Era finalzinho do ano 1999 e a moda nacional insistia em ficar restrita ao circuito lançador de tendências Rio de Janeiro-São Paulo. Mas, os ecos de uma semana de moda inovadora me fez voltar os olhos para Fortaleza, no Ceará. Um novo movimento começava a lançar luz sobre a criação a partir das artesanias de mentes brilhantes e valorização da moda autoral e iniciativas que tornavam cada vez mais evidentes que era preciso colaborar com o país para diminuir o impacto negativo de uma indústria de moda altamente poluente. Era o reverberar do DFB Festival (abreviatura do Dragão Fashion Brasil como começou a ser chamado lá atrás), orquestrado com maestria por Claudio Silveira tendo como produtora executiva Helena Vieira Gualberto Silveira, fazendo o rito de passagem do que muitos só conheciam como “artesanato do Nordeste”. Ano a ano, o evento se tornava propulsor do handmade “made in Brasil” no mundo, a partir de um mergulho profundo em processos produtivos que incentivavam a cadeia produtiva da moda, gerando impacto positivo para o sócio-ambiental. E, neste 2024, o Ano do Dragão, de acordo com a astrologia chinesa representando um período de prosperidade, sucesso, autoaprimoramento, força e resiliência, o DFB Festival completa 25 anos. E podemos mesmo dizer que, em suas Bodas de Prata, reafirma o que o metal, a prata em si, simboliza em essência: uma renovação constante, mas resistente e durável. É precursor que se chama, amores! É moda visionária e sustentável! É chancela na história!
Em meio a muitos vivas pela resistência em prol da moda autoral, Fortaleza, berço do DFB Festival, recebe entre os dias 24 e 27 de julho a 25ª edição do que se tornou o maior evento de moda autoral da América Latina em conexão com ações multiculturais, contribuindo assim para o desenvolvimento da cultura de moda e incentivo aos novos talentos. A edição comemorativa marca o início de um novo ciclo para o DFB, que se reinventa e se conecta com as tendências mais relevantes do universo da moda. O festival multiplataforma tem se destacado ao longo dos anos pela sinergia cirúrgica que realiza entre moda, capacitação, empreendedorismo, mostra criativa, jornada de conhecimento, gastronomia e música, impulsionando o fazer coletivo com inovação e um panorama completo do design que ganhou o mundo. Imperdível, como sempre. Vem conferir o que a organização preparou para a edição emblemática!
Eu adoro uma frase que ouvi nesses anos de Claudio Silveira: “Moda é identificada como parte da epiderme viva da sociedade, dissolvendo as fronteiras entre classes e culturas, agregando mais do que segregando. As pessoas já assimilaram que moda vai muito além da roupa: ela compreende comunicação, anseios, projeções e formas de se expressar”. E, na minha opinião a partir de tudo o que sinto durante o DFB Festival há anos, o backbone, a espinha dorsal do item de luxo, está no feito à mão, no artesanato de alto valor agregado, na marca de origem. Marca de origem: uma expressão mágica, uma chancela que um país como o Brasil, hoje enxergado de forma tão positiva no inconsciente coletivo mundial quando se fala em moda autoral tem toda propriedade para ter. A cada dia a indústria da moda do nosso país tenta deixar de ser refém do alter ego colonizador do europeu e a maximização de potencial das artesanias brasileiras afasta nossa arte de uma armadilha letal, neste movimento progressivo do ambiente local para o internacional. Diferentemente de outros países que vendem seus produtos pela questão custo, nós vendemos os nosso pelas nossas cores, nossa criatividade, nossos traços livres, nossa leveza. Conclusão: representam cada vez mais nosso jeito de ser em um mundo que nos parecia inatingível.
Exaltando a moda e cultura
Claudio Silveira tem uma análise dita ao longo dos 25 anos de DFB que corrobora a inovação constante e a consagração do evento: “Só existe porque o propósito é mais forte que qualquer outra questão. Somos idealistas-pé-no-chão. A gente continua sonhando e acreditando, mas, duas décadas depois, carregamos a maturidade de saber como a banda toca. E a banda tem experimentado novos ritmos. Vender não significa mais exibir um produto para a venda. Isso não basta para um mundo em profunda transformação. O consumidor da moda, principalmente após o estabelecimento do fast fashion, parece despertar dessa overdose consumista. O que é ótimo para quem trabalha com a moda autoral. Significa que cada vez mais pessoas devem desejar produtos com mais alma que chassi. Já para a indústria, o desafio da indústria é imenso, porque é preciso repensar tudo: processos, prazos, expectativas. O DFB Festival tem uma espécie de visão privilegiada dessa situação, já que sempre dialogou com esses dois extremos. Eu, particularmente, acredito que quanto mais conversa e troca, mais enriquecedores são os resultados para todos os envolvidos”.
A programação da edição comemorativa inclui um line-up de desfiles no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza, com designers e projetos que possuem profunda ligação com os 25 anos de história do DFB, como Lino Villaventura, Projeto 100%CE, Almerinda Maria, Marina Bitu, Vitor Cunha, Lindebergue, David Lee, Bruno Olly, Melk ZDA, Baba e Catarina Mina. Com mais de 15 desfiles, a edição de 25 anos terá a participação de Almir França e Fruta do Conde, que irão apresentar suas coleções nos dois primeiros dias.
O Concurso dos Novos é outra chancela do DFB Festival. A ação mobiliza alunos dos cursos de Estilismo, Moda e Design de todo o país, que elaboram peças sob a supervisão de seus docentes. Aliando a valorização e cultura de moda por meio da formação e ações multidisciplinares, o DFB Festival também conta com os desfiles de alunos do IFRN (RN — Campus Caicó); Senai Moda (RN); UDESC (SC); UFC (CE); UFCA (CE); UFMG (MG); UniAteneu (CE); Unifor (CE); Unipê (PB); e UTFPR (PR) — selecionadas no edital do Concurso dos Novos, que reúne instituições brasileiras de ensino superior e técnico de estilismo e moda. Os vencedores levam um prêmio em dinheiro e a instituição vencedora ganha o troféu DFB .
O DFB Festival se traduz nas ações que, ano após ano, são implementadas. E são décadas valorizando a pluralidade. Claudio nos disse há anos esta análise: “Seja na valorização de questões de gênero, seja na luta contra o preconceito racial. Nossas passarelas nunca tiveram hegemonia racial; estamos no Nordeste, somos 100% miscigenados e o DFB sempre serviu como reflexo étnico da nossa sociedade. Nossas campanhas publicitárias têm, predominantemente, modelos negros. Em 2019, tivemos uma modelo teen com síndrome de down na passarela, vários modelos da terceira idade e plus size, além de modelos trans no casting de vários desfiles. O que podemos melhorar é incentivar ainda mais a inclusão e a diversidade nas apresentações para que essa percepção chegue ao público de forma clara. Enfim, combater o racismo, o sexismo e outras formas de preconceito é uma ferramenta poderosa e tenho orgulho em dizer que estivemos também à frente em relação a esse assunto”.
Para lacrar no seu jubileu de prata, o evento também traz como grande atração, em show gratuito, como toda sua programação, o cantor e compositor pernambucano Johnny Hooker, se apresentando no último dia (27), às 22h. Conhecido por sua performance vibrante e letras profundas, o artista, que conquistou o público com sucessos como ‘Alma Sebosa’ e ‘Flutua’, é reconhecido por misturar ritmos brasileiros a uma pegada pop contemporânea, criando sonoridade única e envolvente. No palco do DFB, a apresentação de Johnny faz parte de uma turnê de celebração dos seus 20 anos de carreira. É para dançar e celebrar em dobro!
A presença de Johnny Hooker no DFB 25 é um presente para o nosso público. Queremos celebrar esses 25 anos com um espetáculo que represente a diversidade e a inovação que sempre marcaram o festival. E ninguém melhor que Johnny, com sua energia e autenticidade, para traduzir essa celebração – Cláudio Silveira
(Re)design inteligente e a moda artsy e inclusiva
A indústria da moda é a segunda mais poluidora do mundo, atrás apenas da indústria petrolífera. Levantamento publicado pela Global Fashion Agenda, organização sem fins lucrativos, aponta que mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados em anos recentes. E a projeção é de um aumento de 60%, ou mais de 140 milhões de toneladas nos próximos oito anos. Segundo o relatório Fashion on Climate, do Global Fashion Agenda com a McKinsey and Company, as empresas que confeccionam roupas e acessórios emitiram, em 2018, cerca de 2,1 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa. Esse montante equivale a 4% das emissões globais. Cerca de um caminhão de lixo é enviado para aterros sanitários a cada segundo no mundo. Só no Brasil, são descartados 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano. Desse total, 80% são destinados a lixões e aterros sanitários. E os impactos socioambientais gerados pela indústria da moda vão da poluição ambiental à utilização excessiva de recursos. É preciso mudar agora, passando pela valorização dos trabalhadores de todos os elos da cadeia, por um produto de moda pensado desde a fase de projeto para redução de desperdício e para maior durabilidade. É importante ainda lembrar que cada um de nós também precisa refletir, participar e assumir seu papel de protagonismo do consumo consciente.
Professor/estilista, cenógrafo, Almir França nos últimos 20 anos se dedica ao reaproveitamento como matéria-prima importantíssima para qualidade de texturas e novas possibilidades de criação. Ele é graduado pela Sociedade Propagadora das Belas Artes 1986 (licenciatura plena). Tem Pós-graduação em Moda pela Universidade Veiga de Almeida e é Mestre em História da Moda Senac SP 1992. Foi consultor de Moda Sebrae Nacional e desenvolveu pesquisa sobre trabalho escravo com crianças e mulheres na comunidade da Maré-RJ (fundação CeA). Atuou na aplicação do Projeto Ecomoda em mais de 20 unidades em comunidades do Rio de janeiro e interior do estado do Rio e atua como Coordenador de Projetos Culturais do Instituto Arco-Íris. Almir vai levar sua arte de upcycling = design + sustentabilidade ao DFB Festival.
Destaque para a presença também da label Fruta do Conde que traz para o DFB Festival coleção inédita com 20 peças que evidenciam o handmade que é sua marca registrada. Fazendo moda com arte, a grife foi criada em 2017 pela estilista Denise Faertes e pelo designer de produtos e cenógrafo Gil Haguenauer, desenvolvendo peças a partir de pesquisas aprofundadas sobre o tema e conceitos a serem trabalhados. Mestre em design de moda pela Raffles Milano, para onde ganhou uma bolsa de estudos em 2020, e PhD em engenharia pela Universidade de Sheffield, na Inglaterra, Denise pontou recentemente em entrevista aqui. “Somos uma marca de slow fashion. Queremos algo identitário, algo de que as clientes gostem, que se sintam bem vestindo nossas roupas. Gosto de ateliê, pois as minhas peças são customizadas e cada uma delas é única. Além disso, acreditamos em um trabalho justo, feito com materiais sustentáveis. Também valorizamos muito a qualidade e a durabilidade. Os looks são feitos a mão e as pinturas das roupas são exclusivas e feitas manualmente”. E Denise também me revelou: “Considero o Claudio Silveira o maior incentivador de moda do Brasil”. Em tempo, Almir França apresenta sua coleção no DFB no dia 24 de julho, às 19h, e a marca Fruta do Conde no dia 25 de julho, também às 19h.
Riqueza artística regional
A arte e cultura cearenses brilham através dos anos, e o DFB Festival vem mais uma vez ser palco das manifestações artísticas regionais, tanto que de 24 a 27 de julho, o Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza, recebe a exposição ‘Arte no Ceará‘, da Galeria Mariana Furlani. Com curadoria de Cláudia Sampaio, a iniciativa traz ao maior evento de moda autoral da América Latina uma Mostra Retrospectiva, destacando seleção dos principais nomes do cenário artístico cearense. Com obras, biografias e conteúdos informativos, a exposição oferece aos visitantes uma experiência rica em perspectiva histórica e temporal. A mostra visa fazer referência à trajetória da arte no Ceará, desde suas raízes até o momento atual das artes plásticas, situando no tempo fatos e registros que conectaram artistas locais ao cenário das artes plásticas no Brasil e em outros países. A mostra também irá revelar os ambientes e recursos que intensificaram o desenvolvimento e a produção artística local.
Entre os nomes destacados na mostra, estão figuras emblemáticas como Bandeira, Raimundo Cela, Otacílio, Nirez, Vicente Leite, Aldemir Martins, Chico da Silva, Roberto Galvão, Eduardo Eloy, Sérvulo Esmeraldo, Ascal, Carlos Costa, Aderson Medeiros, Maurício Coutinho, Siegbert Franklin, Cláudio César, Fernando França, Vando Figueiredo e Hilton Queiroz. A exposição também coloca em evidência promissores expoentes da nova geração da arte cearense, como Cláudia Sampaio, Grud, Jaqueline Medeiros, Rian Fontenele, Cristina Façanha, entre outros.
O Dragão é um espaço que aspira arte, criatividade e muita conexão. Receber a Galeria Mariana Furlane reforça nosso objetivo com todo o movimento que idealizamos e defendemos nesses 25 anos de DFB – Claudio Silveira
Sustentabilidade em foco
“Desacelerar no consumo e apostar na qualidade e em marcas comprometidas com o futuro do planeta. Comprar cada vez menos e investir, cada vez mais, em marcas autorais é o único movimento possível para quem tem realmente consciência de consumo”. A frase de Claudio Silveira reflete intrinsicamente a proposta do DFB Festival.
Compreender a moda de forma disruptiva, provocando uma mudança na forma de conceber produtos. O foco é mudar o mindset e olhar para o zero waste, sustentabilidade + consumo consciente, identidade, upcycling, customização, ressignificando. Consciente da importância da preservação ambiental, o DFB convida constantemente todas as marcas participantes a desenvolverem coleções que utilizem técnicas de reuso como principal elemento. Essa iniciativa reforça o compromisso do evento com uma cadeia produtiva mais consciente e sustentável. Por essas razões e toda a jornada moda adentro, que acompanhamos nesses 25 anos, só podemos desejar vida cada vez mais longa ao DFB Festival! E a seguir, nos próximos dias, compartilharemos cenas desse evento lindo comemorativo. Evoé, DFB!
O DFB Festival 2024 é apresentado pelo Governo do Estado do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura. Com apoio cultural da ENEL (enelbrasil), realização da Associação Artesanias do Ceará e Empório Lokar. Apoio institucional da Secretaria de Turismo do Estado do Ceará e Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE) , nos termos da Lei 13.811, de 16 de agosto de 2006.
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