tem conectado a C&A Brasil a projetos, pessoas e iniciativas que tem, mesmo que em menor escala, respondido a estas recomendações, almejando escalá-las pelo negócio.

Ciclo de palestras no DFB discutiu a sustentabilidade na moda (Foto: Divulgação)

Ciclo de palestras no DFB discutiu uma moda sustentável e sob as óticas sociais, culturais, políticas e ambientais  (Foto: Divulgação)

Os principais atores do Colabora foram selecionados a partir de iniciativas que culminaram, em 2020, numa consultoria onde vários players do mercado da moda foram opinativos. Essas opiniões segmentaram o “Colabora Moda” em cinco macrotemas, que se subdividem em 17 recomendações que visam destravar e propor resoluções de questões sociais, econômicas e ambientais complexas na moda.

Como a meta é atingir todas as esferas, de maneira integral, tanto as grandes marcas como o micro empresário, houve também a discussão acerca da linguagem mais adequada, de modo que não ficasse demasiadamente hermética ou erudita para o pequeno produtor, um dos alvos principais do projeto: “Essa discussão está chegando de forma compreensível para quem precisa compreender?”, questionou Verônica Couto.

Em um dos dados trazidos por Verônica, ela aponta que a cadeia de pequenos negócios foi fortemente impactada pela pandemia, com perdas de 90% de capital, o que quase inviabilizou algumas empresas. Desta feita, a crise sanitária trazida pela Covid originou também uma crise econômica, que potencializou e fortaleceu a necessidade da discussão de políticas economicamente sustentáveis e ecologicamente viáveis. Gustavo relata que nestes últimos dois anos, diante do quadro de incertezas nas quais a moda e a economia se inseriram diante do coronavírus, era necessário haver uma discussão sob vários âmbitos – cultural, social, ambiental e econômico, já que há a necessidade de que o pequeno produtor possa subsistir, enquanto dedica sua produção à lógica da sustentabilidade.

DFB Festival e a inclusão do conceito de sustentabilidade na moda (Foto: Divulgação)

DFB Festival e a inclusão do conceito de sustentabilidade na moda (Foto: Divulgação)

Diante disso, a plataforma “Colabora” dividiu a análise desse problema em segmentos que perpassam por várias óticas, desde práticas que ajudem a reduzir a informalidade na cadeia produtiva – já que a diminuição do poder de compra não está equivalente a necessidade de consumo, de modo que o baixo poder de compra exige a aquisição de produtos mais baratos, o que implica tanto na desvalorização da mão de obra, que costuma margear a escravidão, como na escolha de matérias-primas menos nobres.

O ideário também se propõe a discutir saídas sustentáveis que dialoguem com a identidade e a diversidade do Brasil, quer sejam étnica, ou voltada a públicos específicos como o das plus size, de pessoas portadoras de deficiência ou trans. Trata-se do entendimento de sustentabilidade que também transita pelo princípio da inclusão. Gustavo declara: “Recentemente a gente teve oportunidade de realizar um evento chamado ‘Primeira formação antirracista’. (…) E como eu venho desse mercado, eu falo com tranquilidade que as grandes empresas brasileiras ainda têm um desafio gigantesco para tratar da temática racial de uma forma efetiva”.

Gustavo Narciso e Verônica Couto palestram no DFB Festival. Narciso destaca a necessidade da inclusão étnica para maior equidade nos cargos de liderança (Foto: Divulgação)

Outra proposta incluída, é a de valorização do saber regional e a estimulação financeira para alguns elementos específicos. Verônica cita as crocheteiras nordestinas e comenta: “É legal ver esse tipo de ação onde se passa o conhecimento adiante. Quando esse saber não é devidamente remunerado ele pode vir a morrer”. A gestora destacou as iniciativas do Sebrae na manutenção e estímulo a estas formas locais e de confecção manufaturadas.

O tema “geração e disseminação do conhecimento” é o que mais dialoga com Narciso: “(Minha intenção é) parar de falar para a bolha e trazer outras pessoas para o debate de forma descomplicada e deselitizada, e, de fato, poder avançar em todas as recomendações (de implantação de políticas sustentáveis) (…)”. Para o diretor, é importante haver a criação de um espaço onde essas propostas sejam mais acessíveis: “Nosso objetivo é buscar as melhores práticas de sustentabilidade e transparência, já que a informação está muito pulverizada. Como favorecer o acesso, através da criação de um grande banco de dados que seja acessível para a adesão (das pessoas)”, propõe.

Nos últimos anos a C&A passou por mudanças na composição de seu negócio e o Brasil manteve o Instituto C&A. O Instituto atua como o pilar social da C&A Brasil e tem promovido impacto social há 30 anos nos territórios em que a empresa está presente. Ao longo dessas três décadas de compromisso com a sociedade civil, desde 2015, a empresa tem atuado fortemente de forma mais integrada e articulada às realidades sociais, econômicas e ambientais em que está inserida e o instituto acessa mais plataformas e recursos, ampliando o investimento social privado e a produção de bens públicos.

Outro campo que o projeto visa atender é o de uma mediação entre as esferas pública e privada, diante da atração de capital e ampliação de linhas de financiamento e disposição de recursos mais sustentáveis. Afinal, o mercado tende a ser mais conservador na oferta de linhas de crédito para negócios que sejam mais inovadores.  O fortalecimento do ecossistema e de suas organizações e  atores visa ampliar conhecimentos e habilidades complementares para o estabelecimento de uma agenda mutua e construtora entre os atores diversos. Além destas questões, o projeto visa fazer com que a moda ecologicamente correta seja, sobretudo, vendável e estética.

“A vestimenta sustentável deve ser um produto que tenha informação de moda para que ela seja competitiva”, afirma Verônica, de modo que a valorização do meio ambiente não pode estar em dissonância com a beleza do vestuário.

Outro ponto que os palestrantes sugerem é de que haja uma mudança curricular nas universidades, que poderiam discutir em suas cadeiras o tema da sustentabilidade, que acaba transversalizado  por outras temáticas como o próprio design. Couto propõe: “Queremos que a Academia entre nesse debate (ecológico) e o impulsione”.

Diante da proposta de uma inclusão ampla, a palestra de Verônica Couto e Gustavo Narciso foi acompanhada por uma intérprete de Libras (Foto: Divulgação)

Diante da proposta de uma inclusão ampla, a palestra de Verônica Couto e Gustavo Narciso foi acompanhada por uma intérprete de Libras (Foto: Divulgação)

Diante da possibilidade de criação de uma moda brasileira sustentável, tanto Gustavo como Verônica sugerem que as políticas públicas podem ser alternativas interessantes na promoção desse formato e no favorecimento de implantação desta filosofia: “Inserir a visão de políticas parece algo etéreo, mas, na verdade, objetiva chamar o Governo para a discussão de saídas e não só na formatação de políticas. A gente leva um pouco do insumo teórico mas sugere a ação também, que é o que mais importa (…). A dificuldade é aterrar, trazer para a ação (e entender) como a gente faz parte e diferença neste sistema”, pontua.

A divulgação das ideias propostas pela “Colabora Moda” se dará sob a forma de Caravanas que irão circular por todos os estados brasileiros. O start foi dado no Inspiramais, em Porto Alegre, em 2021, e passou por cidades como Balneário Camboriú e esteve presente no DFB de Fortaleza no último fim de semana.

Num evento que discute fortemente a moda autoral, o grande barato foi sugerir uma collab com o meio ambiente, a partir de uma mudança na forma de conceber e consumir.