Uma viagem a Xanadu, quem sabe… uma área extremamente brilhante no hemisfério central de Titã, o maior satélite do planeta Saturno. Mas, há a fronteira entre Xanadu e Shangri-La, uma região escura ao oeste. A forma do contorno sugere que o material escuro rodeia o material brilhante. A sinergia entre o claro e o escuro estão na alquimia da mente pensante de Lindebergue Fernandes, que apresenta coleção “Apocalipse Xanadu” no DFB Festival, que reverbera a vocação do Ceará como epicentro para a fomentação da moda, cultura, e da formação e valorização do turismo. E viva a potência criativa que traduz uma visão de mundo mega plural! “O nome da coleção que apresento no DFB é ‘Apocalipse Xanadu‘. Isso meio que esclarece o processo de criação dela. Tem a ver com os anos pandêmicos, em que todos nós adoecemos, de um jeito ou de outro. Tem a ver, também, com a falta de perspectiva advinda de um governo de direita que derrubou pautas e conquistas tão caras para grande parte dos brasileiros. Tem a ver, contudo, com esse momento de recuperação da fé, de retomada da esperança”, observa.
“Ao escolhermos os tecidos, optamos por brocados, acetinados, texturas de luxo e fantasia. Tudo na cor preta, talvez como uma forma de traduzir esse processo de luto pelo qual todos continuamos passando, e que pode estar se encerrando”, sinaliza Lindebergue sobre as peças exclusivas que criou para a passarela do maior evento de moda autoral da América Latina.
O designer celebra a trajetória profissional em sincronia com o evento multiplataforma da moda autoral: “O DFB é minha casa, minha vitrine. Meu nome surgiu nele, ao vencer o Concurso dos Novos Talentos, em 2002. Minha história está completamente mesclada ao evento, e foi ele que me possibilitou aparecer para o mercado. Graças ao DFB Festival, eu tenho casa, carreira, nome e muitas histórias ainda para contar”, divide.
O estilista cearense, famoso por criar peças inspiradas em suas memórias afetivas e coleções vanguardistas, revolucionárias, mergulhadas em emoção, acredita que o momento vai além de repensar o que é inovação no setor moda. “Precisamos compreender nosso papel após esse período de tanta luta pela própria sobrevivência. E falo da Covid, mas também da própria necessidade de se manter ativo no mercado de trabalho. Apesar de ter um público fiel, que consome minhas peças, nunca fui realmente focado em resultados comerciais. Acho que direciono todo esse esforço para meu trabalho que exige esse retorno em números. Na marca ‘Lindebergue‘, o que conta é o amor que a gente dedica em cada peça, em cada post, em cada provocação. Amo os artistas e amo, sobretudo, a capacidade que eles têm de não se importar com as expectativas alheias. O feedback é importante, porque ajuda a traçar caminhos e rumos, mas não é fundamental para o que proponho”, reflete.
Defensor da liberdade criativa, o designer aponta a multiplicidade da moda autoral, como alternativa e centelha de revolução no consumo: “Ela parece cada vez mais plural, misturada, como o próprio DFB, e, por isso, me encaixo tão bem no evento. Criar da maneira que criamos é compreender a diversidade e as possibilidades de um mercado heterogêneo, com demandas tão diferentes entre si, mas que podem ser unir sob uma assinatura criativa. Pelo menos é como acontece comigo”, revela.
E acrescenta que o seu fazer moda sempre teve a consciência sustentável como base e prática há duas décadas: “Mesmo antes até de saber que existiam termos como ‘upcycling‘, ‘economia circular’, sempre utilizei esses princípios. Até por necessidade e falta de grana, sempre me virei com o que tinha em mãos: um tecido doado, um aviamento que sobrou das confecções que trabalhei. Reusar, reinventar, foi algo que a vida me impôs, e que sempre esteve presente em tudo o que criei. Meu público percebe isso de forma clara, acredito. Mas não é uma bandeira que eu transforme em estampa de camiseta para vender mais, compreende? É meu ofício legítimo”.
Ele também faz um balanço sobre as dores e as delícias de continuar se dedicando ao cenário da moda brasileira: “É uma doce e abençoada maldição. Os 20 anos dedicados à moda me mostram que nada, realmente, é tão sólido quanto parece. A luta é praticamente a mesma do início, com a diferença, que hoje existe um nome conhecido e portas que se abrem mais facilmente. Poder trabalhar para a indústria – essa sim, a verdadeira moda brasileira real – me possibilita fazer o que amo na passarela autoral. Poder brincar com esses códigos é o que mais me inspira e move”.
Handmade composto de tradição e renovação
Para o estilista, a vocação do Ceará para a moda artesanal é gigantesca. “Amo descobrir tipologias a partir de releituras e do reuso de materiais com funções desvirtuadas. A vocação do nosso ‘feito à mão’ é muito mais rico do que as tipologias mais tradicionais. Ele se renova a cada dia. Temos comunidades fazendo design a partir de tiras de plástico recicladas do lixo, que podem virar acessórios incríveis. Devemos às rendas a nossa reputação. Mas, o Ceará é muito maior”, opina.
Lindebergue Fernandes também exalta a potência da moda do Nordeste para fazer a roda da economia girar no país. “Reunimos toda a cadeia produtiva. Do plantio do algodão à vocação do nosso povo para o comércio. Olha aí, todas as pontas juntas. Mas o Nordeste não é um ‘lugar’. Somos uma nação gigante e múltipla, com infinitos sotaques e formas de falar a língua da moda. Aqui se produz milhões de peças de lingerie por ano; mas aqui também é o berço de um evento como o DFB, interessado nas perspectivas e provocações artísticas que só a a moda é capaz de suscitar. Somos poderosos e sabemos disso”, frisa o estilista, que tem na paixão pelo que faz sua principal assinatura.
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